Uma biografia do jornalista Camilo Vannuchi acompanha de perto a saga da ex-operária e ex-primeira-dama brasileira Marisa Letícia Lula da Silva
“Mataram o Teori, vão matar meu marido também!” A frase foi dita por Marisa Letícia Lula da Silva ao saber da morte de Teori Zavascki, ministro do Supremo Tribunal Federal, em 19 de janeiro de 2017, segundo narra a biografia escrita pelo jornalista Camilo Vannuchi, filho de Paulo Vannuchi, ministro dos Direitos Humanos de Luiz Inácio Lula da Silva entre 2005 e 2010. Divergindo da própria profecia, Marisa morreria 15 dias depois, em consequência de um AVC sofrido no dia 24 do mesmo janeiro. “Mataram a Marisa!”, exclamou em 3 de fevereiro Zelinha, encarregada da lanchonete do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, ainda segundo o biógrafo.
O trânsito de Camilo Vannuchi junto aos personagens em questão é o motor de Marisa Letícia Lula da Silva, que conta a história do Brasil dos últimos 50 anos pela ótica não do marido, mas da esposa. O livro tinha sido autorizado por ela, mas não houve tempo para as entrevistas acertadas entre biógrafo e biografada. Lula, por sua vez, começou a ser entrevistado, mas o trabalho foi interrompido por sua prisão, em 7 de abril de 2018 (dia em que Marisa completaria 68 anos, se estivesse viva).
A morte de Marisa e a prisão de Lula aguçaram a pertinência de uma biografia da ex-primeira-dama brasileira, e também tornaram mais melancólica a transcrição da saga da ex-operária nascida em São Bernardo do Campo, que teve seu primeiro emprego aos 9 anos de idade, como babá em casa da família Portinari. Vannuchi reconhece no livro que uma mulher teria lugar de fala mais adequado para cumprir a tarefa biográfica, deficiência que ele procura sanar abordando com afinco as vivências sobre diferenças de gênero no seio da família (Lula da) Silva.
Mesmo assim, por diversas vezes, Lula rouba o protagonismo da narrativa, algo com que Marisa sempre conviveu. Cerca de cem entrevistas ajudam-no a documentar a centralidade feminina de Marisa no dia a dia do lar, do Sindicato dos Metalúrgicos, do Partido dos Trabalhadores, das campanhas eleitorais, da presidência da República entre 2003 e 2010, da perseguição implacável no contexto da operação Lava Jato. Flagra os ciúmes que Marisa sentia por Lula (e, bem mais discretamente, os que Lula sentia por Marisa) e documenta as inseguranças que mantiveram a protagonista quase sempre silenciosa durante os anos no poder. É uma história que soa triste no calor da hora, pelo desfecho vivido por Marisa, mas cuja grandeza de um jeito ou de outro estará inscrita nos livros de história, a começar por este.