Essa eu vi no Diário Oficial de São Paulo de hoje (sim, eu leio o Diário Oficial).
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão de primeira instância, negou ao Ecad (sigla de Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) uma ação condenatória contra a prefeitura de Águas de Santa Bárbara, no interior paulista.
O Ecad, que recolhe direitos autorais de músicos e compositores, queria cobrar a Prefeitura por um show no qual eram tocadas músicas do Barão Vermelho.
O problema é que quem deu o show foi o próprio Barão Vermelho. É mole?
A Prefeitura realizou o show no Sesc local.
O juiz RUBENS PETERSEN NETO considerou a ação improcedente.
Eis um trecho do despacho do juiz:

“Não se pode presumir a ocorrência de execução de obras musicais de forma irregular para imputar à Municipalidade a obrigação de pagar quantia certa. Ora, ao artista é possibilitada a execução da PRÓPRIA OBRA QUE CRIOU, segundo a exegese do art. 22 da lei 9.610/98, independentemente de autorização do ECAD. Destarte, aquele que o contrata também está dispensado de tal recolhimento, sob pena do enriquecimento sem causa do próprio artista que, além de auferir o lucro com o pagamento do “cachê”, também receberá os valores relativos à cobrança do ECAD. A obtenção da autorização somente encontra guarida na hipótese de execução de obras musicais, litero-musicais e fonogramas de terceiros que não tenham autorizado ou estejam presentes no evento, fato este que não fora demonstrado no bojo dos autos. Aliás, reconhecidamente, os artistas relacionados na inicial ostentam os direitos autorais das obras que difundem, motivo pelo qual indevido é o recolhimento de verba em favor do ECAD.”

O Ecad certamente vai recorrer, porque tem um exército de advogados a seu lado (e também esgrime o texto seco da lei) mas considero essa situação mais que kafkiana.

Isso acontece porque temos uma Lei de Direitos Autorais caduca e que propiciou um esquema cartorial de cobrança e distribuição. É preciso reformar a lei, aperfeiçoá-la, adequá-la aos novos tempos, à era do compartilhamento, das formas digitais de produção e disseminação cultural, das redes sociais.
Notei que a Ministra da Cultura atual, Ana de Hollanda, resiste a essa modernização. Tem demonstrado publicamente, inclusive, que prefere um recuo no debate.
Uma reportagem com que colaborei para o blog Farofafá, de Eduardo Nunomura e Pedro Sanches (amigos e samurais do jornalismo, vivendo há mais de um ano somente de sua convicção profissional), provou que existe uma curiosa simbiose entre a gestão atual do Ministério da Cultura e o Ecad.
Pode ser lida aqui:

http://www.farofafa.com.br/2012/03/12/ministerio-do-ecad/3496

Em 25 de fevereiro, numa entrevista, Ana de Hollanda declarou: “Democratização da cultura não pode passar por cima do direito autoral”.

http://www.istoedinheiro.com.br/entrevistas/50093_NAO+HA+COMO+DISTRIBUIR+CULTURA+SEM+O+DIREITO+AUTORAL

Também disse que o Ecad não é um assunto do governo, por ser uma organização privada. Mas incumbiu sua Diretoria de Direitos Intelectuais de preparar um parecer que é uma defesa categórica do escritório (com demonstração de conhecimento uterino de suas entranhas e seu funcionamento) – contrariando parecer de outro ministério de seu próprio governo, o da Justiça.

Coincidentemente, o tema dos direitos autorais foi abordado no encontro de ontem entre a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. O compromisso assinado pelos presidentes estabelece que “os direitos autorais não sejam barreira ao acesso igualitário à cultura e à educação”.
É um pequeno trecho desse resumo das metas que você pode ler aqui:

http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/comunicado-conjunto-do-presidente-barack-obama-e-da-presidenta-dilma-rousseff-washington-9-de-abril-de-2012

É engraçado, porque vemos por esse choque de opiniões que o Brasil tem uma postura interna e outra externa. Para cumprir com o que acertou com o presidente dos Estados Unidos, Dilma teria de mudar radicalmente a condução da política de direitos autorais que endossa, com sua ministra da Cultura.

Kafkiano, no mínimo.

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