Eram tantos violonistas que, de brincadeira, comentei com Ricarte Almeida Santos, já no fim da manhã: o festival deveria se chamar seis mil cordas.
Ontem (22) pela manhã, na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo (Praia Grande), Turíbio Santos, monumento do violão internacional, como afirmei, referindo-me a ele, para a plateia, ministrou uma concorrida masterclass. Foram quase três horas ouvindo, comentando, dando exemplos, ensinando. Nem todo mundo que foi “armado” conseguiu subir ao palco para executar suas peças.
Achei ousado, curioso e importante que vários alunos da Emem tenham escolhido peças de Heitor Villa-Lobos (“Mazurca-choro”, “Prelúdio n°. 1”, “Choro n°. 1” – este, tocado também pelo próprio Turíbio, ao final) para apresentar. Desde a década de 1960, Turíbio é o maior divulgador da obra de Villa mundo afora. Também compareceram ao repertório da manhã nomes como Léo Brouwer, Augustin Barrios, Oscar Cáceres.
As observações de Turíbio Santos não se limitaram a aspectos técnicos do violão e das execuções. Comentou aspectos anatômicos, desde a postura até os efeitos, com a autoridade de quem, aos 76 anos de idade e mais de 60 de violão, já os sentiu e procurou descobrir como combatê-los. “O Paco de Lucía [violonista espanhol, 1947-2014], pouco antes de morrer, terminava os concertos chorando de dor, o flamenco tem a coisa da mão direita muito forte”, exemplificou.
Em sua saudação inicial, Luiz Jr. Maranhão não escondia sua contenteza. Revelou que a ideia de um Festival Internacional do Violão de São Luís, que começou ontem com a masterclass de Turíbio, remonta ao Festival Internacional de Música de São Luís, realizado em 2002 e, infelizmente, estancado naquela única edição – desejo melhor sorte à empreitada dele.
Turíbio Santos estava alegre por reencontrar a cidade e com o nível do que viu e ouviu. Contou histórias que remontam à infância, sua turma da Rua das Hortas, no centro da cidade natal, o pai, boêmio, violonista e seresteiro, e o início, meio que por acaso, da carreira de concertista.
“Alguém foi me chamar em casa, “Turibinho, tem um outro Turíbio tocando violão”. Fui, cheguei, desfilei meu repertório, o que eu tinha na agulha e dona Lilah Lisboa, minha madrinha [na música], disse: “meu filho, ano que vem você vai fazer um concerto aqui”. Eu disse: “mas eu não sou profissional, concerto onde?”. “No teatro de sua terra [o Arthur Azevedo], quanto é seu cachê?”. “Eu não tenho cachê, eu não sou profissional”. Depois disse: “se a senhora pagar a passagem de meu pai eu venho fazer o concerto”, meu pai nunca mais tinha vindo em São Luís, ficou feliz, quando chegamos eu lembro das portas na casa da rua das Hortas se abrindo, todo mundo fazendo festa. Fiz o concerto, na semana seguinte repeti, já com um cachê pago pelo Sesc”, lembrou.
Sua outra madrinha, contou, foi Arminda Villa-Lobos, viúva do compositor. “Um dia eu ia assistir a uma palestra de Villa-Lobos e Jodacil Damasceno e Hermínio Bello de Carvalho recomendaram que eu anotasse tudo. “Mesmo o que você não achar importante, anote, pois você vai ver que é importantíssimo”, aconselharam. E assim eu fiz. E depois essas anotações deram no livro “Villa-Lobos e o violão”. Quando saiu um crítico inglês escreveu numa revista: “eu acho muito estranho que Turíbio Santos se lembre, em 1985, de uma palestra que Villa-Lobos deu em 1958, um ano antes de morrer”. Eu fiquei chateado, ele podia ter me ligado para perguntar, mas não lhe respondi. No número seguinte da revista fiz publicar minha resposta, dizendo que o livro tinha sido revisado e paginado por Arminda”, lembrou.
“Eu gosto muito desses encontros, por que há algo de encruzilhada e mistério. Há algum tempo eu jamais imaginaria estar em São Luís, em um festival de violão, produzido pelo Luiz Jr.”, festejou.
O termo internacional no nome do festival está longe de ser sinônimo de arrogância ou pretensão. Para dar um pequeno exemplo da magnitude do evento, além de Turíbio, hoje pela manhã estavam na plateia da masterclass, entre outros, Joaquim Santos e João Pedro Borges, também maranhenses, também internacionalmente reconhecidos no instrumento que escolheram abraçar.
Outro ponto que merece destaque é a preocupação da produção do evento com o caráter formativo: de ontem até quinta (24), na Emem, acontecem as masterclasses. De quinta a sábado (26), a partir das 19h, no Convento das Mercês (Desterro), acontecem os concertos. “A gente está chamando de shows mesmo, para tirar o violão desse pedestal, dessa aura sagrada e superior, tentando popularizá-lo ainda mais”, provocou Luiz Jr. Maranhão.