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Meu nome é Djuena, “a onça que pula no rio”. Sou filha do Alto Solimões, nasci na aldeia Umariaçu, na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia.

Vim com os meus pais para a capital ainda pequena, vim para morar em uma comunidade Tikuna chamada Wotchimaucu, na periferia de Manaus, no Amazonas. Aqui foi onde cresci.

Tenho 31 anos, sou casada e mãe de dois filhos: Dematükü e Totchimaükü.

Ainda estou em processo de me descobrir cantora. A cantoria para nós,  povos indígenas, é algo que nasce conosco. Não sei precisar quando me tornei cantora. Minha mãe é cantora de um grupo tradicional indígena lá da nossa comunidade, então a música sempre esteve presente.

Musicalmente falando não tenho muitas influências no mundo dos brancos, com exceção da Marlui Miranda, que eu considero meio parente (risos).

Eu admiro alguns artistas, mas não influenciam no meu trabalho enquanto indígena. O que me influencia mesmo é a cultura indígena, é o canto dos meus parentes.

Sou apaixonada pela Cíntia Guajajara, uma grande líder cultural do Maranhão.

Me inspira a cantoria tradicional do povo Tikuna, na voz da minha prima Cláudia Tikuna. Essa sim, foi uma grande influência no meu trabalho.

indiaConheço a música da Gal Costa, não conheço o CD Índia (álbum de 1973 mencionado pelo repórter, foto à direita). Acho que é uma diva da MPB. Entretanto, eu não faço MPB, assim como elas não fazem música indígena.

Nossas culturas influenciaram o Brasil. Porém, não nos dão o devido valor sobre isso. Mas o que me importa realmente é poder manter viva minha cultura e dos meus parentes. Esse é o compromisso que assumo com a música. Divulgar nossa cultura, nossa língua, nossa resistência cultural.

Jazz? Não entendo qual seria a relação da minha apresentação com o universo do jazz, apesar de me agradar esse ponto de vista. O que observo é que meu trabalho tem muito improviso, até para garantir um sentimento verdadeiro. Assim como o jazz, eu acho.

Não cultivo ídolos, mas admiro o trabalho do cineasta amazonense Sérgio Andrade, que tem feito trabalho com os povos indígenas aqui no Amazonas. Gosto da fotografia do Sebastião Salgado, que nos provoca a todo instante.

No teatro, admiro o trabalho do meu conterrâneo Nonato Tavares, da Companhia Vitória Régia, que orienta trabalhou com artistas indígenas.

Eu me apresento com meu companheiro, Diego Janatã. Ele também é fotógrafo e em nossas apresentações aparecem registros que ele fez em várias comunidades na Amazônia.

O grupo inteiro sou eu, ele e mais dois irmãos meus. Porém, nessa apresentação (na abertura da Aldeia SP, dia 7, no CCSP), faremos uma coisa mais intimista, somente voz e percussão.

O que assobiava Yo’i quando pescou o povo Tikuna no Eware? Não sei se alguém consegue responder. O que sei é que a música para nós, povos indígenas, é nativa, tanto quanto o mais velho ancião. É nativa porque nasce conosco, tem cheiro de fumaça, gosto de mapati e é pintada de urucum e jenipapo.

Há música no canto da parteira que acalma a mãe que vai parir e, do lado de fora da maloca, o pajé, ao som do maracá, entoa seus cânticos sagrados para afastar o mal e acalanta os espíritos. O canto faz parte do nosso cotidiano. Cantamos quando nascemos e quando morremos.

Há cantoria para botar roça, para pescar e para caçar. Quando chove ou faz sol. Cantamos nos rituais de paz e de guerra. Celebramos a vida através do canto. Através do canto mostramos nossas lutas, para que sejamos exemplos para nossas crianças, que a música é um ensinamento. É uma forma que podemos usar para resgatar e manter a cultura.

Faço do meu canto um protesto para ajudar o meu povo, para que a nossa cultura seja respeitada. Para meu povo Tikuna, a música é também formadora de caráter, uma vez que nos rituais de Worecü, as anciãs, através de seus cânticos, vão instruindo a moça nova, dizendo como a jovem deve se comportar na sociedade do povo Magüta, como ser mãe, nora e esposa.

A cantoria é nossa identidade. E de certa forma une a todos povos indígenas em uma só canção. Ao ouvirem o chamado dos maracás os parentes se aproximam. É quando começa a grande festa.

 

Glossário:

Yo’i – herói cultural e mito fundador dos Tikuna

Eware – igarapé de águas vermelhas

Mapati – fruta também conhecida como uva da Amazônia

Worecü – festa de iniciação das jovens

 

(*) Depoimento da cantora indígena Djuena Tikuna Jotabê Medeiros.

 

(Este texto integra a cobertura da Aldeia SP, em parceria de FAROFAFÁ com a Bienal de Cinema Indígena.)

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