A EDITORA 34 LANÇA UMA CAPRICHOSA EDIÇÃO DO LIVRO DE ESTREIA DO POLONÊS BRUNO SCHULZ, QUE FOI COMPARADO A KAFKA
A obra do escritor e ilustrador polonês Bruno Schulz (1892-1942), que chegou a ser comparada à de Franz Kafka, é uma viagem pela angústia da percepção, um diagnóstico que o autor reparte com seus leitores de forma inapelável. Em busca de descrever uma certa asfixia do espírito humano nas engrenagens de suas células de conforto (a família, a casa, o casamento, o grupo de amigos, a cidade), Schulz reúne em sua obra-chave (e também sua estreia), o livro de contos Lojas de Canela e Outras Narrativas (1934), um fabuloso mundo de detalhes e miragens do cotidiano.
“Aqui, os acontecimentos não são fantasmas efêmeros da superfície, aqui eles têm raízes aprofundadas até o âmago das coisas”, escreveu o autor polonês no conto República dos Sonhos. Há diversos contos no volume que exemplificam essa determinação de Schulz, mas talvez um dos mais efetivos seja O Sr. Karol, a não-história de um homem de 30 e poucos anos que experimenta uma sensação de liberdade temporária com a viagem da mulher e dos filhos. O corpo do Sr. Karol, livre do condicionamento da rotina, desfruta do período de liberação de uma maneira tão intensa que logo sobrevém a culpa, encarnada nas coisas materiais – os armários, a cozinha, as paredes, a casa toda. De algum modo, o conto parece se conectar com as visões de Cortázar, com um princípio de realismo fantástico.
Schulz criou toda sua literatura em pouco mais de uma década, quando sobreveio o pesadelo nazista na Polônia. Sua obra (que quase se perdeu foi resgatada posteriormente) se relaciona umbilicalmente com a cidade onde viveu, Drohobycz, na Galícia (quando era parte do império austro-húngaro). Angariou admiradores como Isaac Bashevis Singer, John Updike e Philip Roth, entre muitos outros. O volume editado pela Editora 34 compreende, além de Lojas de Canela, cinco contos que não figuram em sua segunda obra, Sanatório sob o Signo da Clepsidra. Entre eles, um texto inédito em português, A Primavera.
Sua literatura descreve a ambiência como expressão colada ao espírito, do xadrez dos pavimentos à textura dos edredons e o filtro solar das cortinas e “desenhos fantásticos de fendas e fissuras”, além de animais e insetos. Essas ornamentações narrativas se acondicionam nas situações e nos personagens, criando uma atmosfera poética de grande impacto, cheia de “homens atordoados e sem nenhum pensamento na cabeça”. Em 19 de novembro de 1942, Bruno Schulz foi assassinado no meio da rua por um oficial alemão.
Lojas de Canela e Outras Narrativas. De Bruno Schulz. Tradução de Henryk Siewierski. Posfácio de Angelo Maria Ripellino. Editora 34, 224 páginas, 49 reais.