Essa foi uma amiga folgada que contou para mim. Ela me disse que eu nem merecia que ela me contasse essa, mas contou assim mesmo só para me fazer ficar com inveja. Foi uma coisa que aconteceu com ela na exposição do Duchamp, no MAM do Ibirapuera.

Ela (como eu, como você, como nós, meus irmãozinhos) estava achando tudo bem previsível, a discurseira sacralizante que deixaria o Duchamp morto de vergonha. Ela até me disse uma frase que achei duca (“É a arte contemporânea cafetinando o cadáver do Duchamp”).

Estava ela ali andando pela mostra quando viu um cara entretido com algum detalhe em uma das paredes. Não era uma obra. Ela parou para ver o que ele olhava.“E adivinha? Era o aparelho de controlar a umidade do espaço…”

Bom, o sujeito se foi e ela ficou ali e observou que, na base onde ficava o aparelho, alguém colocou um pedaço de fita crepe e escreveu com caneta DUCHAMP 2008.

Minha amiga delirou. Quando estava tirando uma foto, um dos seguranças parou do lado dela e perguntou:”_ “Você sabe o que é isso, né?”, disse, segurando o riso.

Ela disse ao segurança:_ “Sei sim”. Ele não ficou convencido, porque continuou: “É um aparelho para controlar a umidade do espaço”. E riu. Minha amiga folgada disse ao segurança que sabia e que estava fotografando por causa da etiqueta. Foi então que ela se deu conta que ele não tinha reparado no detalhe e então ela pediu encarecidamente que ele não o tirasse.

Aí Seu Edmundo (esse é o nome dele) falou:– “É, né? Não vou tirar não. Nessa exposição pode. Ele (Duchamp) não pega tudo dos outros e diz que é dele? Você viu que no início da exposição tem uma Monalisa, que ele só colocou o bigode e disse que é dele?!”.

Ela me disse que essa foi a melhor leitura de Duchamp que já ouviu na vida.

Sou obrigado a concordar.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

1 COMENTÁRIO

  1. Tem um livro que eu gosto muito, chamado Histórias da Alma, Histórias do Coração. É uma compilação de textos de correntes religiosas tipo budismo, judaísmo, cristianismo etc. Mas não tem nada de pedante. E tem uma historinha que é assim: Há uns 400 anos, num mosteiro lá não sei onde, toda vez que os irmãozinhos iam começar uma oração, aparecia um gato e ficava miando. Eles corriam atrás do gato e o amarravam numa pilastra para que ele não ficasse zanzando e atrapalhando todo mundo. Hoje, 400 anos depois, nenhum monge inicia as orações da noite sem achar um gato pra amarrar numa pilastra. Ou seja, o que era uma sacanagem do Duschamp virou dogma, com um bando de manés cultuando o cara que tava tirando sarro da sacralização da arte….o herege virou santo…

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