Um clássico do bielorrusso Bogdanóv mede, alegoricamente, o pulso de um sistema socialista no Planeta Vermelho
Sociedade ideal não existe. Nem em Marte. Mas, em 1908, o escritor bielorrusso Aleksandr Bogdánov criou uma visionária obra de ficção científica que transportava o debate humanístico então em vigor justamente para o Planeta Vermelho, uma evidente alegoria da própria situação em que ele estava imerso naquele momento, o ambiente da Revolução Russa. O resultado, o livro Estrela Vermelha (Clássicos Boitempo), virou um vertiginoso exercício do debate sociopolítico e existencial em um terreno análogo ao do laboratório – no qual as circunstâncias artificiais criadas permitem a medição de reações naturais.
O jovem Leonid, revolucionário questionador e cientista, é abduzido (voluntariamente) por um jovem marciano, Menny. Este, aparentemente, conduz à ruína o relacionamento amoroso (e defeituoso) de Leonid (a primeira pista de que algo não cheira bem) para conseguir que o rapaz o acompanhe a Marte, onde o exporá à sociedade socialista presumivelmente perfeita, alicerçada em tolerância, progresso científico e paridade de gênero.
Nas costas de Leonid, repousará a responsabilidade da representação de toda a humanidade frente a um sistema social novo e aparentemente purificado. O amor, a doença, o sexo, o crime: que pacto ético poderia transpassar tudo isso? As traquitanas científicas que Bogdánov criou persistem absolutamente fascinantes e dão verossimilhança ao relato há mais de um século. Por divergências com Lênin, Bogdánov foi expulso do Partido Socialista em 1909, um ano após a publicação desse livro. Conforme acentuam Paula Vaz de Almeida e Ekaterian Vólkova Américo, no texto do prefácio, essa pode ter sido a última utopia da literatura russa. Depois, só se publicou distopia.