Em 1968, Geraldo Vandré sentiu necessidade de falar de política em forma de música: “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores (Caminhando)”.

A tropicália já vinha vindo, e Gilberto Gil ainda sentia a mesma necessidade, de fazer política com música: “Procissão” (1965 e 1968), “A Luta contra a Lata ou A Falência do Café)”, “Questão de Ordem”, “Soy Loco por Ti, América” (1968). Caetano Veloso também: “Enquanto Seu Lobo Não Vem”.

Chico Buarque ensaiava comentar política por intermédio de música desde 1966: “Pedro Pedreiro”.

Antes de Chico, Nara Leão e, mais que ela, Maria Bethânia transformaram em canção política uma canção política que apenas nas vozes do Trio Mossoró talvez não tivessee sido compreendida como política.

Antes ainda do “Carcará”, o “despolitizado” Roberto Carlos fazia de tudo para levar o rumo da conversa para outros lugares: “É Proibido Fumar” (1964), “Quero Que Vá Tudo pro Inferno” (1965).

Gil, Caetano, Gal Costa, Tom Zé e os Mutantes sentiram necessidade de misturar política com comportamento em prol da música. 1968. “Panis et Circensis”, “Queremos Guerra”, “Divino, Maravilhoso”, “São São Paulo”.

O AI-5, de 13 de dezembro (dia do aniversário do des-politizado Luiz Gonzaga) de 1968, expulsou do Brasil os cabeludos transviados que queriam misturar comportamento, cultura, arte, música e política. Foram, voltaram e continuaram trançando pernas na música e na política (Chico também).

Em 1973, Milton Nascimento precisou cantar a política disfarçada em (falta de) liberdade, e chamou a des-politizada Clementina de Jesus para ajudá-lo: “Os Escravos de Jó”. A des-ultra-politizadíssima Elis Regina veio na cola: “Caxangá”, 1977.

Os jornalistas, atarantados, se estilhaçaram em mil nas bancas de jornal (quem lia tanta notícia?). Receitas de bolo. Policiais infiltrados nas redações. O Pasquim. Jornalistas apolíticos, despolitizados, des-politizados, P2 “apolíticos”, anônimos pré-anonymous, robertoscarlos munidos de máquina de escrever. Ponto, pronto, tracinho, tração: Chico Buarque e Os Trapalhões, “Meu Caro Barão”.

Diziam (dizem) eles, os jornalistas: nós não participamos dos fatos, (nós somos nulos,) nós só relatamos os fatos dos outros.

A ditadura civil-militar se mobilizou para tornar FEIA e indesejável qualquer tentativa de misturar política com música, politica com cultura, política com arte. Mesmo os mais engajados absorveremos feito esponjas a demonização da política na arte. “Chatos”, “panfletários”, “música de protesto”, “argh!”. Mesmo assim, a ditadura civil-militar começou a acabar, a conta-gotas, gotinha por gotinha.

Hoje são 24 anos da volta das eleições diretas, e ainda existe gente demonizando a política nossa de cada dia – seja na arte, seja fora dela.

E os fora-do-eixo.

E antes deles, os desobedientes.

Em 1990, os Racionais MC’s começaram a remisturar política com alguma coisa que muitos não queriam chamar de música: “Pânico na Zona Sul”.

Em 1994, Chico Science & Nação Zumbi transformaram mangue em música, manguebit em política, política em comportamento, comportamento em caldo de política cultural: “A Cidade”. Pântano fedorento e nutritivo – por vezes autofágico.

Em 1995, o Planet Hemp começou a ser preso pela polícia por remisturar música, comportamento e  – sim! – política: “Legalize Já”. Uma erva natural prejudica muita gente?

Em 1994, O Rappa já vinha pisando fundo no acelerador da música-de-protesto, contra a corrente dos demonizadores e linchadores, via canção política antirracista: “Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro”.

Mulheres e homossexuais seguiram trançando as pernas (sempre trançam?) – mas houve Cazuza, houve Renato Russo, houve Cássia Eller.

E os fora-do-eixo.

E então os Fora do Eixo.

No Inverno Brasileiro de 2013, os MPL e os Fora do Eixo e os Mídia Ninja conquistaram assento na tela do Roda Viva, na tucaníssima TV Cultura, enquanto por debaixo do asfalto jorrava o escândalo do propinoduto paulista. “O PSDB tem por princípio não dialogar com nenhum movimento cultural”, diz o índio-negro de pele manchada do Mato Grosso. O Brasil entra em tilt. Os (quase) sempre calados jornalistas se inflamam.

O escândalo. A grana pública. O sexismo. A exploração dos artistas. A exploração das mulheres. A exploracão dos negros. A exploração dos indios (Pablo Capilé?). A homofobia. Todos os males do mundo concentrados em um “quero que vá tudo pro inferno” só.

Em 2013, médicos não querem #MaisMédicos e jornalistas fazem bicos como donos de bares, promotores de shows, donos de casas noturnas. Jornalistas não querem #MaisJornalistas. Não querem o eixo (ou ainda querem?) nem querem o fora-dele. #MenosJornalistas.

O jornalista André Forastieri faz política com pê pequeno, escrevendo textos “antipolíticos” sobre cultura fora-do-eixo (ou não) no R7, o portal da TV Record, financiado como todo mundo sabe por verba público-privada da Igreja Universal do Reino de Deus.

O jornalista indie meio avançado em anos Alvaro Pereira Jr. escreve colunas antipolíticas anticulturais na Folha de São Paulo, nas horas em que não está editando o programa mais conservador da televisão brasileira, o Fantástico, da Globo, rede público-privada afeita aos “planejamentos fiscais” em padrão Fifa. Política pura – rasa como uma canção pop de Roberto Carlos, mas política, ainda assim.

A ombudsman da Folha de São PauloSuzana Singer, escandalizada com quem não está nos eixos, utiliza o espaço que arrendou no mesmo jornal, espaço destinado à suposta “defesa do leitor”, para entabular seguidas receitas de bolo em defesa cega do jornal que lhe paga o salário. Política privada praticada em parceira público-privada.

O jornalista (???) Arnaldo Jabor sustenta em rede nacional (pairando sobre cascatas de “planejamentos fiscais”) que um menino de 13 anos assassinou uma família inteira de policiais – a família dele (ele, o menino, não ele, o “jornalista”). O dinheiro público-privado irriga tudo – menos 30%.

No Twitter, o jornalista decano ultracapitalista Sandro Vaia, amigo de uma estranha blogueira cubana e servidor do misteriosíssimo Instituto Millenium, cala-e-consente a repetidas perguntas do jornalista desempregado (ou melhor, free-lancer) Pedro Alexandre Sanches: sim, o Instituto Millenium utiliza verbas públicas para desenvolver suas atividades. Ninguém dá a mínima para a revelação do decano.

Estamos porventura ocupados demais (as pessoas na sala de jantar?) no delírio de exterminar 513 anos de antropofagia, com um único, certeiro e mortal golpe. Alguns de nós se vestem de toda a canastrice disponível para, ainda, se autovomitar de “contra os partidos”, “contra a política”, “contra isso tudo que está aí”.

Contra isso tudo que está AÍ. Não contra isto tudo que está AQUI.

Na hora gloriosa e vertiginosa do tilt coletivo, todo mundo percebe de repente, não mais que de repente: do índio capixaba de Cachoeiro do Itapemirim ao índio mato-grossense de Cuiabá, passando pelas garotas de Ipanema, estávamos todos fazendo política este tempo todo!!!

E o que mesmo havia de errado nisso? Quem foi mesmo que lhe enfiou na cabeça que havia algo de errado nisso?

Bem-vindos, todos, à POLÍTICA, este lugar perturbador onde moramos durante nossas vidas inteiras.

 

(Obrigado à jornalista Bia Abramo pelas fagulhas de inspiração.)

 

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4 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns,já estou compartilhando com os profissionais da educação da cidade de Conchas SP.Já estamos pensando em um festival musical nas escolas municipais.O conteúdo é muito bom mesmo.

  2. Interessante, Pedro, você elencar todos estes ARTISTAS que em suas obras se expressaram politicamente, de forma mais ou menos explícita, com maior ou menor resultado estético. Para a comparação ser válida, faltou que você citasse alguns artistas revelados pelo FdE, comparáveis àqueles. Mas no esquema do FdE, a estética não está no foco JUNTO com a política, ali o artista é apenas um recurso, uma commodity, a serviço de. Último a ser remunerado na cadeia de produção, ele deverá ainda renunciar ao direito de autor, “em nome do acesso universal à cultura.” A descoberta desse recurso inesgotável – “Para cada um que sai tem mais dez chegando” – é um lance brilhante de empreendedorismo. A fraude começa quando tentam vendê-lo como política cultural revolucionária.

  3. Cara… quanta burrice. Dá até preguiça de responder toda essa tralha. Mas aí vão alguns pontos:

    1) tropicalismo não era música de protesto (ou política, como quiser), embora “Enquanto Seu Lobo Não Vem” tivesse referência. 2) tropicalismo defendia o roberto carlos. 3) tropicalismo defendia o gonzagão. 4) acho que você deveria ler um pouco de Adorno — ou de outros caras da teoria crítica — antes de escrever tanta merda. 5) acho que você deveria ler um pouco de pensamento social brasileiro antes de escrever tanta merda. 6) não confio em ninguém que usa três pontos de interrogação seguidos em um texto que a priori deveria ser sério. 7) o chico se auto-exilou. 8) moço, você tem discurso moralista. 9) você mesmo, não deve entender nada de política.

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