O ano de 2012 começa um tanto exaltado, mas rigorosamente igual a qualquer outro nas fronteiras do pop brasileiro. Como sempre, desde que a gente se conhece por gente, existe um onipresente hit musical do verão, que apaixona um pedaço apreciável da população e enche de indignação e desdém o pedaço que não faz parte do primeiro pedaço, mas nem por isso consegue fugir dos tentáculos do hit-chiclete da hora.

Aparecem também, feito siris saindo da toca, aqueles que se intrometem no debate acalorado para elogiar, de peito estufado, a própria ignorância pop: “Quem pode ser Michel Teló, se eu nunca ouvi nem falar desse nome?” (ãhã, Cláudia, senta lá…). Esses podem morrer negando, mas é certo que quem não mora numa ilha isolada (elas ainda existem?) já escutou a melô sanfonada e a letra-refrão animadíssima de “Ai Se Eu Te Pego”. O pop não poupa ninguém, como dizia um inimigo público número um dos esnobes de outros verões, Humberto Gessinger, dos Engenheiros do Hawaii.

A avalanche deste verão é retumbante. Até o momento em que escrevo este texto, “Ai Se Eu Te Pego” já foi acessada quase 103 milhões de vezes via YouTube, e estou considerando apenas o videoclipe oficial da música. Nas redes sociais brasileiras, a nevasca já provocou outra (pequena) avalanche: a gostosa brincadeira de recordar pragas de verões passados.

“Eguinha Pocotó”, “Macarena”, “Melô do Tchan”, “W/Brasil”, “Dançando Lambada”, “Mulher de Fases”,  “Fricote”, “Adocica”, “Anna Júlia”, “Milla”, “Tic Tic Tac (Bate Forte o Tambor)”, “Você Não Soube Me Amar”, “Tô Nem Aí”, “Já Sei Namorar”, “Dança do Créu”, “Rebolation”… A lista é literalmente interminável. Desconfio que todo mundo gosta de pelo menos algumas das gomas de mascar citadas acima. É intrigante, a propósito, perceber como o asco de outros carnavais pode virar até sentimento de ternura 20 ou 30 verões mais tarde.

Pois então, a praga da hora é “Ai Se Eu Te Pego”, e quer apostar quanto que quem morre de xingar Teló em 2012 vai se lembrar dele com alguma saudade lá por 2032? É um balé circular entre gerações e gerações e gerações, tediosamente repetitivo. O cara que se acha o tal por agredir como “lixo” o cantor da hora é o mesmo que resiste a ver, no espelho, algo caricatural em si próprio (o genial site “Indie ou Sertanejo???”, criado não sei por quem, está aí para não me deixar mentir). No mais, será que todo ano a gente vai seguir fazendo para sempre tudo sempre igual?

Pode ser que sim, pode ser que não. A fábula de Teló soa tão velha quanto a da tartaruga e a lebre, mas há algumas peculiaridades pra lá de interessantes na versão 2012 do canto da carochinha.

Para começar, aqui no Brasil a avalanche dentro da avalanche foi amplificada pela revista “Forbes”, que terminou 2011 atiçando o antigo e conhecidíssimo complexo brasileiro de viralatas. No final de dezembro, a ultradinheirista publicação norte-americana publicou a reportagem “Have you heard of Brazilian country music phenomenon Michel Teló yet? You will“, que exaltava Michel, estimava que ele faturou US$ 18 milhões em 2011 e escancarava o alcance mundial de “Ai Se Eu Te Pego”.

A letra e a coreografia comportadas & safadinhas começaram a se disseminar planeta afora por ação de jogadores de futebol como Neymar e Cristiano Ronaldo, que imitaram em campo a dancinha do Michel. Jovens dos quatro cantos do mundo redondo passaram da fase de tentar descobrir o que significava aquela história de “delícia, delícia, assim você me mata/ ai, se eu te pego, ai, ai, se eu te pego” para a de elaborar versões caseiras de YouTube em inglês, francês, italiano, grego, hebreu…

A dancinha de gestos eróticos algo pudicos vinha sendo parodiada há meses, mas muitos brasileiros noviços só concluíram agora que agora é hora de urrar de ódio por Teló. É de supor que sejam os mesmos que só descobriram sua existência por causa da atenção gringa, algo que se repete monotonamente no Brasil há uns 512 halloweens.

A vocação poliglota de “Ai Se Eu Te Pego” faz pensar em “Garota de Ipanema”, a mais traduzida das canções brasileiras. Mundo virado: desta vez não é uma canção carioca nem praieira, mas sim interiorana, sertaneja. Poucos verões atrás, a carranca capitalista faminta por dinheiro piscava para Lady Gaga. Está piscando, neste exato instante, para um artista brasileiro de Medianeira, Paraná, que entre 1997 e 2009 foi vocalista do Grupo Tradição, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Ou seja, há novidades embutidas dentro do que, a princípio, pode parecer apenas mais do mesmo. A praga brasileira deste verão (ou inverno, conforme o endereço do freguês) não é brasileira, é planetária. (A propósito, a indústria jornalística tradicional daqui comeu mosca pela enésima vez, e só graças à “Forbes” ensaia acordar, a contragosto, para o fogo pop de Teló.)

O mundo anglo-saxão em que Roberto Carlos jamais conseguiu emplacar, talvez por soar banalmente não-brasileiro, desta vez caiu na lábia de um caubói genérico que poderia ter vindo do Arizona, mas veio do (não-)eixo Paraná-Pantanal. A música brasileira capaz de mover os quadris gringos desta vez não é do Rio de Janeiro nem da Bahia. Brotou do interiorzão de um país que é muito maior que sua (extensa) faixa litorânea.

Quem até ontem zombava do fiasco perpétuo da cultura brasileira diante dos olhos do chamado Primeiro Mundo hoje argumenta que Teló só faz sucesso “porque o Brasil como um todo está na moda”, e não porque mereça. Ou seja, continua fazendo muxoxo, mas ao menos começa a admitir que, sim, o Bra$il está escandalosamente “na moda” lá fora.

Por aqui, enquanto um pedação do país se diverte com a frugalidade pop de Teló desde 2009, quando ele se lançou em carreira solo, um pedacinho bem menor (mas ainda barulhento) entra enfim numa crise de convivência com o próprio complexo de viralatas.

Ironia das ironias, quem lhes pregou essa peça foi um legítimo viralatas brasileiro, que encanta esportistas pan-europeus milionáriossoldados israelenses no frontgatinhas & playboys franceses e assim por diante, todos dançando enfeitiçados ao ritmo de uma sanfona brasileira, para júbilo da memória do rei pernambucano da sanfona, Luiz Gonzaga (1912-1989). Por essas & outras, dá até para desconfiar que 2012 será diferente de todos os outros anos para o Brasil — e estamos apenas em janeiro.

* Texto publicado originalmente no blog Ultrapop, do Yahoo! Brasil

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2 COMENTÁRIOS

  1. Querido Pê,
    Como sempre, é um prazer ler o que vc escreve!
    Pra mim, “algo que se repete monotonamente no Brasil há uns 512 halloweens.” é uma frase de gênio!
    Obrigada por partilhar seu olhar (e ouvido) sem preconceitos.
    E tocar com elegância nas características mais emblemáticas e contraditórias do Brasil (a meu ver): a arrogância e o complexo de inferioridade.
    beijos

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