Quando finalmente o Lacaio do Imperador estancou à sua frente, com sua lanterna de enxofre, Regina já tinha subido mais de 700 degraus até chegar à torre mais alta.
Ele então lhe apontou o feudo que ela estava assumindo e leu uma lista no teleprompter.
– À direita, 2 mil metros lineares de estantes de livros raros na Biblioteca Nacional, que corre risco de incêndio;
– À esquerda, 245 mil rolos de filmes na Cinemateca Brasileira, que deve ter a climatização cortada nos próximos dias;
– 700 milhões de reais em filmes contratados e não iniciados na Ancine;
– 30 museus federais com contas de água, luz e segurança atrasadas;
– 200 mil imóveis tombados no Iphan, quase tombando por corte nas verbas;
Regina achou tudo lindo como um final de novela escrito por Janete Clair. Ela balançou a longa cabeleira escovada e sorriu um sorriso de anúncio permitido pela emissora. Sentiu-se como num leilão de gado do Jockey após arrematar um reprodutor Brahman.
– Vai poder fazer vídeo para o Insta na frente da coroa de Dom Pedro 2.o?, ela perguntou.
– É tudo seu, talkey?, garantiu o Lacaio, tossindo na mão.
– Tenho uma colinha aqui para a ocasião…, ela disse, olhando para uns rabiscos na mão nos quais se liam palavras como “pum” e “palhaço”.
– Precisa não, deixa pra posse, respondeu o Lacaio, impaciente.
Começaram a descer parando pelos aposentos.
– Tem salão de festas?, ela indagou, dando um rodopio em cima das sapatilhas.
– É logo ali, ele respondeu.
Ao chegarem à Galeria Palmares , ela viu um homem preto com sorriso de estátua de sal brincando com um açoite na mão, sentado numa poltrona de pele de onça.
– Ah, esqueci de lhe contar: esse é o Borba Gato, seu servo. Mas aqui quem manda é ele, talkey? Esse não pode exonerar.
Mais abaixo, na Galeria dos Fiéis, Regina viu suas aias e sua ama de leite afogadas no próprio sangue e espantou-se.
– Ah, aquelas? Tive de dispensar, olharam feio para as cabeças empalhadas no nosso Salão das Diferenças, explicou o Lacaio.
Quando finalmente chegaram ao Salão de Festas, o chão estava coberto de cadáveres da Peste Negra.
– Não repare a bagunça, disse-lhe o Lacaio. Se lhe perguntarem, tenho aqui uma resposta-padrão para seu uso exclusivo: “Na humanidade, não para de morrer gente. Não podemos andar por aí com isso nas costas”.
Ela demorou para decorar a última parte, “nas costas”, que anotou nas costas da mão. Chegando ao pátio, viu que a carruagem que a trouxera ainda estava lá. Subiu correndo.
– Rume para o Canal Viva! Estão reprisando a primeira versão de Irmãos Coragem.
Ao lado da carruagem, ainda ouviu o Lacaio a cavalo correndo atrás da carruagem e oferecendo umas terras invadidas no Pontal como “reparação”. “Depois vejo isso”, pensou Regina. Por fim, limpou a testa fria com o lenço. “Ufa!”, exclamou.
Que crônica realista…kkkk!!!!!!!!!
Que crônica fantástica!