Jornal da Tarde, o diário da ousadia e da criatividade
Em tempos digitais, pode ser difícil imaginar que as pessoas corriam todos os dias para obter uma edição fresquinha de um jornal. Mais improvável é pensar que havia ainda publicações que saíam no meio da tarde, os diários chamados de vespertinos. E entre eles houve um em especial que ousava publicar notícias quentes com textos literários, mais comumente contemplados em revistas semanais ou mensais. O Jornal da Tarde, que estreou em 4 de janeiro de 1966, foi uma avis rara da imprensa brasileira e sua história é contada agora em livro com o devido valor que merece.
Jornal da Tarde, que ganhou o aposto Uma Ousadia que Reinventou a Imprensa Brasileira, foi escrito por Ferdinando Casagrande, um jornalista que trabalhou no veículo já na fase em que deixou de ser vespertino para se tornar matutino. Vencedor do prêmio Livro-Reportagem Amazon 2019, que garantiu a publicação da obra pela Editora Record, Ferdinando fez o dever de casa para qualquer jornalista que passou pelo JT, como era conhecido. Apurou com determinação, entrevistando 47 colegas no total, e permeou a sua narrativa a partir dos momentos históricos do diário.
Mino Carta, editor desta CartaCapital, foi o jornalista convidado por Julio de Mesquita Neto para tocar essa empreitada. Antes ele já havia criado a Quatro Rodas, da Editora Abril, depois a Edição de Esportes, do Grupo Estado, e então o JT – em seguida, Mino foi criar as revistas Veja, Senhor, IstoÉ e, por fim, CartaCapital. As histórias relembradas por Casagrande são saborosas para quem gosta do jornalismo. A primeira capa, por exemplo, trouxe a manchete “Pelé casa no carnaval”, e uma foto, em cinco colunas, da suposta noiva. Mas, por um erro do fotógrafo e reconhecido publicamente apenas dez anos depois, quem apareceu na primeira página não foi Rosemeire dos Reis Cholbi, mas a irmã dela, Isabel.
O JT foi o berço de uma geração de jornalistas do primeiro time da imprensa brasileira, como Marcos Faermann, Valdir Sanches, Murilo Felisberto, Renato Pompeu, Nirlando Beirão, Carmo Chagas, Paulo Moreira Leite, Júlio Moreno, José Maria Mayrink, Tão Gomes, Sergio Pompeu, entre outros. O colunista Telmo Martino foi outra referência: “Nenhum cantor, compositor, artista plástico, ator ou diretor de teatro podia se considerar importante se não fosse citado por Telmo Martino”, anota Casagrande. O jornal produziu capas icônicas, como as do governador biônico Paulo Maluf (1979-1982) travestido de Pinóquio e a da derrota da seleção brasileira na Copa de 1982, sem manchete e apenas com um garoto chorando copiosamente. No dia 12 de outubro de 2012, 46 anos depois, a última edição do JT foi publicada.
Jornal da Tarde. De Ferdinando Casagrande. Editora Record, 364 págs., 53 reais.