Em mais um lance arrojado de resgate histórico, o selo carioca Discobertas licencia junto à Som Livre (a gravadora da Globo) e agrupa num caixote os seis discos lançados pelo grupo instrumental paulista Zimbo Trio entre 1964 e 1969. Ficam de fora apenas os LPs que o trio gravou como acompanhante das cantoras Elis Regina e Elizeth Cardoso.

O formato começou duro, fechado na soma do piano de Hamilton Godoy, da bateria de Rubens Barsotti, o Rubinho, e do contrabaixo do paraense Luiz Chaves. Com o tempo e o cansaço do formato básico, o trio expandiu seus conceitos samba-jazzísticos e gravou discos com o acréscimo de cordas e, em seguida, de sopros. Segue abaixo um mapa resumido sobre os seis relançamentos em CD.

Zimbo Trio (1964) – “Há algumas incursões jazzísticas, pois os rapazes se formaram no ritmo de Nova Orleans”, afirma Fausto Canova no texto de apresentação do LP original, não sem em seguida atalhar, para afago dos pruridos nacionalistas da época, que “em nenhum momento, perdeu-se o toque brasileiro” e que este “é o melhor LP de samba moderno de 1964”. Ainda que fosse samba-jazz o nome da fórmula composta de contrabaixo acústico, piano e bateria, as versões instrumentais heavy metal de “Garota de Ipanema” (de Tom Jobim e Vinicius de Moraes), “Berimbau” e “Consolação” (ambas de Baden Powell e Vinicius) soam hoje muito mais jazz do que samba. “O Norte”, do paraense Luiz Chaves, é o ponto fora da curva.

Zimbo Trio Vol. 2 (1965) – O segundo LP começa com a versão instrumental de “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius, com a qual Elis Regina venceu, naquele ano, o I Festival Nacional de Música Popular Brasileira, da TV Excelsior. “Reza” e “Aleluia”, outros dois standards da canção de protesto de Edu, ganham no disco versões sem protesto, instrumentais. O texto de apresentação, dessa vez assinado por Franco Paulino, é novamente ilustrativo dos espíritos daquele tempo. Os rapazes do Zimbo são, segundo o resenhista, “suficientemente amadurecidos para saber onde termina a originalidade e começa a sofisticação excessiva”. O trecho seguinte dá pistas do que se consumaria, até o final da década, como uma cisão traumática entre “sofisticado” e “popular”, entre “MPB” e gêneros mais P, de populares, que a música universitária que tomava conta de corações e mentes menos, supostamente, “alienados”: “Mesmo fazendo um tipo de música popular evoluído (sic), o Zimbo se preocupa em conservar aqueles elementos bem crioulos (sic) que estão na origem do nosso samba”. E abre o parêntesis: “E, afinal, não é exatamente isso que todos (sic) queremos?”.

Zimbo Trio Volume 3 (1966) – Como a legitimar o nome afrobrasileiro do trio, o terceiro Zimbo abre com u m tema de candomblé, “Kaô, Xangô”, de Johnny Alf. (A propósito, esse fora também o tema de abertura do LP Johnny Alf, de 1965. Após o sucesso de “Eu e a Brisa”, o disco seria relançado rebatizado de Eu e a Brisa, com essa faixa entrando justamente no lugar de “Kaô, Xangô”, cuja versão de autor continua até hoje inexplicadamente desaparecida.) O Volume 3 é o mais suave dos discos do trio até então, com interpretações serenas para “Pra Machucar Meu Coração”, de Ary Barroso, e as jobinianas “Só Tinha de Ser com Você” e “Água de Beber”. Fausto Canova aponta, no texto de apresentação, o ineditismo de “Bocoxê”, também um dos oito afro-sambas apresentados no mesmo 1966 no histórico LP Os Afro-Sambas de Baden-Vinicius.

Zimbo Trio + Cordas – É Tempo de Samba (1967) – À medida que o formato de núcleo duro se desgastava, o grupo buscava alternativas e optava pela alcunha “Zimbo Trio + Cordas” – ou seja, a bateria, o piano e o contrabaixo ganhavam o acréscimo de violinos, violas e violoncelos. A abertura é impressionante, com a linda melodia de “Anoiteceu”, de Francis Hime e Vinicius de Moraes, que ficaria conhecida no ano seguinte pela gravação vocal de Nara Leão. A atmosfera pós-bossanovista da era dos festivais adentra o trabalho do trio, com versões para temas de Geraldo Vandré (“Disparada”, “Arueira”) e Chico Buarque (“Tereza Tristeza”,  “Tem Mais Samba”).

Zimbo Trio + Cordas Volume 2 (1968) – Investindo mais uma vez no revestimento de cordas, o Zimbo se aprofunda na cultura emergente dos festivais, entregando-se com empolgação à obra de Chico Buarque (“Roda Viva”, “Carolina”, “Até Pensei”, “Até Segunda-Feira”, “Januária”, “Amanhã, Ninguém Sabe”) e, mais atrás, às de Gilberto Gil (“Domingo no Parque”, “Amor de Carnaval”) e Milton Nascimento (“Travessia”). O climão bossa-jazz é desmentido no curto texto de apresentação: “Se samba é bom, com o Zimbo é melhor, três vezes melhor”. Quem assinava essa descompromissada ode ao samba (aparentemente) sem jazz era Chico Buarque.

Zimbo Trio + Metais – Decisão (1969) – A renovação é buscada, desta vez, com o acréscimo de um naipe de três flautas, duas trompas, três pistons e quatro trombones, sob orquestrações e regência do maestro Cyro Pereira (que também assina o tradicional – e desta vez técnico – texto de apresentação na contracapa). No repertório, cabem bossas de Johnny Alf (a faixa-título), protestos de Edu Lobo (“Memórias de Marta Saré”, “Ponteio”) e Milton Nascimento (“Canção do Sal”), sambas de Noel Rosa (“Feitio de Oração”), Chico Buarque (“Ela Desatinou”, “Benvinda”) e Gilberto Gil (“Mancada”) e orações de Milton (“Sentinela”, em leitura particularmente emocionante). A versão do Zimbo para “Ponteio”, vencedora do já então envelhecido festival de 1967, encerra o trabalho, demarcando também o final de uma época.

 
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4 COMENTÁRIOS

  1. Pedro, você sabe informar onde eu poderia encontrar esses discos ou ao menos parte deles para baixar grátis da internet? Estive pesquisando e só encontrei o “Zimbo Trio + Cordas Volume 2 (1968)”.
    Obrigada!

  2. On your comments for Zimbo Trio Volume 3 (1966) you mention disappearance of Johhny Alf’s 1965 version of “Kaô, Xangô”, lost in reissue of original self-titled recording as “Eu e a Brisa”. Happy to tell you Mr. Bongo has ressued the original “Kaô, Xangô” and Amazon has it as MP3 track download also:

  3. Amazon MP3 download of “Kaô, Xangô” has problem and instead links to “Eu e a Brisa”, not clear if/when this will be fixed. But iTunes Music store has “Kaô, Xangô” track download by Johnny Alf (reissue of original self-titled album).

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