A música poliglota de Mariana Zwarg

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O Sexteto Universal. Foto: Teemu Mattson
O Sexteto Universal. Foto: Teemu Mattson

Um e-mail gerado automaticamente por uma plataforma alcançou-me numa manhã. Anunciava o lançamento de “Nascentes”, disco de estreia da flautista, compositora e arranjadora Mariana Zwarg. Já havia me chamado a atenção o single “Pra ele”, ouvido anteriormente, em que ela homenageia Itiberê Zwarg. Agora, ouvindo o disco cheio, não podia deixar para depois: antes mesmo de o disco chegar ao fim fui atrás de seu contato.

Anunciei meu interesse em entrevistá-la e, solícita e simpática, ela me atendeu rápida e atenciosamente.

Nascentes. Capa. Reprodução
Nascentes. Capa. Reprodução

Acompanhada do Sexteto Universal, poliglota em língua e música, Mariana gravou “Nascentes” entre o Rio de Janeiro e Berlim – para onde torna a embarcar em breve: está de malas prontas para uma residência artística de três semanas com o pianista Johannes Von Ballestrem, alemão, seu companheiro de grupo.

O Sexteto Universal se completa com a dinamarquesa Mette Nadja (vocais), o brasileiro Sá Reston (contrabaixo), o francês Pierre Chastel (bateria e percussão) e o finlandês Sami Kontola (percussão).

A sonoridade do grupo tem forte influência do contrabaixista Itiberê Zwarg e do bruxo Hermeto Pascoal – respectivamente pai e padrinho de Mariana. Só ao ler as respostas dela, enviadas por um aplicativo de mensagens, percebi que ao me referir a estas influências havia cravado a palavra “cristalindamente”, juntando cristalina e lindamente para me referir ao som do Sexteto Universal em “Nascentes”. Como o corretor não cumpriu sua função, preferi seguir a lição de Leminski: “até o erro aprender que só o erro tem vez”.

A flautista, compositora e arranjadora Mariana Zwarg. Foto: Elisa Toledo
A flautista, compositora e arranjadora Mariana Zwarg. Foto: Elisa Toledo

ZEMA RIBEIRO – São 18 anos de carreira e quatro de trabalho com o Sexteto Universal. Por que só agora o disco de estreia?
MARIANA ZWARG – É difícil responder essa… Acho que as coisas acontecem na hora certa e quando as ideias e concepções amadurecem. Ter um sexteto me inspirou a compor mais, a arranjar mais… Então fui produzindo mais material ao longo desses quase cinco anos… para cada nova turnê – foram seis turnês, cinco europeias e uma brasileira, onde passamos por mais de 25 cidades em seis países. Eu levava músicas novas. Quando eu vi, tínhamos uma identidade musical e eu tinha uma banda que me inspirava muito, aí tive a certeza que queria que eles (a banda) fossem o meu disco de estreia.

Você é filha do contrabaixista Itiberê Zwarg e afilhada de Hermeto Pascoal e a sonoridade de ambos é refletida cristalindamente na sonoridade de teu álbum de estreia. Quais as principais dores e delícias de descender desta genealogia?
Considero um privilégio ter nascido no lugar que nasci, e crescer escutando a música do meu pai e meu padrinho. São músicos criativos e intuitivos, que incentivam e inspiram os músicos que tocam com eles a criarem e a buscarem seus próprios caminhos musicais.

Ambos são convidados especiais do disco e assinam as únicas composições que não são de tua autoria. Essas presenças são bênçãos de pai e padrinho?
Sim. Mas mais que bênçãos deles dois pra mim, considero uma homenagem minha para eles. É minha forma de dizer “muito obrigada por tudo”, “muito obrigada pela música de vocês, que me inspira tanto”, “obrigada pela nossa grande família musical e espiritual”, e por aí vai!

O conceito de “música universal” é explícito na sonoridade de teu álbum de estreia e também na formação do sexteto: dois brasileiros, um finlandês, uma dinamarquesa, um alemão e um francês. O que é mais fácil e difícil administrar nessa babel, que afinal se entende quando o assunto é a música, linguagem universal?
Sinceramente, o mais difícil é a distância. Não é possível organizar um ou dois shows e só. Tem que ser sempre uma turnê épica de um mês, aí conciliar seis agendas e days off e tudo. Aprendi um tanto sobre produção [risos]. O mais fácil é a parte musical e pessoal. São cinco músicos brilhantes que se dedicam muito para o meu projeto, sempre que chego pros primeiros ensaios, todos já decoraram tudo, fazemos shows sem partituras no palco, apesar de tudo ser super arranjado. Preciso ressaltar que eu escrevo muuuuitos detalhes. E todos são pessoas maravilhosas, agora são minha família também.

Teu disco foi gravado entre Rio e Berlim. Gostaria que você comentasse um pouco do processo, entre composição, arranjos e gravação e se a pandemia, de algum modo, interferiu no calendário de desenvolvimento do trabalho.
Decidi que queria gravar no início de 2019. Aí fizemos uma turnê um junho e julho na Europa, onde eu levei quase todos os arranjos que queria gravar. Aí tocamos alguns ao vivo nos shows e conversamos sobre os outros e sobre como tudo seria. Voltei para a Europa em outubro, fizemos uma turnê de três semanas e em novembro gravamos na Alemanha. Voltei pro Brasil e em dezembro gravei no Rio com os convidados além de alguns “overdubs” (quem escutar o “Nascentes” verá que escrevi alguns naipes com quatro flautas e/ou quatro saxofones). Aí emendei numa campanha de crowdfunding que foi bem sucedida e acabou uma semana antes da pandemia explodir. Então, naquele ponto eu tinha o dinheiro, tinha as músicas mixadas e masterizadas, mas tive que esperar as gráficas reabrirem, as transportadoras etc, etc. Achei que ia lançar em julho e lancei em outubro.

“Nascer é rasgar a vida/ com a faca do peito,/ do plexo, do abraço/ depois de olhar longamente pra trás/ até a saudade perder sentido”, começa a letra de “Lucas e Lena”. Ter nascido em meio a tanta música, convivendo desde cedo com músicos em estúdio, foi definitivo para o rumo escolhido por você? Se não fosse musicista o que você seria? E do que você sente saudade?
Não… Minha caminhada como musicista começou aos 21 anos, depois que tranquei a faculdade de psicologia para tocar flauta. Todos pensam que eu nasci com a flauta na mão… Mas não foi assim. Precisei sair de “casa”, depois voltei pra casa. Então, seria psicóloga se não fosse musicista. Sinto muitas saudades da minha mãe, a Lena da música, autora do poema que eu recitei.

E por falar em nascimento, o disco se chama justamente “Nascentes”. Como se deu essa escolha?
Estava no último dia de gravação aqui no Rio quando encontrei um poema da minha mãe nos meus guardados… Meio solto, num lugar improvável. O poema falava de nascimentos e esse cd não deixa de ser meu nascimento, né? Como compositora, “band leader”. Aí de uma vez só veio a ideia do nome do disco e de recitar o poema.

Com as restrições ainda impostas pela pandemia da covid-19, como está tua agenda? Alguma live programada? O disco sai também em formato físico?
Minha agenda de shows ao vivo está esperando a vacina da covid [risos]. No pré-lançamento do disco fiz algumas lives com a banda. Sempre tenho convites para participar de lives com outros músicos e estou sempre postando vídeos nas minhas redes sociais. Hoje recebi a notícia que ganhei uma bolsa de composição do Instituto Goethe, na Alemanha. Vou passar três semanas compondo, arranjando e gravando com o pianista alemão Johannes Von Ballestrem (que também toca no sexteto). Então, daqui a pouco teremos novidades. Sim, o cd físico já está diponível e pode ser adquirido no site da Scubidu Music.

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Ouça “Nascentes”:

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