“No princípio, eram os cariocas. Pouco a pouco foi chegando gente de outras paragens. Os baianos, por exemplo, não tiveram o menor problema de adaptação, uma vez que já eram do ramo. Ficaram tão à vontade que alguém, muitos anos depois, inventou de chamar o trecho das obras do emnissário submarino de ‘dunas da Gal’. Na época, a rapaziada se referia àquele local simplesmente como ‘o píer’. Não que Gal não frequentasse, pelo contrário, era habituée. Ela e toda uma legião de cabeludos, usando minimíssimas sungas, baianos falsos ou de verdade. As moças não se depilavam, e apareciam ao natural, pelos ao vento. (…) henna no cabelo, um odor inconfundível de maconha no ar. Tempos de desbunde – proibido proibir, pois as proibições já eram tantas.
“Mais ou menos na mesma época, a chegada dos mineiros à nossa praia teve lances cômicos. Eram o oposto dos baianos, faltava-lhes o necessário traquejo para frequentar um ambiente tão liberado. Milton Nascimento, o popular Bituca, e seus seguidores, faziam parte daquela rapaziada que gostava de se esponjar pelas dunas, numa grande festa à milanesa. Nem todos sabiam nadar, e encaravam o mar com reverência e algum temor. Havia um tanto de ingenuidade, também: o pobre Toninho Horta passou seus primeiros meses no Rio sem por os pés na areia, por não possuir a carteira de saúde indispensavel para a frequência, conforme lhe fora informado por um amigo carioca (grande sacana!). (…)
“Na verdade, uma das grandes vantagens da praia era exatamente este ecumenismo, esta possibilidade de exercitar a convivência democrática. No caso da música brasileira, não seria de outra forma. Você podia até ter diferenças inconciliáveis com seu colega. Mas de tanto encontrar o inimigo, seminu e indefeso, diariamente na areia, acabava-se criando, sei lá, uma certa intimidade, um relacionamento, uma cordial simpatia. De modo que algumas parcerias e amizades aparentemente inusitadas foram acontecendo, e não demorou muito para que todos estes grupos finalmente se misturassem num só. A esta farofa estético-balneária deu-se o nome de MPB.”
[Trecho do capítulo “Praia”, do livro Fotografei Você na Minha Rolleyflex (1997), de Joyce.]