Documentário sobre Sabotage traz cenas inéditas

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“O que eu já passei, o que já vi acontecer, nas minhas músicas, até falo, o que eu já vi não deu para redimir, tive de ficar calado. (…) eu vivia nessa vida. O crime, a gente perde vários irmãos, as pessoas que a gente mais gosta a gente perde para o crime.”

A favela do Canão, na zona sul de São Paulo, perdeu seu maestro. O mundo do rap ficou sem um de seus irmãos, aquele que “a gente mais gosta”. No dia 24 de janeiro de 2003, morria Sabotage. Naquela data, o diretor Ivan 13P poderia ter perdido um filme. Cinco meses depois de gravar em vídeo o que seria a última entrevista do rapper, um de seus personagens principais foi assassinado a tiros. O projeto “Favela no Ar”, um documentário com expoentes do rap, continuou de pé e foi lançado em 2007. Mas restava a Ivan 13P uma missão especial, prestar uma última homenagem a Sabotage.

Cena do filme "Carandiru", em que Sabotage faz o papel dele mesmo - Fotos Divulgação
Cena do filme “Carandiru”, em que Sabotage faz o papel dele mesmo – Fotos Divulgação

O material gravado com o rapper era como um diamante bruto. Apenas pequenas lascas puderam ser aproveitadas no documentário “Favela no Ar”. Na entrevista de 2002, Sabotage apresenta a Favela do Canão, fala de sua infância, da vida criminal, de como via o mundo injusto e desigual e de seu esforço, por meio de suas músicas, para criar uma nova geração mais crítica e consciente. De lá para cá, Ivan 13P se juntou ao produtor Denis Feijão e começou a gravar depoimentos de amigos e colegas de Sabotage. Coletou outros materiais lançados (fotos, biografia, documentários e história em quadrinhos). Disso tudo, saiu o documentário “Sabotage: o Maestro do Canão”.

Em formato de longa metragem, o filme tem pré-estreia nos dias 23 e 24 de janeiro de 2015, em três sessões no Auditório Ibirapuera. Os ingressos são gratuitos e devem ser retirados uma hora e meia antes de cada sessão (sexta-feira às 21 horas, sábado às 19 e 21 horas). O documentário estreia em março nas salas de cinema Itaú, também com sessões gratuitas. Foi coproduzido pelo Canal Brasil, onde será exibido futuramente.

Sabotage, que foi resgatado do mundo do tráfico de drogas por Rapin Hood e Sandrão, do RZO, teve ainda apoio de Mano Brown no início de sua carreira. O músico é autor de um único disco, “Rap é Compromisso”, em 2001, considerado um dos mais importantes da música brasileira. No documentário, surgem importantes artistas, produtores e diretores para reverenciar a obra do rapper, que transcendeu, nesse curto espaço de tempo, o campo musical.

Os elogios são rasgados. Para João Gordo, foi um “furacão”. Para Thaíde, que afirma que Sabotage foi a “ponte de ligação” entre pobres e ricos, a expressão “rap é compromisso” se tornou símbolo do movimento. Andreas Kisser, da banda Sepultura, aparece no filme para elogiar a visão do rapper de não ter preconceitos musicais. O ator global Ailton Graça lembra do jovem Sabotage mostrando rimas, entre uma entrega e outra em uma feira perto do aeroporto de Congonhas – os dois foram feirantes (o ator era muambeiro e o rapper era entregador de mercadorias).

“Muitas vezes o que ficou registrado no disco era na base de algum improviso. Ele tinha alguns truques de rima, de flow, de levada, que ele inseria no que ele já tinha na cabeça, rearranjava, vai e ficava”, diz o produtor Daniel Ganjaman.

Sabotage

Hector Babenco, diretor de “Carandiru”, afirma que Sabotage era um “entertainer in natura”. Paulo Miklos, do Titãs, e com quem contracenou no filme “O Invasor”, de Beto Brant, ressalta a “poesia mais cortante”. A participação do rapper nos dois filmes foi muito além de ser um mero figurante, ressalta o documentário. Sabotage ajudou a trazer a realidade das periferias para a linguagem cinematográfica.

Dalva, a mulher, Tamires e Wanderson, filhos dele, também ajudam a recontar a história de Sabotage. O filme não avança um centímetro sobre o lado B do rapper. Pouco ou nada se investigou sobre a vida criminal ou o assassinato de 24 de janeiro de 2003. “A gente podia ter perdido ele muito antes, sem conhecer o lado do artista”, afirma Mano Brown. “Um homem genial morreu como uma pessoa comum na rua, morto a tiros, como muitos outros. É difícil aceitar, porque um cara como ele vai demorar para aparecer outro.”

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3 COMENTÁRIOS

  1. Caro Eduardo, acabei de assistir ao filme e tenho muitas ressalvas, uma delas a mesma que você faz, sobre o não esclarecimento da morte dele. Achei o filme ‘chapa branca’ demais, um longo (1h47min) exercício de veneração a Sabotage, com esse grave problema de, como você disse, não mostrar o lado B dele. É natural a curiosidade do espectador e, talvez, também do fã do rapper, conhecer mais sobre o envolvimento dele com o crime (até porque isso está influenciou sua obra) e o filme trata disso bem ‘en passant’. Quiseram construir uma imagem de mito, herói e acabaram fazendo um filme muito maniqueísta. Decepção, ‘chapa branca’ total. Se era pra fazer jus à imagem de Sabotage, deviam fazer algo mais subversivo, o que teria a cara dele e não essa coisa careta que o filme se revela. Abraço!

    • Roberto, não diria chapa-branca, e até entendo a dificuldade de autores não se envolverem emocionalmente com os seus “objetos”. A grande preciosidade do filme é que o diretor havia realizado a última entrevista com Sabotage, e isso permeou o filme. Esse mérito não pode ser ignorado.

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