chego atrasado a esta barca, que já vi ser devidamente destacada no blog da marcia, no blog do tom zé e no blog do luis nassif.

é a entrevista que o neurocientista paulistano miguel nicolelis deu à edição de maio da revista “caros amigos”, e que, quando eu li, também achei fenomenal. o cara é mesmo figura, e eu já tive o prazer de vê-lo de pertinho, aqui na redação, porque ele faz lá suas aparições pela “carta capital”.

os trechos que mais me bem-impressionaram (além da sensacional frase dele que roubei para título deste tópico) eu copio abaixo, tintim por tintim, e com enorme prazer (e, mais lá no final, me arrisco a dar um ou outro pitaco):

“LÉO ARCOVERDE Quando surgiu a história do Instituto?

Sempre tive a idéia de voltar e fazer alguma coisa no Brasil. Era preciso demonstrar que alguém podia fazer ciência fora e trazer de volta. Comecei a ir para o Nordeste. Tinha a sensação que até o impacto era necessário para demonstrar para o Brasil quão fundamental a ciência é para o desenvolvimento não só econômico, mas principalmente educacional e social – os exemplos da Coréia, Taiwan: o que mudou esses países foi o redirecionamento do processo educacional. Era preciso ir para um lugar onde cientista nenhum iria e provar que o talento científico brasileiro existe em qualquer lugar, no Capão Redondo como em Macaíba. O que não existe é oportunidade para esse talento aflorar. Quer dizer, você não oferece ao potencial humano brasileiro nem o método nem as oportunidades para que o método seja aplicado. Para que as pessoas possam perseguir sua imaginação, porque ciência é isso, é ter uma idéia, achar que vai funcionar e ir atrás. Daí que você vê quem é cientista – não é diploma, não é passar na banca, não é ter título. É o cara que tem uma idéia criativa, aplica métodos rigorosos para testar e que persiste. Noventa por cento da ciência é persistência.

VINÍCIUS SOUTO Como o pessoal de fora enxerga sua experiência no Brasil?

O pessoal está atônito. Quando apresentei o projeto de Natal em Davos, na Suíça, em janeiro, foi curioso. Estava do lado de colunistas, um deles famoso aqui, ouvindo gente falar do Brasil o tempo inteiro, ia no computador na manhã seguinte, abria os jornais de São Paulo e ninguém falava nada. Vi um economista argentino falar bem do Brasil. Chorando, emocionado, ‘é um exemplo, é um país que está dando um show’. No dia seguinte, não tinha uma palavra. No meu dia, vou falar sobre um projeto educacional, mostrei: ‘A ciência não é só para ser feita em universidade, ficar em prédio fechado, é para se abrir para o mundo’. Tinha acabado de sair uma carta que assinei com o presidente, primeira vez que um presidente e qualquer país assinou um editorial na Scientific American.

MYLTON SEVERIANO Quem? O Lula?

É. Não saiu em lugar nenhum. Estava na capa da maior revista de ciência do mundo, o presidente, o ministro da Educação, se comprometendo a levar o currículo de educação científica infanto-juvenil desenvolvido em Natal para 1 milhão de crianças brasileiras. Mostrei as crianças montando robô, usando telescópio, medindo lua de Júpiter.

MYLTON SEVERIANO Lá em Natal?

Em Macaíba, na periferia de Natal. Foi um choque. Mas só fora daqui saiu nos jornais, saiu na Scientific American, na Science, na Nature, nas grandes revistas do mundo.

ROBERTO MANERA Qual é a parte da grande imprensa nisso?

Ah, omissão. Cheguei à conclusão que hoje no Brasil é difícil falar bem do Brasil. Existe uma cultura de se confundir o país com quem está no governo. E a gente não pode contar boas notícias. É uma coisa meio assustadora, não consigo entender.

MYLTON SEVERIANO Porque o presidente não é doutor?

Pode ser. Mas acho que o buraco é mais embaixo: não podia dar certo. O governo dele tinha de ser o pior da história do Brasil. E se você analisar os fatos friamente e objetivamente, não é. Se você passar duas semanas no interior do Rio Grande do Norte, da Paraíba, é outro Brasil. A gente respira aquele país que, quando eu era criança, me diziam que nunca seria possívl de fazer. [Nesse momento Nicolelis chora] E é chocante, você só consegue falar sobre isso fora daqui. O Brasil, de certa maneira, carrega hoje a responsabilidade de ser uma das poucas boas esperanças do mundo. De preservar seu ambiente, construir um país honesto, que cresça não à custa de outro, mas à custa do seu próprio trabalho, um país que tem uma democracia explodindo, não? Eu coloquei na minha porta na Universidade de Duke: 95 milhões de votos contados em quatro horas. Qualquer semelhança é pura coincidência. Eu me tornei mais brasileiro vivendo fora daqui. E acho inconcebível que nossas crianças cresçam sem apreciar a diferença entre patriotismo barato e verdadeiro amor pelo Brasil. Têm direito ao acesso à informação legítima, honesta e limpa. Para saber que país é, quais são os problemas, mas quais são as maravilhas do Brasil… [chora novamente]. Tem duas piadas que me deixam possesso. Uma é quando alguém fala, aqui, que ‘isto é coisa de primeiro mundo’. Que primeiro mundo? E a segunda é que ‘Deus criou esse maravilhoso país, mas deixa ver o povinho que vou pôr lá’. É o ranço do coronelismo. É inserir no genoma nacional o complexo de inferioridade. O Santos Dumont não pensou que não era do primeiro mundo quando voou, não pensou no ‘povinho’, ele foi e fez. E acho que o que nós não sabemos é que existem milhões de outros Brasil que estão se fazendo está lá em Resende, em Lages, no Seridó, no sertão da Paraíba, em Soares, em lugares que a gente nem considera como parte da gente. E aqui nós não apreciamos isso.

THIAGO DOMENICI Quando você mostrou o projeto ao Lula?

Foi genial. Estávamos no meu escritório, na minha casa, assistindo televisão, na Carolina do Norte. Vejo o discurso de vitória de um cara que conheci rapidamente, que veio da miséria e virou presidente do Brasil, e está anunciando que quer construir outro país. Virei pro Sidarta, cientista meu amigo: ‘É agora’. Escrevemos, fizemos contato. Em 2002. Vim em março de 2003 e fui me encontrar com ele em 2004. Declarei a intenção de criar o projeto no lugar em que cientista nenhum iria, e se funcionasse em Macaíba iria funcionar em qualquer lugar. Trouxe quarenta neurocientistas do mundo inteiro para Natal, para o simpósio que inaugurou a idéia, em fevereiro de 2004. Recebi um convite para ir ver o presidente. Foi emocionante, tinha dado carona para ele uma vez, no sindicato dos médicos, quer dizer, um cara que contei piada do Palmeiras e do Corinthians era presidente da República. E ele mandou todo o mundo sair da sala, me deu um abraço e disse: ‘Vai em frente que eu estou aqui’. [Chora novamente.] E nós fomos em frente.

MYLTON SEVERIANO Governo federal, estadual e municipal, você tem apoio?

O maior apoio foi do governo federal, mas o mais relevante é que a gente não só conseguiu construir isso, como conseguimos pegar mil crianças da rede pública, de escolas que as pessoas não davam esperança alguma, colocar em um ambiente de laboratório, de liberdade, de criatividade e mostrar para elas que o céu era o limite. E quando vim falar com certas pessoas aqui em São Paulo, falaram: ‘Não vai sair nada’.

THIAGO DOMENICI Pessoas do governo?

Não, cientistas: ‘Você está louco, não tem massa crítica, não vai sair do lugar’, e hoje você vê criança que antes queria ser jogador de futebol dizer que quer ser químico. Estão montando robô, outro programando chip aos 12 anos.

VINÍCIUS SOUTO Quais as principais características?

O projeto tem um centro de pesquisa onde começamos a trazer brasileiros que estavam fora, neurocientistas, como o Sidarta. Jovens que estavam fora ou pelo Brasil sem conseguir penetrar no sistema acadêmico público, levamos pra lá e o núcleo Coração, um centro de pesquisa ligado com centros de ponta do mundo inteiro. Em volta criamos o projeto educacional, e criamos um centro de saúde de atendimento à mulher e à criança, para gestação de alto risco; câncer da mulher; e problemas de neuropediatria. Agora estamos construindo um Campus do Cérebro, para 5 mil crianças, tempo integral, é essa que vai começar desde a gravidez, o Instituto propriamente dito, e vamos começar ações de integração com a comunidade. Queremos criar um pólo de desenvolvimento industrial, tecnológico, biotecnologia, porque o semi-árido é o único bioma naturalmente brasileiro, ninguém tem algo como a caatinga, e nós não devotamos nem em prosa, nem em verso, nem em orçamento o suficiente para estudar isso. Precisa ir lá, tirar foto, conversar com o povo, isso ninguém quer fazer porque dá trabalho”.

bem, acho que nem preciso dizer que, em todas as vezes que ele chorou, eu chorei junto, preciso? cacilda, que oásis poder ler, de vez em quando, algum material jornalístico que não se restrinja e se limite a reclamar, reclamar, reclamar, reclamar… lembra a hiena hardy, de hanna-barbera? pois é.

e essa história da censura às boas notícias, sobre a qual ele tem dados a valer, hein? como é que pode os colunistas “famosos” (alô, clóvis rossi… graças a deus consegui finalmente me des-viciar, e já nem mais aperto o clique quando vejo seu nome piscando na “folha” virtual) irem a davos, colherem notícias (e “notícias”) boas e más, e elegerem trazer para cá só as ruins? isso não seria alguma espécie de crime, não?…

e que coisa mais bonita a distinção que ele faz entre “patriotismo barato” e “verdadeiro amor pelo Brasil”, não? por que não cultivar o amor pelo brasil fora das horas verdes de copa do mundo?, por quê?, para que nossas crianças cresçam somente futebolistas, jamais neurocirurgiãs? por que tamanha auto-sabotagem, da boca da imprensa para fora? e quem ainda agüenta aquelas frases que começam por “só mesmo no brasil…” e invariavelmente terminam num muxoxo?, e quem ainda suporta as fobias o álvaro pereira jr., as cusparadas da lúcia hippolito, o vomitório do arnaldo jabor?

e que beleza a caatinga compreendida não como desgraça e miséria, mas como idiossincrasia, privilégio e originalidade nossa, só nossa, hein?

ah, sei lá, acho que já estou falando demais, nem precisa, o nicolelis fala por si. e eu, oba!, quero morar no mesmo brasil em que ele mora!

p.s.: já baixou no outro blog, no “ruído”, uma entrevista bacanuda com o marcos valle. dá um espião lá.

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