Entre Porto da Rua, São Miguel dos Milagres, Tatuamunha, Lage e Porto de Pedras, localidades que se estendem à beira do rio Tatuamunha, no litoral de Alagoas, duas coisas são evidentes: o tempo demora mais a passar e o sorriso das pessoas parece mais espalhado, largo.

Passamos um rabicho de férias por aquela região, onde o mar às vezes parece ter quatro gradações de cor diferentes. Crianças de estilingue surgem do meio do mangue, pescadores de lanterna vão até o mar de madrugada na maré baixa, Tem muitos produtos locais no mercadinho (como as bolachas de Maragogi), mas também tem muito vinho chileno, Gato Negro e Santa Helena – fiquei impressionado como esses vinhos chegaram a tantos lugares e de forma tão sólida. Não os esperava ali.

Em Porto da Rua, colocam latinhas de cerveja e refrigerantes no meio da estrada para os carros amassarem, para economizar o trabalho na hora de levar para vender na reciclagem. Camila Farias, sobrinha de PC Farias, é prefeita em Porto de Pedras, me contaram.

Pensamos em pintar uma carcaça de fusca abandonada no meio dos coqueirais, mas não encontrei tinta. Li algumas páginas de O Terceiro Reich, de Roberto Bolaño, e me entediei um pouco. Senti falta dos bárbaros, de uma certa dose de perigo, de alguma sorte de armadilha literária que há tempos não encontro. 

Conheci o barbeiro Antonio Lobo e seu jovem cliente David no seu salão ao ar livre. Encontrei na ponte do rio Tatuamunha dois caiçaras que eram surdos-mudos. Comprei lustres de Maíra, que nos falou de Maria da Palha. Tomei um pote inteiro de sorvete. Demos água para cavalos sedentos fazendo conchas com as mãos. Andei quase 10 km de bicicleta.

Conheci Paloma Luz Vida Terra, figura almodovariana cuja casa é uma das mais bonitas de Lage (a primeira das fotos acima). Ela esperava o busão para ir ao funeral de um tio. É decoradora, nasceu em São Miguel dos Milagres, viveu no Rio e em São Paulo, mas voltou para sua terra. Fez alguns objetos para pousadas da região. Travamos o seguinte diálogo:

– Quantos anos você tem, Paloma?

–  Mais de 20.

– Quem construiu sua casa?

– Eu mesma.

– E o que são essas rodelas de metal que enfeitam tudo?

– Coroas de bicicleta.

– Você que pinta esses quadros?

– Eu mesma. Os móveis também eu que faço.

– Aquele quadro parece Pollock.

– Num é?

Muitas vezes resumimos o viajar em dois atos: ir e voltar. Tipo o verso do Gil em Back in Bahia, “como se ter ido fosse necessário para voltar”. Descobri que isso funciona quando se é muito jovem. Minha sensação é que não viajo mais, eu me estabeleço em todo lugar. Inquietante familiaridade.

PUBLICIDADE

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome