malina moye entra em cena pelo meio do público ao iniciar seu show no samsung blues festival

Eu não sou guitarrista, mas vi shows de Jeff Beck, Joe Bonamassa, Eric Clapton, David Gilmour, Robben Ford, Jimmy Page, Steve Vai, Nile Rodgers, Dereck Trucks, Mark Knopfler, Warren Haynes, Johnny Marr, B.B.King, Buddy Guy, John Pizzarelli, Edgard Scandurra, Robertinho do Recife, Lanny Gordin. Também vi Ritchie Blackmore, Pete Towshend, The Edge, Toni Iommi, Keith Richards, Joe Strummer e outros com suas bandas.

Não estou me “gambando”, como dizia um amigo antigo gozador. Essa introdução é só para dizer que não vi muitas mulheres guitarristas. Vi Joan Jett, um clássico. Também vi Kaki King. E Joni Mitchell. Vi Ana Popovic, blueswoman já de grande popularidade, e ela é de fato uma grande guitarrista. Mas, emparelhando, nenhuma integraria um Top 10 com os homens das últimas três gerações, ao menos não as que eu vi tocando.

Acredito que as mulheres não fincaram posição no Olimpo da guitarra porque podem ter se intimidado face a uma linguagem que ficou cercada de símbolos masculinos, do falo à potência, e também (como no futebol), uma atividade de fanática adoração masculina, feita de deuses e sacerdotes machos.

Tudo isso para concluir: Malina Moye está entre os 10 melhores novos guitarristas da atualidade, entrou tranquilamente no Top 10. A Guitar World a coloca como uma das 10 Melhores Guitarristas Mulheres, mas ela ocupa o mesmo lugar entre os homens. Não sou guitarrista, não tenho elementos tecnocráticos para afirmar isso, mas estou falando como uma mera Testemunha do Riff Eterno.

Malina Moye tocou na noite de sexta-feira no Samsung Blues Festival, em São Paulo. Ela podia ter se esmerado em fazer parte do time do blues para agradar a plateia, mas o fato é que ela é muito mais do funk e do R&B. 

Ela é amiga de Bootsy Collins e foi ao programa do Arsenio Hall. Ela tem Prince como referência. E Stevie Ray Vaughan. Portanto, ela faz barulho, é estridente e instala o caos, não o armistício.

Malina Moye entrou em cena com sua guitarra tocando pelo meio da plateia. Antes dela aparecer, a banda fazia um aquecimento agressivo, e era uma banda de jam funky, com bateria e baixo mais altos, um teclado Korg, outro Yamaha, um guitarrista base. E mais uma vocalista soul sista de apoio, inacreditável. Era mais Sly and the Family Stone do que blues elétrico. Malina é sexy e abusada.

Ela tem canções que tocam no rádio, disse que uma dessas músicas, Alone, que começa com samples e uma gravação distorcida, chegou às paradas da Billboard (não fui checar). Quase tudo é acelerado, tem um peso de periferia, como Ky-Otic, e ela chega a tocar esfregando as cordas da guitarra no pedestal do microfone, mas tem baladas fabulosas, como You’re the One.

Os solos de guitarra de Malina têm virtuosismo, velocidade, imprevisibilidade, tudo isso. Mas têm algo mais: carregam um depoimento sobre a vida e uma emoção que criam rara intimidade com nossos sentimentos. Alcançam algo muito profundo.

O equipamento do festival ferrou com ela a certa altura do show, o som estourando e a guitarra sumindo, mas ela não parou o show para reclamar. Ela seguiu tocando e improvisou, cantando, enfiando na música um apelo para que devolvessem “my fucking guitar, my fucking wah wah”. Gênio. Terminou tocando Jimi Hendrix, Foxy Lady.

Considero que o show dela foi um dos grandes acontecimentos do ano. Se eu estiver enganado, terei sempre aquela certeza suave (e arrogante) de que acertei solitariamente. 
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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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