Jotarelli e seu Jacob do Bandolim. Acervo Clube do Choro de Santos
Jotarelli e seu Jacob do Bandolim. Acervo Clube do Choro de Santos
Jotarelli ao lado do ex-prefeito de Santos Paulo Alexandre Barbosa com o quadro do compositor Garoto, nas comemorações de seu centenário, em 2015. O quadro foi doado à família do autor de "Gente humilde". Acervo Clube do Choro de Santos
Jotarelli ao lado do ex-prefeito de Santos Paulo Alexandre Barbosa com o quadro do compositor Garoto, nas comemorações de seu centenário, em 2015. O quadro foi doado à família do autor de “Gente humilde”. Acervo Clube do Choro de Santos

Gravada pela primeira vez em 1979, no elepê “Tributo a Jacob do Bandolim”, que homenageava o compositor nos 10 anos de seu falecimento, a “Suíte Retratos”, de autoria do maestro gaúcho Radamés Gnattali (1906-1988), mentor da Camerata Carioca, tem quatro movimentos, que se inspiram nas obras e homenageiam Pixinguinha (1897-1973), Ernesto Nazareth (1863-1934), Anacleto de Medeiros (1866-1907) e Chiquinha Gonzaga (1847-1935), nomes inaugurais do choro.

Além de na música de Gnattali, alguns destes compositores já foram retratados também pelo traço do artista plástico Joacir Alves de Oliveira, o Jotarelli, 60, sergipano de Tobias Barreto, radicado em Santos/SP, desde o fim da década de 1980. Ele também é luthier e defende o acesso de camadas populares às artes em geral.

Assinatura do artista como luthier. Divulgação
Assinatura do artista como luthier. Divulgação

“Grande Zema, bom dia! Jotarelli ao seu dispor. Grande abraço!”. Num aplicativo, uma mensagem de áudio é sua primeira e entusiasmada resposta a meu contato inicial. A curiosidade foi instigada quando a reportagem se deparou com algumas de suas telas, enviadas pelo radialista Marcello Machado de Campos Laranja, presidente do Clube do Choro de Santos: retratos de Jacob do Bandolim (1918-1969), Garoto (o violonista e compositor Aníbal Augusto Sardinha, 1915-1955), Oswaldinho da Cuíca (1940-) e Luizinho 7 Cordas (1946-).

Formado em artes plásticas pela Universidade Santa Cecília dos Bandeirantes (Uniceb, 1989), seu interesse pela área começa de maneira curiosa, na primeira infância, e ele fala sobre isso e outros temas nesta entrevista exclusiva ao Farofafá.

Jotarelli não retrata apenas chorões: o artista em ação. Acervo Clube do Choro de Santos
Jotarelli não retrata apenas chorões: o artista em ação. Acervo Clube do Choro de Santos

ZEMA RIBEIRO – Como é que começa teu interesse por artes plásticas?
JOTARELLI – Eu sou de origem do sertão do estado de Sergipe. Por não ter acesso ao fogão a gás, então nós tínhamos fogão a lenha. Eu descobri o carvão e comecei a rabiscar as paredes aos dois anos de idade e aí começaram a surgir as primeiras imagens, as primeiras surras da mãe e os primeiros interesses pelas artes plásticas.

ZR – Em alguma medida você foi desencorajado de seguir a carreira artística? Geralmente os pais sonham com filhos médicos, engenheiros, advogados…
J – Não. O que acontece é o seguinte: como eu nasci no sertão, aquele sertão complicado, sem recursos financeiros, sem a cultura de escola, então meu pai não teve essas opções em mãos; ele era um homem rural, da lavoura, não tinha assim nenhuma aspiração profissional para nenhum dos filhos. Foram surgindo as vertentes e as oportunidades, aí eu vim para Santos, antes eu trabalhei na Brahma em Aracaju, fazendo aqueles painéis externos, murais, “Brahma, produto de qualidade”, por aí vai, e tal. Aí eu vim pra Santos, pra possivelmente fazer Arquitetura, cheguei a entrar em Arquitetura e migrei, abandonei o traço reto e migrei para Belas Artes e formei em Belas Artes, no caso.

À caneta um presente de Jotarelli para o Clube do Choro de Santos
À caneta um presente de Jotarelli para o Clube do Choro de Santos

ZR – E a tua relação com a música, o ofício de luthier, e particularmente com o choro? Quando se dá?
J – Essa resposta inclui meu pai, um contraste, né? Aconteceu um contraste na vida dele, no caso. Ele já tinha vindo para São Paulo e Mato Grosso e aprendeu a tocar violão, então ele tocava violão clássico, para você ver, um colono, da roça, e tal, tocava violão clássico, olha a loucura! Vai vendo aí o contraste. A gente pegava assim, eu pegava, no caso, através da parede, a porta fechada, por que ele não tocava em público, mas eram muito bonitas, as coisas do Dilermando [Reis, violonista, 1916-1977], que ele tocava, aquelas coisas bem interessantes. Aí eu peguei gosto pela música, um dia comprei um violão e tentei aprender e fui trazendo aos poucos. Em 2008 eu conheci o Clube do Choro de Santos, por coincidência também em 2008 [interrompe-se]. Mais lá atrás, quando eu cheguei em Santos, assim, para falar, para você já ser mais informado, quando eu cheguei em Santos em 1980, na mesma semana em que eu cheguei, duas coisas: eu já estava dentro da faculdade a abri uma empresa em Santos, a Realce Comunicação Visual. A gente prestava serviços de comunicação visual para a Coca-cola, bancos, Banco do Brasil, Varig, uma empresa de aviação que quebrou, e tal, para grandes empresas, e meu trabalho foi bem aceito aqui. Voltando sobre a música, em 2008 eu conheci o Clube do Choro, que me aproximou da música do choro, e o outro, que me aproximou mais da arte plástica, que eu faço retrato à mão, foi o Raimundo Fagner, em Fortaleza. Eu fiz um trabalho pra ele em Fortaleza e fui pegando gosto por fazer retrato, como hoje eu tenho trabalhos na casa do Roberto Carlos, tenho dois, Gilberto Gil três, provavelmente, na casa do Djavan tem um, enfim, e a projeção começou a aparecer. Mas isso foi de 2005, 2008 pra cá, que eu me assumi com artista plástico, que eu já era de formação, e a música, o chorinho, foi fatalmente o Clube do Choro de Santos. E aí eu conheci instrumentos, instrumentos quebrados, quebrou o cavalete, e tal, aí peguei gosto pela luthieria, e hoje eu construo violões profissionais, cavaquinhos, e por aí vai.

ZR – Você tem fotos destes quadros que estão na casa dessas estrelas?
J – Sim, tenho. O que eu não tenho muito é o que está em outros países, na época não tinha celular, essas facilidades. Mas tenho em 11 ou nove países, parece: em Tóquio, Japão, tenho três, Inglaterra, Estados Unidos, Paris, África do Sul, em Portugal tem bastante, na Escócia. Eu não tenho essas imagens, assim, do passado. Sobre essas estrelas que você falou você encontra essas obras na minha galeria do instagram como jotarelliartistaplastico [acima, sua reprodução da capa do disco de Roberto Carlos de 1972, postada pelo artista na rede social]; frequenta lá que você vai ter muita coisa pra ver, tá bom? [repete-se, confirmando:] É, jotarelliartistaplastico, exatamente; o luthier é uma outra coisa que eu ainda não publiquei, mas tem alguma coisa de luthieria também, sim, mas é muito pouco, tem mais é como artista plástico. Em algumas peculiaridades, por exemplo, algumas obras que eu tenho, inclusive algumas obras no interior mesmo, o meu material de uso, apesar de eu ter acesso a materiais bons, da Suíça, Alemanha, e tal, que eu uso, o meu material básico ele é normalmente comprado em lojas de R$ 1,99. Por exemplo, a obra do Pelé, com 17 anos, que eu retratei, uma tela enorme, é maior do que eu a tela, foi com um pincel de 95 centavos. Pode publicar isso aí, não tem problema nenhum. Às vezes eu dou entrevista em várias emissoras, Band, Globo principalmente, não quer publicar tudo, não quer publicar que a arte tem baixo custo, aí eu corto a entrevista. Eu tenho que falar tudo o que eu quero que fale: que a arte é barata, custa barato e está ao alcance de qualquer um.

ZR – Significa que este pobre repórter pode ter uma tela sua em casa? [risos]
J – Claro, claro, meu brother! Sem dúvida alguma.

ZR – Quem foi teu mestre na arte da luthieria?
J – A minha inspiração nas artes plásticas, sem dúvida, é o Michelangelo [pintor e escultor italiano, 1475-1564], e muitas reportagens que eu vejo sobre pessoas que não tem um membro, a mão, braço, perna, esses artistas que fazem coisas maravilhosas, eu assisto muito, eu me inspiro muito nisso, nesses talentos. Na luthieria o meu mestre chama-se Homero Nardi.

ZR – Você não pinta apenas retratos de artistas da música, mas costuma ouvir música enquanto trabalha nas telas? De modo geral, que artistas da música te inspiram, aqueles que fizeram os discos que você ouve sempre?
J – A lista é infinita, rapaz. Eu curto quase todos do Nordeste, aqueles clássicos lindos, desde Luiz Gonzaga [1912-1989], Djavan, e aí vem se arrastando. Tem muita coisa boa, de Minas Gerais, muita, muita. O Brasil é riquíssimo, sabemos disso. E alguma coisa também de fora, internacional, música cubana, música inglesa antiga, não deixo de ouvir um Elton John, Beatles sempre, e aprendi a gostar de choro de 2008 pra cá.

ZR – Entre os chorões alguma predileção?
J – Mais uma pergunta difícil. A lista é enorme, imensamente enorme. Assim, podemos começar lá atrás, no Pixinga, né, cara? O Pixinguinha é um mestre mesmo. Mas aí o Brasil vem descendo a ladeira, como diz o Moraes Moreira [1947-2020], chegamos na Bahia, no Armandinho, vê a riqueza, é fantástica a cultura musical dele, a agilidade. Armandinho, os mais recentes, como Hamilton de Holanda, não podemos descartar esse pessoal que pega o choro e cria no formato deles, na habilidade de cada um. Choro é isso: existe o formato tradicional, que a gente respeita e tal, mas a habilidade de cada profissional é de cada um, deixa o cara brilhar, entendeu? Estou falando para esses mais recentes agora, esses emergentes aí, muito bons por sinal, mas lá atrás tem muita coisa, desde Chiquinha Gonzaga, Patápio [Silva, flautista e compositor, 1880-1907], é rico, é rico, Jacob, Waldir [Azevedo, cavaquinhista e compositor, 1923-1980], e vem vindo aí, o Brasil vem descendo a ladeira e brilhando. Hoje o nosso grande representante do Brasil, me desculpem os chorões mais antigos, mas o Yamandu [Costa, violonista sete cordas] é fantástico, hoje ele é o grande representante do Brasil nas cordas, pra mim. Assino embaixo. [Completa, após uma pausa:] Tem um que eu esqueci, que mora no coração de todo mundo, acredito, de todos os brasileiros, do choro, da música clássica, que chama-se [enfatiza, escandindo as sílabas] Raphael Rabello [1962-1995].

ZR – Você exalta estes nomes, com razão, demonstrando serem eles a grandeza do Brasil, figuras que nos enchem de orgulho. Por outro lado, há uma intenção de destruição de políticas culturais, de negação da beleza, por parte do governo federal, que é algo até antibrasileiro, por estranho e contraditório que isso possa parecer. Como você avalia este atual cenário político que atravessamos?
J – Vou pegar carona nesse termo seu aí, que eu achei excelente: antibrasileirismo. Gostei disso. É isso aí! É a atual realidade que estamos vivendo.

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