cecília no dia do seu casamento
Muitos crêem que Cecília inventa a maioria das histórias que conta, inclusive eu. Sou sincero: é muito protagonismo para ser tudo verdade.
Mas um dia eu caí do cavalo: ela me contou que tinha dado uma canção para Jorge Mautner, Sapo Cururu, e eu duvidei. Um dia, fui cobrir um show de Mautner no CEU Cidade AE Carvalho, durante a Virada Cultural, e ele tocou Sapo Cururu. Quando terminou, Jorge disse: “Essa música quem me apresentou foi a Cecília G. em 1959”.
Cecília sempre causou grande curiosidade. Em visita ao jornal, jovens estudantes eram levados à mesa dela e ouviam deliciados as dúzias de histórias contadas com rara erudição pela senhora miúda, de cabelos ralos, olhos brilhantes e um tom de fina ironia na voz.
Ela deixava as pessoas meio assustadas quando falava de seus planos para a própria cremação, as músicas que queria que tocassem no dia de sua morte. Mas é tudo exagero shakespeareano, Cecília é jovem, tem apenas 72 anos (nasceu em 29 de junho de 1936 e possui “uma saúde de vaca premiada”, segundo lhe lembra o amigo Rolf).
Estava havia 34 anos na empresa – entrou para o jornal em outubro de 1975. “Era para ficar só três meses”. Estava no jornal no dia da mudança da Rua Major Quedinho para o bairro do Limão. Estava na redação quando saiu o famigerado Pacote de Abril do ditador Geisel. Trinta e quatro anos. É uma vida inteira. Foi casada com o famoso ator, dramaturgo e diretor G.G., e mesmo separada por décadas dele, era ele ainda o epicentro de suas histórias e de seu fabulário.
Ela conta que começou não como repórter, mas como tradutora da editoria de Internacional. Traduzia do inglês, italiano, espanhol e francês, porque os correspondentes naquele tempo escreviam nas suas línguas pátrias (Rocco, em italiano; Gilles e Issa, de Paris e Beirute, em francês; Novaes, de Madri, em espanhol; John A., dos Estados Unidos, em inglês). “Eu não traduzia, já fazia textos jornalísticos ‘no tamanho’, e, modéstia à parte, era tão boa que fiquei nisso uns anos, até me deixarem escrever ‘de verdade’”.
Sua primeira reportagem foi a cobertura da vinda do Balé de Moscou ao Brasil. A companhia se hospedou no Hotel Jaraguá, que ficava então em cima do jornal, na Major Quedinho. “Não tinha quem entrevistasse o pessoal; como eu arranhava russo, me mandaram – e foi o diabo arrumar um nome printável para a prima ballerina, Vagina Seminova”, ela conta, com o deboche costumeiro.
Terça-feira foi um dia triste. Cecília deixou a empresa. Trabalhou o dia todo, escreveu suas colunas, deixou algumas fechadas. Organizou arquivos e fotos, limpou as gavetas, colocou em 2 pen-drive aquilo que queria levar do computador. Deu uma mãozinha numa tradução que alguém lhe pediu. Despediu-se das pessoas com a voz meio embargada. “Plus ça change, plus c’est la même chose”, ela me disse, citando O Leopardo.
Um ou outro confundia sua vocação discursiva com algo de ranzinza, e sobre ela pairava uma odiosa suspeita de ser cleptomaníaca, nunca comprovada. No último dia, foi aplaudida de pé por toda a redação. Tirou fotos com os mais jovens. Contou piadas, recomendou leituras. No Natal, estará em Punta del Leste com os filhos e os netos.
maravilhosa cecília. beijos, pedrita
Caro Jotabê,
Sei que esse não é o local para expressar a minha admiração por seus escritos, mas era a sua postagem mais recente e, sem medo de obter luz, resolvi postar assim mesmo.
Gostaria que o Senhor, se fosse possível e quisesse, visitasse o meu blog ( recém-nascido! ): astripasdoverso.blogspot.com. Lá, escrevo poesias e publico algumas postagens sobre literatura,arte, etc…
E que , para mim a sua opinião vale muito, se houver luz em meus escritos – lá ainda são poucos – faça uma crítica sobre eles, pois assim aprenderia muito ou sairia do anonimato. Sou alagoano, 30 anos e escritor. Desde já agradeço!
P.S. : sobre Caetano: ofereça-lhe um espelho!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.
que melancolia me deu seu texto, jota. a redação não será mais a mesma sem ela. adoro essas grandes figuras, sempre controversas, mas que quando vão embora, deixam um vazio incômodo.
beijos saudosos,
Georgia
Muito bonito o texto sobre a Cecilia, não sabia que ela tinha saído do jornal, o que teria acontecido? Um abraço