O tesouro do arquiteto

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Foto: Jotabê Medeiros
Paulo Mendes da Rocha: “A arquitetura materializa um desejo humano. Ela já existia antes de você”
Paulo Mendes da Rocha doa todo seu acervo para uma instituição portuguesa e causa controvérsia

 

O artista nativo de um País tem o direito de decidir que, para a posteridade, sua obra seja guardada em outro País que não o seu? Ao anunciar, no dia 10 passado, a doação de todo seu acervo para a Casa da Arquitectura de Matosinhos, de Portugal, o arquiteto capixaba Paulo Mendes da Rocha, mais importante profissional da arquitetura brasileira vivo e que completa 92 anos daqui a um mês, no dia 25 de outubro, destampou a polêmica em torno dessa questão.

Primeiro, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, na qual o arquiteto foi um dos mestres, demonstrou contrariedade com o anúncio, argumentando que o “vínculo com a história dessa instituição de ensino” daria maior significado à guarda. Outros profissionais, como o arquiteto José Lira, viram no ato um símbolo da “erosão cultural do País”. Há alguns dias, 290 arquitetos, artistas e intelectuais divulgaram um manifesto de apoio irrestrito à decisão de Mendes da Rocha.

Outras opiniões vêm abalizadas de força teórica. O historiador italiano Daniele Pisani, especialista na obra de Mendes da Rocha, disse o seguinte: “O Paulo é um arquiteto brasileiro, mas a sua obra pertence ao mundo. Estamos aqui para frutificar, ele sempre fala. E desse ponto de vista, o lugar da sede do acervo tanto faz”.

O historiador Pisani acha razoável enxergar, na decisão do brasileiro, um reflexo político da atual situação de crescente autoritarismo no País. Mas o próprio arquiteto, inquirido por CartaCapital sobre se sua decisão tem relação com a escalada autoritária, respondeu sucintamente: “Com certeza não. Trata-se uma questão em pauta há alguns anos”.

A festejada arquitetura de Paulo Mendes da Rocha recebeu o Prêmio Pritzker de 2006, o mais importante da área, e o Leão de Ouro de Veneza em 2016. Cassado pela ditadura (junto com Vilanova Artigas, Maitrejean e outros), ele se acostumou a fazer de seu trabalho um manifesto da condição livre do homem, de seu desconforto com a visão predatória do consumo, da desumanização das metrópoles.

Autor que trata a realização arquitetônica, antes, como uma expressão do pensamento, ele tem cuidado há anos de estabelecer o valor de seu legado.  “Não existe isso de ‘a sua arquitetura’. Ou melhor, ela só existe, a arquitetura, porque não é ‘sua’. Ela já existia antes, é um desejo humano.” O arquiteto, ele prossegue, se se dispuser a ir atrás desse desejo do gênero humano, buscará a satisfação dos desejos do outro. “Não é você que faz para você”.

 

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