O pós-crise de Juca Ferreira

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Desfilando como destaque na comissão de frente da Mangueira, no Carnaval carioca, o ministro da Cultura, o baiano Juca Ferreira, não foi notado pelas câmeras da emissora que transmitia o desfile. Nas redes sociais, muita gente enxergou algum segregacionismo político no fato. Juca, que ainda festeja a vitória da Mangueira e a explosão nacional do carnaval de 2016, usa de ironia diante do fato de ter sido ignorado pela Rede Globo: “Um ministro de Estado na pista, talvez eu tenha sido o primeiro. É uma super-notícia, mas não apareci na TV”.

Pré-candidatíssimo ao cargo de Prefeito de Salvador pelo Partido dos Trabalhadores, Juca diz que tem evitado falar sobre o tema, ao mesmo tempo que abre seus planos em entrevista exclusiva a FAROFAFÁ, na sede da Funarte, em São Paulo, na manhã da quinta-feira 18 de fevereiro. “Quando me filiei ao PT, em 2012, eu disse: não é sangria desatada, mas lembrem-se que a única vontade que tenho na política é ser prefeito da Bahia, de Salvador”, lembra, ao admitir abertamente que pretende disputar a indicação junto ao partido.

Juca Ferreira posa diante da fotografia oficial da chefa, na sede paulistana da Funarte - foto Jotabê Medeiros
Juca Ferreira posa diante da fotografia oficial da chefa, na sede paulistana da Funarte – foto Jotabê Medeiros

Ele ensaia um discurso apaziguador para jogar panos quentes na hipótese de deixar dentro de poucos meses o Ministério da Cultura (MinC), que voltou às suas mãos no segundo governo de Dilma Rousseff, depois de passar pelas de Ana de Hollanda Marta Suplicy: “Eu só irei se tiver garantia de que esse passo não será uma desestruturação do que nós construímos e estamos construindo no ministério”.

No atual cargo, Juca oscila entre a mais refinada diplomacia e o chute explícito no balde. Quando um delegado da Polícia Federal o inquiriu sobre a compra, pela Cinemateca Brasileira, do acervo do cineasta Glauber Rocha “sem licitação”, ele respondeu: “Você iria comparar com o quê? Talvez com os filmes da mãe de quem denunciou?”.

Sobre a Operação Lava-Jato, o ministro diz que tem como alvo uma única “família política” e que não está preocupada em passar o Brasil a limpo. “O erro da Operação Lava-Jato é que trata a questão da corrupção como se fosse o problema de uma família política, quando na verdade é o modus operandi da política brasileira. Qualquer pessoa minimamente inteligente percebe que o custo da política no Brasil é incompatível, e nenhum empresário vai dar nenhum tostão de graça, quanto mais R$ 200 milhões, R$ 100 milhões.”

Sobre as chances eleitorais de Luiz Inácio Lula da Silva após a saraivada de denúncias que vem sofrendo por parte da mídia comercial, Juca é direto: “Até onde minha vista alcança, Lula é imbatível”.

Após mais de um ano de fogo cerrado contra o governo que integra, rompe certo mutismo nas hostes petistas para declarar lealdade à chefa Dilma e criticar a disposição golpista das oposições: “Sou leal ao governo e acho que o respeito à voz das urnas é fundamental. Ela foi eleita com maioria de votos e está legitimada para exercer o mandato. A estratégia do PSDB de negar o resultado eleitoral e se associar aos setores mais retrógrados está sendo rejeitada pelo povo brasileiro, as pesquisas que eles mesmos fizeram indicam isso”.

Até aqui menos ruidoso no MinC que durante a primeira passagem, nos anos Lula (inicialmente secundando o ministro Gilberto Gil), Juca inicia a pré-campanha na Bahia já por um refrega espinhoso em Brasília: afirma que nesta sexta-feira 19 vetará a intenção da popular cantora Claudia Leitte de captar R$ 356 mil reais de incentivo fiscal, por meio da Lei Rouanet, para escrever sua biografia.

“Eu tenho o poder ad referendum, mas não se pode usar toda hora, porque é para uma excepcionalidade. Mas na Cláudia Leitte eu vou usar, vou vetar”, antecipa. Mesmo sendo legal e a captação sendo iniciativa de uma produtora apta? “Não importa, Claudia Leitte tem condições de captar, é uma das artistas mais bem-sucedidas economicamente. Se enquadra perfeitamente naquilo que o Tribunal de Contas da União recomenda. Já está sendo preparado o ad referendum pela área jurídica”, sentencia.

No último dia 4, o TCU divulgou uma sentença que tomava como base as contas do plano incentivado do festival Rock in Rio de 2011 e decidiu que o MinC não pode mais utilizar a Lei Rouanet para financiar projetos que tenham “potencial lucrativo”. O ministro sabe que o seu veto ao projeto de Cláudia Leitte vai virar paradigma e terá que ser utilizado muitas vezes daqui por diante. Ele diz que usou o ad referendum (poder de veto) apenas duas ou três vezes e que o fez porque os projetos “ultrapassavam o limite da permissividade já presente na lei”. Um deles foi uma exposição de fotografias que custaria R$ 20 milhões, lembra.

O ministro revela que já consultou os filhos sobre sua determinação em ser candidato a prefeito de Salvador, e que dois deles são contra – o menor com 6 anos, ainda não tem poder de veto. O principal rival nessa corrida, caso ele seja o escolhido para a disputa eleitoral, é Antonio Carlos Magalhães Neto, provável candidato à reeleição, cujas ações urbanísticas Juca define como “autoritárias”, tomadas sem ouvir a população e sem critérios. Critica os azulejos “estilo Miami” que foram instalados em pontos simbólicos da cidade, como a casa de iemanjá do Rio Vermelho. “Salvador é uma cidade barroca, histórica, que precisa ser preservada”, afirma.

Juca Ferreira sabe que, daqui para a frente, o MinC, em sua política de incentivos, vai ficar no olho do furacão do exame público daquilo que tem ou não o chamado potencial lucrativo. Sobre a decisão do TCU, diz apenas: “Vou acatar. E, nas dúvidas, para evitar gestões subjetivas, vou devolver pra eles. Esse aqui se enquadra ou não se enquadra?”.

Em sua visão pessoal, algumas empresas terão de acelerar a transição e assumir os custos de suas ações de estímulo à cultura. Diz que o banco Itaú, um dos dez maiores captadores de recursos, já está tentando se adaptar aos novos tempos. “Sabem que é inevitável e estão diminuindo o percentual de atividades financiadas pela Lei Rouanet. Ainda é muito, mas está diminuindo. Eu acho que os institutos de banco e as empresas deveriam bancar os patrocínios por eles próprios”.

Ele conclui, renovando a crítica ao mecanismo capitalista de patrocínio cultural que 13 anos de governo petista não foram suficiente para transformar: “É irracional, é incorreto, é uma distorção, é uma lógica de pegar dinheiro público para reforçar imagem de empresa”.

Aqui, a íntegra de quase duas horas de entrevista do ministro a FAROFAFÁ, em que ele falou também sobre corrupção, Fernando Henrique Cardoso, Aedes aegypti, o desgosto de José Serra com o carnaval e as bicicletas paulistanas, o fogo amigo cruzado com as duas antecessoras no MinC, o incêndio (sob sua responsabilidade) de filmes originais na Cinemateca de São Paulo e a luta épica travada entre as “energias cáusticas” e as “energias agregadoras” no seio da sociedade brasileira de 2016.

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