A liga, liga nóis?

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Assistindo o programa “jornalistico” da Bandeirantes A Liga, eu me constrangi, não só como ativista no bairro [do Capão Redondo, zona sul de São Paulo], mas como pai de família.

Conforme a matéria avançava, minha esposa saía e voltava não querendo mais ver, minha filha de apenas quatro anos perguntou, – isso é aqui pai? Triste, muito triste mesmo, ver o que fizeram com o bairro.

Tem funk? toda periferia tem e todo salão burguês tem, tem bebida? toda porta de faculdade tem.

Tem ponto cultural? tem sarau? tem samba? tem festa popular? tem projeto cultural? tem uma área comercial gigantesca? parece que não.

O cemitério agrada mais do que o bar do Saldanha.

O assassinato agrada mais que o Ensaiaço na Grisson, o Sarau da Cooperifa, o Sarau do Binho, o Sarau da Coopermusp, o Cinema da laje, o trabalho de permacultura da Interferência.

O córrego traz mais audiência que o trabalho do Janga+Ação, o protesto dos punks da região, o movimento rock e suas bandas de garagem, a grife exclusiva do bairro, as quermesses populares, os shows de forró, o trabalho com a terceira idade, a Fábrica de Criatividade, o Capão Cidadão, A biblioteca Êxodus, a fanfarra do Euclides da Cunha, o jornal do bairro de Marcus Kawada, a cooperativa de mulheres, o trabalho do Senhor Pedrinho no jardim comercial, A oficina do espaço digital, e mais centenas de coisas positivas.

uma matéria gravada quase que totalmente de noite, com um tom de turismo, com muita ironia e despretensão de ver todos os lados, que é o que o jornalismo tinha que fazer.

Agora entendo quando entraram em contato comigo, e após eu dizer que queria falar de literatura e cultura, nunca mais voltaram.

Mentiram quando diziam que os entrevistados moravam aqui, muitos são turistas, e quem está dentro da comunidade sabe o que estou falando.

Tenho um grande orgulho, das dezenas de moradores que me procuraram e disseram: – aqui não tá assim.

A palavra na reportagem, Lugar violento, foi repetida muitas vezes, mas não engana o povo que enche os ônibus para ir trabalhar, e para voltar para um bom lugar.

Prestenção, respeita nossa quebrada, porque usuário de crack tem, mas você tem que procurar, no meio dos becos, entre homens e mulheres que ralam todo dia por uma vida melhor, você tem que vasculhar bastante para achar um meliante no meio de tanta gente escrevendo, grafitando, recitando, cantando, e produzindo um bairro melhor.

Os moradores lutam todo dia para terem orgulho daqui, pois ao contrário de quem produziu as matérias, agente não tem outra vida não, o nosso berço quando temos um é fixo.

* Ferréz é escritor, empresário e militante das periferias brasileiras, e carinhosamente da sua, em Capão Redondo. Gentilmente, ele nos cedeu esse texto, publicado originalmente no Portal Rap Nacional

 

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