daniel lima é poeta e é pernambucano. vive no recife.
tem 95 anos e acaba de estrear na poesia.
o poema do post anterior é dele.
também é padre.
nunca deixou que publicassem seus textos, mas uma amiga surrupiou uma parte e publicou.
o livro ganhou o primeiro prêmio de poesia da Biblioteca Nacional na semana passada.
daniel está no hospital e será representado na cerimônia do prêmio, hoje, no rio de janeiro, por uma amiga, a também escritora luzilá gonçalves.
“ele ainda diz que é mentira, que eu inventei esse prêmio, imagine. Mesmo assim ainda se traiu. Ele me disse: ‘Se você fizer alguma despesa por lá, me diga…'”.
a história do padre-poeta é tão louca que até parece que um gênio inventou o personagem (como Borges e Bioy Casares inventaram Bustos Domecq).

gostei do velho, sua poesia tem imagens originais.
tem também insolência e rebelião.
separei alguns poemas.

I

Minha alma é periódica
funciona algumas vezes na semana
e é palúdica, tem febre às quintas-feiras.

Tenho também um corpo que, coitado,
a hospeda por dever, mas constrangido.

Alma de fluido feita e de bagaço
e doses de paixões malresolvidas
e orgulho e frustrações,
o diabo a quatro.

Mais de carbono que de oxigênio,
quem pode respirar esta minha alma
que é mais físico-química que o corpo?

Com cuidado mandei analisá-la
e descobriram, encantados, que era feita
de santidade e feijão, música e merda.

II

Sinto-me improvável,
um pássaro submarino.
Essa alegria madura
que voa nos ares de meu céu pessoal
faz-me sentir que dorme em minhas vigílias
um anjo impossível
primo de Satanás
e do arcanjo Gabriel

III

Vamos brincar de roda,
que a vida só começa amanhã
depois que o jornaleiro vier.
Vamos assobiar a valsa do Mefisto
e ligar a televisão
antes que a vida comece
e os senhores do mundo joguem bombas
nas nossas ilusões.
Vamos ligar a televisão
que a vida só começará depois das nove.
Até lá, meus amigos,
vamos fazer de conta.
Faz de conta que a vida
faz de conta.

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3 COMENTÁRIOS

  1. eilá, pará. belo senhor esse daniel. não é que me lembra um pouco outro senhor das palavras que admiro, o manoel de barros? quero conhecer mais dessa alma de música e merda, antes que urubus nus tentem por demais decifrá-la. valeu a dica. abração

  2. pelo que leio do velho poeta, ele fez da vida uma aplicação prática do poema do leminski:

    um bom poema
    leva anos
    cinco jogando bola,
    mais cinco estudando sânscrito,
    seis carregando pedra,
    nove namorando a vizinha,
    sete levando porrada,
    quatro andando sozinho,
    três mudando de cidade,
    dez trocando de assunto,
    uma eternidade, eu e você,
    caminhando junto

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