Escrevemos quase sempre com a ilusão de que seremos lidos por multidões. Ondas de leitores que entenderão o livro e suas entrelinhas, seus recados vaidosos, seus pequenos egoísmos, as frases que não são deles, os leitores (são nossas, dos autores, coisas das quais temos dificuldade de desapegar). Muito raro autor que escreveu para não ser lido; nem mesmo o Dalton Trevisan, que só não quer mesmo é ser incomodado.
Mas certamente não  me parece sensato imaginar que os escritores escrevam também pensando num leitor gigante. Um leitor maior que sua imaginação, capaz de colocar milhares de crianças em ônibus novos no interior do Maranhão, da Paraíba e do Piauí indo pra escola pela primeira vez; capaz de dar fim a um ciclo centenário de mortalidade infantil; capaz de dar oportunidades para bisnetos e trinetos de escravos de se bater igualmente na mesma academia dos bisnetos e trinetos de seus algozes; capaz de nocautear um destino histórico de submissão, de autopiedade.
Também não creio em autor (talvez apenas o Dráusio ou o Johnny Cash) que escreva ou componha pensando explicitamente em um leitor que vá ler o livro sob privação da liberdade. Geralmente pensamos em leitor de vontade livre, esquecendo que a vontade sempre é livre. O que é cativa é a privação da liberdade de pensar, de dizer o que se pensa sem ser agredido ou segregado, uma perversa contribuição desse nosso novo Brasil ao mundo dos relacionamentos sociais e intelectuais.
Por isso, quando vi que o sr. tinha lido minha modesta peça sobre a gigantesca obra de Antonio Carlos Belchior, outro ídolo das multidões, eu fiquei emocionado. Não apenas porque compartilho a ideia de que o sr. é vítima de um arbítrio monstruoso, uma distorção kafkiana das noções de Justiça e de democracia. Mas também porque sei que há uma simetria de ideais e de trajetórias entre seu legado e o de Belchior. Que ambos sonharam um mundo melhor, pacífico, amistoso, solidário, cheio de encontros fortuitos e maravilhosos e companheirismo despojado. O sr. o conheceu, sabe do que estou falando.
Espero, sr. presidente, que o sr. já esteja livre quando eu terminar de escrever meu novo livrinho. Quem sabe não terei o prazer de lhe entregar pessoalmente? Acredito que irá gostar, é uma história que tem pontos de contato com a sua, embora não tão decisiva na construção de uma utopia eterna, maior que o cárcere, mais tenaz do que a covardia de uma Nação assustada com a ousadia do arbítrio.

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