Pierfrancesco Favino e Maria Fernanda Candido
Tommaso Buscetta (Pierfrancesco Favino) e Cristina (Maria Fernanda Candido) em cena de O Traidor

FILMAÇO DE MARCO BELLOCCHIO RECUPERA UMA MEMÓRIA OBSCURA DE ALGUNS MÉTODOS DA DITADURA

O novo filme do cineasta italiano Marco Bellocchio, O Traidor, que representará a Itália no Oscar 2019, aborda de passagem um tema muito pouco aventado e muito menos investigado no Brasil: a possibilidade de o regime militar ter utilizado aqui uma estratégia de combate contra opositores políticos que só se imaginava comum na ditadura argentina até então. Trata-se do chamado “voo da morte” (vuelo de la muerte), que consistia em transportar presos políticos em helicópteros e aviões até o alto mar e jogá-los de grande altitude para que morressem e seus corpos desaparecessem no oceano.

Coprodução entre Itália, Brasil, Alemanha e França, O Traidor é baseado na história real do mafioso italiano Tommaso Buscetta (1928 -2000), conhecido como “chefão de dois mundos”, que foi preso no Brasil nos anos 1980. Buscetta foi o primeiro do alto escalão da organização criminosa siciliana Cosa Nostra a delatar seus comparsas à Justiça, no caso que ficou conhecido como Maxi-Processo. Ambientado parcialmente no Rio de Janeiro das décadas de 1970 e 1980, o filme traz Pierfrancesco Favino no papel de Buscetta, Maria Fernanda Cândido como Cristina (a esposa brasileira do mafioso, que viveu no País) e Fausto Russo Alesi como o intérprete do juiz Giovanni Falcone, que obteve as provas contra os mafiosos.

No filme de Bellocchio, após a prisão de Buscetta (Favino, que aprendeu português para fazer o personagem), ele é torturado pela ditadura militar. Para arrancarem confissões de Buscetta, os agentes da repressão sequestram sua mulher, Cristina (Maria Fernanda Cândido), e colocam ambos em helicópteros distintos. Em alto-mar, abrem as portas dos helicópteros e mostram a Buscetta, em um deles, a mulher, Cristina, pendurada pelos braços em outro helicóptero, ameaçando jogá-la.

É uma cena forte, a ação se passa no Rio e as fontes de Bellocchio são os próprios sobreviventes daqueles episódios. Após o final do julgamento dos mafiosos que delatou na Itália, Buscetta cumpriu três anos de prisão e, jurado de morte, passou a viver em movimento nos Estados Unidos, mudando constantemente de residência, protegido pela polícia norte-americana. Nessa época, deu entrevista para Caco Barcellos, no programa de TV Fantástico, da Rede Globo. A mulher (Cristina foi seu terceiro casamento) e os filhos de Buscetta (os que sobreviveram à vingança da Máfia; ele teve 8 filhos) também vivem incógnitos até hoje nos Estados Unidos. Buscetta, após a morte, foi enterrado com outro nome no País.

A atividade da repressão e seus métodos no período voltaram ao debate público de forma sombria nos últimos tempos. O cenário da tortura de Buscetta remete a uma frase dita recentemente por Jair Bolsonaro para provocar adversários políticos no Brasil: “Quem quer atrapalhar o progresso, que vá atrapalhar na Ponta da Praia”. A “Ponta da Praia” referia-se à base da Marinha na Restinga de Marambaia, no Rio de Janeiro – um local utilizado durante a ditadura militar para a tortura e execução de ativistas políticos e outros alvos do regime. Bolsonaro já tinha feito outra referência ao local em 2018, quando disse, em uma transmissão para apoiadores: “Petralhada, vai tudo vocês (sic) para a Ponta da Praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria.”

O Traidor teve pré-estreia no Brasil anteontem, terça, 19,  no Auditório Ibirapuera, durante a cerimônia de abertura do 14° Festival de Cinema Italiano. A estreia comercial está prevista apenas para o início de 2020. Em disputa pelo mais importantes prêmios do cinema mundial (indicações à Palma de Ouro, no Festival de Cannes, e ao Globo de Ouro, nos Estados Unidos), o filme de Bellocchio foi recebido com 13 minutos de aplausos em Cannes. No Brasil, anteontem, não foi diferente: tendo na plateia o embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini,  e o Cônsul Geral da Itália em São Paulo, Filippo La Rosa (que se referiram a Bellocchio como “o mais importante cineasta italiano contemporâneo vivo”), além da atriz Maria Fernanda Cândido e autoridades, o filme foi exaustivamente aplaudido. Fausto Russo Alessi, que interpreta o juiz Giovanni Falcone, enviou uma mensagem em vídeo de dentro do teatro de Módena, na Itália, onde está em temporada, falando sobre a expectativa de que o filme fosse bem recebido no Brasil, pela importância da trama aos dois países. Em 2011, Bellocchio foi premiado com o Leão de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza por sua carreira cinematográfica. O filme dá um show de interpretações nas cenas de acareações entre Buscetta e os mafiosos delatados.

A passagem do mafioso Tommaso Buscetta pelo Brasil no período é descrita por Bellocchio com outros detalhes, como sua ação como coordenador do tráfico de drogas no País – nas cenas de agenciamento de tráfico, ele contracena com o ator Jonas Bloch e toma banho de mar na praia de Grumari. O coprodutor brasileiro da produção ítalo-brasileira, Fabiano Gullane, estava também na sessão, que teve apresentação do ator Murilo Rosa.

O tema dos “voos da morte” foi abordado recentemente no filme argentino Kóblic, com o ator Ricardo Darín. Ele interpreta um militar que pilotava aviões que despejavam adversários políticos do regime no mar. Até que um dia ele se recusa a cumprir uma ordem e foge com a aeronave.

 

FICHA TÉCNICA:

O TRAIDOR

Com Pierfrancesco Favino, Maria Fernanda Cândido, Fausto Russo Alessi

Direção: Marco Bellocchio

Direção de Fotografia: Vladan Rodovic

Direção de Arte: Andrea Castorina e Daniela Vilela

Figurino: Daria Calvelli e Gabriella Marra

Montagem: Maria Francesca Calvelli

Produzido por: Giuseppe Chaschetto, Simone Gattoni, Fabiano Gullane, Caio Gullane, Michael

Weber, Viola Fügen, e Alexandra Henochsberg

Produtor Delegado Brasil: André Ristum

Produtoras: IBC Movie, Kavac Film, Rai Cinema, Gullane, Match Farctory Productions e AD

Vitam

Distribuição Brasil: Fenix Filmes e Pandora Filmes

 

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