Voz de Marília Medalha volta a ressoar no século 21

0
415
Marília Medalha, Jair Rodrigues e Elis Regina

No bairro do Brooklin, em São Paulo, ela pode estar nesse momento afundada no seu sofá ouvindo o disco em que Michel Legrand canta a música de Luiz Eça, canções como Mestre Bimba e Febrônio. Não sai muito de casa, ela contou. Fará 80 anos em julho.

Os vizinhos podem não saber, mas essa mulher é parte fundamental da História da Música Popular Brasileira. Marília Medalha, que gravou seu último disco há mais de 30 anos, venceu Caetano Veloso e Gilberto Gil em 1967, na disputa do III Festival de Música Brasileira da TV Record, interpretando (com Edu Lobo) a canção Ponteio – Gil ficou em segundo lugar com Domingo no Parque e Caetano Veloso em terceiro com Alegria Alegria.

Foi parceira de Vinicius de Moraes (nas canções Valsa para o Ausente e O Grande Apelo); participou da montagem da peça Arena Canta Zumbi (1965), de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri; foi estrela, em 1974 – ao lado de Zé Kéti e João do Vale – da remontagem do show de protesto Opinião, de Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Armando Costa, e dirigida por Bibi Ferreira, no Rio de Janeiro. Nasceu Marília Medaglia em Icaraí, Niterói, no Rio de Janeiro, e como cantora tem gravados sete discos excepcionais a partir de 1967 (o último foi Bodas de Vidro, em 1992).

O mais legal começa agora: um grupo de jovens compositores e produtores da mais moderna música paulistana (Cravinhos, Thalin, VCR Slim, iloveyoulangelo e Pirlo), reunidos no selo Sujoground, foi até a casa de Marília Medalha para pedir a participação dela no seu projeto Maria Esmeralda. Que vem a ser a possibilidade de um encontro musical entre a estética da Velha Guarda da canção com estilhaços da eletricidade contemporânea, expressa em petardos de drum’n’bass como a faixa McCoy Tyner. O álbum, produzido por Thalin e já disponível em todas as plataformas digitais e no YouTube, tem 16 faixas que trazem as vozes de DonCesão, do trapper tchelo rodrigues, yung vegan, Servo, RUBI e Quiriku.

Marilia Medalha, madrinha da empreitada, abre o disco recitando um poema inédito escrito pela irmã já falecida, Marly Medaglia, Lúdica. O pessoal do Sujoground conta que até pensou em samplear alguma música com vocais de Marília, mas, quando a conheceu pessoalmente, achou que a ponte funcionaria melhor evocando a memória das vivências de uma fase de ouro da música brasileira. E ela se dispôs a ler o poema. “Eu fiquei admirada da juventude de vocês, de vocês se interessarem e gostarem e conhecerem o repertório da nossa época, muita emoção, muita emoção”, afirmou a veterana cantora aos anfitriões. “Vocês valem ouro! Vocês são maravilhosos, pela idade de vocês, pelo conhecimento da Música Popular Brasileira, eu admiro vocês”, celebrou a cantora.

FAROFAFÁ: Marília, você viveu o auge da MPB em 1967, com Edu Lobo. Acha que a música que se fazia naquela época é superior à que se faz hoje?

MARÍLIA MEDALHA: Aliás, não só a música de 1967. Para mim, isso vinha de muitos, muitos anos antes. Era anterior àquela música do festival. Havia uma geração de compositores/intérpretes que respeitava a boa música brasileira. Eu ouvia até programa de jazz no Rio, o programa Tempo de Jazz, na Rádio Jornal do Brasil. Agora, a música que venceu (o festival) é porque já existia a TV Record e esse elenco todo, intérpretes e compositores, que foram contratados pela TV Record. Paulo Machado de Carvalho era o dono da TV Record.

Mas é muito inferior a música de hoje, meu menino. Não tem nem rádio. Não tem nem rádio. Você pega um táxi, ele tá ouvindo rádio, é tudo cantado em inglês ou (alguém) cantando em português músicas medíocres que, para mim, não são nem músicas, nem letras. Sem emoção nenhuma. Eu sabia cantar cada música de Carnaval naquela época, compositores maravilhosos, nossa!

FAROFAFÁ: Você se lembra dos últimos shows que realizou como cantora?

MARÍLIA MEDALHA: Acho que o último (show) que eu fiz foi com João Nogueira, a gente foi cantar no Acre.

Eu trabalhei em musicais também, e em teatro, né? Eu trabalhei no Arena e fiz outras coisas de teatro com (Gianfrancesco) Guarnieri. O espetáculo Poeta, Mostra Tua Cara tinha música, era um quarteto de uma cidade do interior (foi em 1996, com Marília e o grupo vocal Catavento, com participação especial de Edu Lobo e Carlos Lyra). A gente se apresentou também, eu e Guarnieri, em Campinas, no Rio, ainda tinha a Praça Tiradentes, aquela praça que tem no centro do Rio, Teatro João Caetano. Hermínio Bello de Carvalho fez uma série de shows que chamava Seis e Meia, tinha o Projeto Pixinguinha, que o Hermínio Bello de Carvalho criou que a gente sair em dupla pelo Brasil, por várias cidades e capitais. Eu fiz com Zé Keti. Zé Keti e com outro compositor. Agora tô querendo lembrar dele… Depois eu lembro desse compositor, ele era muito fã do Cartola. E o filho dele virou cantor também. Deixa eu lembrar que eu falo quem é… Acho que é o João Nogueira! Eu fiz o projeto Seis e Meia com ele, fiz com Zé Kéti e fiz com ele. Acho que é João Nogueira compositor também. Se eu não tiver falando certo é só botar aqui no celular e fazer e fazer a pergunta. No Google (rs).

Nós não podemos falar muito sério… Tem visto Chico Buarque da TV Globo? Eu não vejo. Você viu Nana Caymmi na TV Globo? Eu não vejo. Você viu Leny Andrade na TV Globo? E tem um monte, um monte. Não, tem muita gente que morreu. Você viu MPB-4 na TV Globo? Na cidade que eu nasci tinha o Sérgio Mendes, que queria me levar para Estados Unidos. E ele vive lá até hoje. É que eu preferi vir para São Paulo, minha irmã era jornalista em São Paulo e eu vim. Tinha vindo já várias vezes e eu queria conhecer, eu queria ver os teatros, o João Sebastião Bar. Que você não sabe que existiu, uma casa noturna que tocava música da melhor qualidade. Claudette Soares cantava lá, acompanhada por aquele que viveu com Elis, César (Camargo) Mariano. É. Aquele que tinha um trio, né? Eu sabia da existência do João Sebastião Bar. Também tinha na Praça Roosevelt, um lugar que tinha shows. Eu queria conhecer o Teatro Oficina, o Teatro de Arena, o Teatro Maria della Costa, o Teatro Cacilda Becker. Eu ia muito ao teatro no Rio. E ao cinema. Os musicais americanos eram lindos. Doris Day, Frank Sinatra, os filmes, West Side Story, um filme musical maravilhoso. Amor Sublime Amor.

FAROFAFÁ: E qual foi a última música que você gravou?

MARÍLIA MEDALHA: A última música que eu gravei foi uma música chamada Vejam Só (de Gianfrancesco Guarnieri, com arranjo e violão de Théo de Barros). Mas havia também um programa da própria Record, e eu cheguei a cantar na Globo, num programa da Globo importante. Dorival Caymmi estava lá, eu cantei uma música com o Edu Lobo. Na Globo, imagina, até no Festival da Globo eles me chamaram. Mas eu detestei a música. E  uma amiga minha que disse assim Eu falei: “não gosto dessa música”, e uma amiga minha disse assim: “se fosse você, eu iria, porque (senão) eles não te chamam (mais) para cantar”. Eu falei: bom, mas eu não gosto da Globo. E a música que eu cantei… Eu cantei uma música muito ruim, e até, de uma certa maneira, me arrependo.

LÚDICA

(letra de Marly Medaglia)

Eu te amo, meu amor.

Com um amor que vai embora.

Um amor que ceva o mundo.

Que quando ri, é que chora.

Eu te amo, meu amor.

É amando a quem tu amas.

Para mim, pouco me importa, 

Se te deitas noutra cama.

Pois quando me pensas, és meu.

É quando eu me dou à vida.

Dou-me é a ti, dividida.

Nosso amor no ar eu sinto,

No cetim solar da pele

Perfumada de absinto.

Não sei se quero que venhas;

Às vezes, quero; me embrenhas

Como uma corça perdida,

Pelos freios dos teus gestos.

E cumpro então despedidas,

Me afasto entre andante e presto.

Não quero ser como o sol

Na poltrona que descora.

Bom é te ver caçador

Pela noite-mãe-da-aurora.

Amor moleque que passa

Toca doido a campainha,

Sai correndo, dá o fora,

Inventa amor com a vizinha.

Vê se sai dessa agora:

Eu te amo, meu amor,

Eu te amo é indo embora.

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome