MC Dedê nasceu em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Ele tem mais Orkuts do que a maioria tem de amizades no Facebook. Faz at três shows por noite, a 150 reais cada

O forró eletrônico destronou o de pé de serra. O tecnobrega fagocitou o carimbó. Em territórios partidos como as grandes capitais brasileiras, movimentos vêm dividindo a preferência musical de uma parte e de outra das cidades. Em São Paulo, foi o funk que engoliu o rap. Para quem vive no centro, e não na periferia, é como se estivéssemos falando de algo que não nos diz respeito. Mas há muito que aprender com essa nova geração que caminha sem precisar de ninguém que os dê apoio. MC Dedê serve de exemplo. Nascido em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, Josley Caio Farias, de 22 anos, sonhava com uma vida artística. Virou pagodeiro que tocava em barzinhos músicas de Revelação, Sensação, Fundo de Quintal, Belo e Turma do Pagode. Nunca se esquece de quando tinha de caminhar por mais de cinco quilômetros com instrumentos pesados nas costas para economizar na passagem do ônibus e fazer o valer o cachê de 150 reais, que ainda precisava ser dividido entre oito integrantes do grupo. Em menos de cinco anos, ele já conquistou duas casas, um carro zero quilômetro, centenas de fãs, 34 Orkuts e, acima de tudo, respeito com o funk. Deixou para trás vários sofrimentos, como o barraco na favela, o café da manhã sem almoço ou o almoço sem janta e o trabalho como auxiliar no supermercado ou limpando praças.

MC Dedê

“Tenho muito orgulho do que o funk já me deu. E ele me deu o desejo de conquistar”, afirma MC Dedê, que hoje recebe um cachê de 3 mil reais por apresentação. O músico decidiu migrar do pagode para o funk quando percebeu que o primeiro exigia uma infra-estrutura (instrumentos, gravação de CDs e DVDs, aparelhagem e publicidade) que o seu grupo jamais sonharia em ter e o segundo mal começava a surgir em São Paulo, com poucos MCs de respeito na área no ano de 2006 – ele lembra de Catra, Créu, Renatinho e Alemão, Chiquinho e Amaral. O jovem gostava de improvisar nas letras, fazia rimas facilmente e o funk não exigia muito mais que isso. Foi quando ele participou de um festival de funk em Cidade Tiradentes, promovido pelo então antenado subprefeito Renato Barreiros, que percebeu que nada adiantaria realizar um evento de rock ou mesmo de rap para reunir cem pessoas na praça. “Em vez de falar do ‘proibidão’, as letras que faziam apologia ao crime e à violência, incentivamos o ‘permitidão’, a crônica social da realidade deles”, lembra Barreiros. MC Dedê ganhou dois festivais alternados, em 2008 e 2010, porque pelo regulamento os campeões de um ano não podiam concorrer no seguinte. “Esses caras são artistas e artistas são o retrato da sociedade em que vivem. Para eles, a realidade é a periferia.”

O funk paulista, influenciado por um movimento de MCs da Baixada Santista, migrou para a capital por causa de Bio G3, o funkeiro que um dia já foi rapper e hoje também empresaria outros MCs. Com “Giséli da Favéla” e sobretudo “Bonde da Juju”, ele emplacou em Cidade Tiradentes primeiro e no resto do Estado, depois. A música é uma apologia ao consumo de marcas como Oakley, Ecko, Nike e Red Bull. Agora, ela começa a galgar o Brasil, em versão antropofagizada. O cantor de axé Edcity, de Salvador, regravou o Bonde da Juju rebatizando a canção como Bonde da Oakley, referência à marca que produz o modelo de óculos Juliet. “A música está estourada na Bahia e no Sergipe”, comemora Bio G3. Na imaginação dos funkeiros, desfilar com um tênis de mais de 500 reais, óculos de 1.500 reais e correntes de ouro 18 quilates é não só um desejo dos jovens da periferia, mas o símbolo de quem chegou lá e serve como “um tapa na cara da sociedade”. Eles também têm o direito de consumir.

“Muita gente ouve e diz que esta molecada está roubando. Não, eles estão trabalhando e pagando os óculos em 12 ou 24 vezes”, explica Barreiros, hoje produtor cultural. Além dos funks de ostentação, existem também o melody, o sensual e o consciente. São variações que os funkeiros fazem nas letras e nas batidas, mas que invariavelmente conseguem por na pista homens e mulheres. Refletem o espírito de jovens com estilo de vida consumista, de quem quer curtir a vida sem se preocupar com ideologias ou em ideologizar o ouvinte, e cada vez menos em idealizar o mundo do crime. “A apologia às marcas derrubou os proibidões nas periferias de São Paulo”, afirma Barreiros. MC Dedê, que oscila entre cantar funks permitidão e de ostentação, solta um vídeo no YouTube por mês. Tem milhões de acessos. A última foi “Rolê da Hayabusa” (moto Suzuki), mas o que o faz manter sua agenda de shows agitada é a música “Olha o Kit”, que já possui três versões. No dia 3 de outubro, ele promete lançar a “Parte 4”.


Hoje, uma das preocupações para muitos funkeiros é com a imagem que a música está criando perante a mídia. Para MC Dedê, não é exagero, nem sensacionalismo dizer que em muitos bailes se faz uma referência negativa do sexo. “O funk pode ser sensual, e não sexual. Tem muito nego falando que tem sexo em baile funk, e isso também é culpa do movimento. Com o pagode, tudo é mais organizado, enquanto com o funk as coisas são relaxadas demais.” Talvez resida aí o limite invisível que o ritmo se impôs e impeça-o de atingir públicos maiores. No Rio, o funk conseguiu transpor a fronteira entre morro e asfalto a partir de duas características próprias: a cidade é partida, mas há o espaço de convívio coletivo, a praia bem dizer, e o linguajar carioquês repleto de gírias que unifica pobres e ricos. Quem já falou ‘pobrema’ nas regiões mais elitizadas de São Paulo sabe o tamanho da encrenca. “O centro e a periferia têm culturais diferentes. Se você pegar o Thiago Petit e o Marcelo Jeneci, eles são referências só do centro. O Emicida é super-falado pela mídia, faz sucesso no circuito da Rua Augusta, mas ele não penetra na zona leste e está longe de ser um ídolo da periferia”, afirma Barreiros. MC Dedê acha mesmo que Emicida faz rap de boy, mas reconhece e admira a sua música: “Ele é diferente, com suas rimas e seu pensamento rápido, ninguém consegue ganhar dele. Meu sonho é gravar uma música com ele, já pensou Emicida e MC Dedê?”

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3 COMENTÁRIOS

  1. […] artistas selecionados já se apresenta nas Fábricas de Cultura. Vai ter, entre outros, MC Dedê (funkeiro de Cidade Tiradentes já perfilado por FAROFAFÁ), MC Thaah (apresentadora do Funk TV), Banco do DNA (rap), Mandallas.com (forró eletrônico), […]

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