Existe o debate democrático e existe a sanha publicitária.
Os apoiadores corporativos da chamada Lei Seca estão em campanha publicitária.
No Jornal Nacional, todo dia agora tem um motorista embriagado. Não era um problema antes (já que não faziam reportagens a respeito), mas agora subitamente se tornou uma epidemia.
No Fantástico, além do motorista embriagado, editam um depoimento de cortar o coração da menina orfã, mostram os corpos no meio das ferragens.
Culpa da maldita!
Apelação braba. Não basta discutir idéias, têm de colocar a máquina de unanimidades trabalhando em seu favor.
Não há preocupação nem em esgrimir estatísticas que façam sentido – no Jornal Nacional, vi uma que dizia que numa determinada quinzena do mês anterior, morreram 111 pessoas, e na última quinzena morreram “só 94 pessoas” no trânsito.
Bom, se a morte de 94 pessoas é irrelevante é uma conclusão à Homer Simpson do valente telejornal. Mas o bravo repórter que foi vai para a rua com a reportagem pronta não teve a preocupação de saber quantas dessas mortes tinham relação com embriaguez ao volante. Claro: numa capital em que a estatística da violência é tão maleável quando próxima for a eleição, é normal ninguém saber ao certo.
O médico da televisão escreve um artigo dizendo que teme que, atrás da direção de um carro, haja uma pessoa com “os reflexos embotados” pela bebida. Portanto, apóia incondicionalmente a legislação. É razoável, ele é médico, quer que todo mundo viva para sempre.
Mas não se preocupa, o médico, com o uso do ecstasy ou da coca nas noites de São Paulo (em substituição à bebida), já que o reflexo embotado por essas drogas não tem punição prevista em lei. Não tem bafômetro para os fuzileiros nasais, que não são poucos.
Não sei porque, mas tenho a impressão de que o Zé-Tergal (gíria inventada pelo DJ Índio, nos anos 70) está vencendo. Todo prazer será castigado.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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