Diversionista como de hábito, a Folha de São Paulo dissimulou o atávico desinteresse pelo tema Ecad e publicou, em 17 de abril de 2012, a cortina de fumaça possível nas atuais circunstâncias. Coube ao maltratado caderno cultural do jornal, Ilustrada, noticiar o despiste, sob o título “CPI vai pedir à Polícia Federal que Investigue o Ecad”.
A reportagem é importante, não só pelo que vai no título. Ela comunica aos leitores da Folha que em 2010 o Ecad premiou com centavos, reais ou fortunas apenas 25,5% dos compositores efetivamente filiados ao escritório centralizador da cobranca e repasse de direitos autorais devidos pela execução pública de suas músicas.
Corresponda ou não à realidade, a cifra soa perturbadora do mesmo modo: tomados ao pé da letra, os cálculos do birô denotam que 74,5% dos compositores brasileiros não apareceram NENHUMA VEZ em NENHUMA emissora de rádio ou televisão de NENHUM estado do país durante o ano de 2010.
É como se o Ecad afirmasse, numa dessas circunvoluções lógicas que ninguém consegue entender, que os artistas sem-mídia (que costumam cantar apenas composições próprias em apresentações públicas) pensam que fizeram shows em 2010, mas não fizeram. Para efeitos da norma, eles simplesmente não existem. Não existiriam mesmo, não fosse o detalhe de que grande parcela deles não só não recebeu um tostão do Ecad, como não pôde se livrar da taxa devida ao birô para poder apresentar músicas próprias em estabelecimentos públicos.
É de uma reforma agrária simbólica que trata (ou deveria tratar) a Comissão Parlamentar de Inquérito.
O que a Folha faz diversionismo e cortina de fumaça para despistar é que esse latifúndio se apoderou do Ministério da Cultura do Brasil, sob a gestão-sobrenome-pedrigree Buarque de Hollanda, cuja missão, ao que tudo indica, tem sido de zelar pela tradição, pela família e pela propriedade intelectual da mídia-MPB.
Favorecer o Ecad é (ou tem sido, até aqui), a parte que lhes cabe nesse latifúndio.
Pois bem, a Folha comete a façanha de noticiar a reta final da CPI sem tocar nenhuma vez no nome da ministra Ana de Hollanda. Seria até plausível, se o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), presidente da comissão, não tivesse anunciado nesta semana que Ana participará de audiência pública na próxima terça-feira, 24 de abril, para prestar esclarecimentos sobre as relações entre o Ministério da Cultura (MinC) e o Ecad.
O motivador assumido da convocação de Randolfe foi a reportagem “Ana de Hollanda no país do Ecad“, de Jotabê Medeiros, publicada em 12 de março passado por FAROFAFÁ – que a Folha desconhece, ou simula desconhecer.
No último parágrafo do bloco apelidado “outro lado”, o jornal cai na lorota (ou seria de propósito?) do Ecad, imita Ana de Hollanda e age como inocentador útil do birô, citando supostos avais do Ministério da Justiça ao monopólio ecadiano, sem colocá-los em contexto qualquer nem dar ouvidos a quem produz jornalismo sobre o tema.
Outro notório protetor midiático do Ecad é O Estado de São Paulo, que sistematicamente publica peças de defesa ecadiana disfarçadas de colunismo político e assinadas por José Nêumanne. e, principalmente, João Bosco Rabello, também diretor da sucursal brasiliense do jornal (eis, neste link e na foto à esquerda, um exemplo do jogo jogado em parceria e sincronia, e destacado no dia 18 de março pelo site oficial do… Ecad).
Pois bem, o jornalão cravou, em 18 de abril, que o relatório final da CPI do Ecad será apresentado pelo relator Lindbergh Farias (PT-RJ) no mesmo dia 24 em que Ana estará no Senado prestando supostos esclarecimentos à suposta CPI. Curiosamente, a reportagem-furo de Jotabê Medeiros, que dois meses atrás não interessou o jornal onde ele trabalha, agora é citada indiretamente em notinha-telex do Estadão.
É ou não é fácil compreender o teatro do abafa (ou do enterra) já armado para livrar o MinC Buarque de Hollanda, pela enésima vez, das próprias responsabilidades e da necessidade de se comunicar com o país que governa?
Abaixo, FAROFAFÁ faz travessura: pirateia e grifa a reportagem pseudocombativa do jornal que não gosta de ser parodiado (vide o saboroso, mas inacreditável, caso Falha de São Paulo/Desculpe a Nossa Falha), pelo que o texto diz e, principalmente, pelo que não diz. É a terra que queríamos ver dividida.
Por Marco Aurélio Canônico
Relatório da CPI criada para apurar a atuação do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) vai apontar suspeitas de formação de cartel, apropriação indébita e sonegação fiscal.
O texto final, a ser concluído nesta semana, vai pedir que o Ministério Público e a Polícia Federal investiguem a possibilidade de a entidade ter cometido os crimes.
“Descobrimos que não há tempo ruim no Ecad. Mesmo nos meses em que a entidade apresenta balanços no negativo, seus diretores recebem pró-labores de R$ 15 mil a R$ 25 mil”, diz o presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).
Segundo o senador, há suspeitas de que esse dinheiro viria do chamado “crédito retido”, recursos que deveriam permanecer nos cofres do Ecad até que algum dos artistas beneficiados se apresentasse para recebê-los.
A partir dos depoimentos e da análise dos balanços fiscais do Ecad, Rodrigues diz acreditar que esta verba venha sendo distribuída entre os dirigentes da entidade.
O Ecad tem nove diretores, que recebem salários que vão de R$ 15 mil a R$ 20 mil, mais o pró-labore, aponta a CPI.
Em 2010, o Ecad arrecadou R$ 432,9 milhões. Distribuiu R$ 346,5 milhões para 87.500 dos 342 mil filiados.
Chamou a atenção dos membros da CPI que 254 mil artistas cadastrados na entidade não tenham recebido nenhum repasse.
“Abrimos uma caixa-preta sem transparência ou regulação”, disse o senador.
A Delegacia da Polícia Federal, no Rio, já apura crimes tributários e contra o patrimônio supostamente praticados pelos dirigentes do Ecad em inquérito de 2009.
A CPI foi instaurada há oito meses. Nesta semana, o senador Lindberg Farias (PT-RJ), relator da comissão, se reúne em Brasília com Randolfe Rodrigues para definir os últimos trechos do relatório.
No máximo até a próxima semana, os integrantes da CPI pretendem levar o documento ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Ao ministro irão sugerir a criação de uma entidade para fiscalizar o Ecad. Consideram que não há controle na distribuição de recursos para músicos e compositores associados no país.
Ao Ministério Público Federal (MPF), a comissão pedirá que acelere as investigações. Documento da Receita Federal enviado ao MPF indica irregularidades nas contas do escritório central do Ecad. Para a Receita, há dados que “justificam abertura de ação fiscal” e a Polícia Federal investiga a documentação.
Outro lado: Ecad afirma em nota desconhecer teor de relatório
O Ecad informou, por meio de nota, que “tem prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito todos os esclarecimentos necessários para o perfeito andamento da mesma. O escritório não teve conhecimento do teor do relatório e não tem qualquer informação a respeito, portanto, aguarda sua divulgação para se pronunciar oficialmente à imprensa”.
À CPI, a superintendente do Ecad, Glória Braga, prestou informações e enviou documentos com informações sobre a arrecadação do órgão.
Nota publicada em sua página oficial explica que “o sistema de gestão do Ecad e das associações que o compõem não pode ser considerado cartel, pois as atividades de arrecadar e distribuir direitos autorais não são de natureza econômica”. Na nota, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça negou por duas vezes que o caso represente uma infração à ordem econômica.
P.S.: se é para piratear, pirateemos mais um pouco o Ecad Buarque de Hollanda (o MinC adverte: esta postagem faz mal à cultura brasileira), com a trilha sonora tristemente ideal para este caso. Segue a gravação de 1968 para “Funeral de um Lavrador”, poema de João Cabral de Melo Neto musicado em 1966 pelo jovem Chico Buarque.
A seguir, a versão multinacional “Funerale di un Contadino”, que Chico produziu em 1970 (quando escapara do AI-5 brasileiro para Roma), em parceria com o trilheiro italiano Ennio Morricone.