The Waste Land

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Tudo que foi longamente adiado pode ser visto como uma possibilidade agora.

Reduzir o universo saturado da bolha social ao mundo dos afetos francos e da honestidade. Brincar mais, ler mais, escrever mais, ponderar mais. Terminar a casa na árvore. Tentar compreender coisas às quais não chegamos perto. Joyce, por exemplo, sempre cantado como intangível. Bruckner, quem sabe, aquele que tinha um senso de espacialidade tão profundo que já incluía até a reverberação nas composições. Quem sabe desenterrar o velho sonho de viver do que se planta e do que se colhe, adiado durante décadas pela oferta de uma viagem atrativa, uma promoção especial, uma plateia intelectual. Deixar para trás o supérfluo, os títulos e as competições, e concentrar no essencial.

Essa praga fez o que ninguém faria, nem governos nem guerras ou mesmo blocos econômicos continentais: deteve momentaneamente a corrida frenética pelo dinheiro, a concorrência brutal, a vaidade autofágica, a humilhação do mal pago, a pressa que se transforma em gula, em ambição, em deselegância, em agressividade. Fragilizou ainda mais os mais fracos, evidentemente, mas também elucidou os mecanismos de fabricação de fragilidades pelos ricos.

De certa forma, está expondo os mais fundos egoísmos, a arrogância onipotente dos que se julgam protegidos pelo poder de consumo, pelo acesso aos escudos da saúde privada, pela estocagem de papel higiênico e imunes às pragas da ralé. Que fogem para Trancoso levando consigo o risco e a prepotência de sempre, mas que agora correm sem freios em seu próprio sangue.

Desmascarou as convenções do que seja civilização, países abandonando os velhos com mais de 80 anos para morrer à míngua, da mesma forma que faziam os antigos em sua barbárie de abismos e sacrifícios humanos.

Tirou as membranas da imunidade do coração das fórmulas econômicas, que sempre brincaram livremente, gabando-se de serem forças próprias da natureza, sem possibilidade de estancamento. A máscara caiu com um berro de desespero, feito um circuit breaker de meio-dia ou quase, revelando que a brincadeira é unilateral – pode ser parada, mas só um lado pode fazer isso quando se encontrar em desvantagem no seu jogo do lucro.

Estamos estáticos, é fato, verdadeiramente assustados e inseguros; mas também estamos em um estado de estranha vibração, a cabeça formigando como o braço do velho cortador de grama enferrujado. Já combinamos trocar verduras e legumes, montar a equação da sobrevivência para além das fontes usuais de escambo, imaginar o futuro de outra forma. Os poetas e trovadores já estão fazendo seus concertos live-stream para manter quente a palavra, casos de Neil Young e Patti Smith e Teresa Cristina.

É verdade que os poderosos emergirão mais cruéis e poderosos de tudo isso, mas os da base da pirâmide terão um período único para pensarem se é isso mesmo que definirá a sua existência para a eternidade. Nunca tiveram isso: tempo. Não é algo desprezível.

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