A Fundação Bienal de São Paulo, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Cultura, anunciou nesta quarta-feira, 1, que a participação brasileira na Bienal de Veneza de 2024, a partir de 24 de abril do ano que vem, será uma representação inédita de artistas dos povos originários. O Pavilhão do Brasil na Biennale 2024 será rebatizado para o evento com o nome indígena Pavilhão Hãhãwpuá, de origem Pataxó (“Hãhãw” significa terra; o termo Hãhãwpuá é usado pelos Pataxó para se referirem ao território que, antes da colonização, era conhecido como Brasil). O Brasil levará à 60ª edição da Bienal de Veneza, uma das mais importantes mostras de arte do mundo, a exposição Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam, de Glicéria Tupinambá (e convidados ainda a serem anunciados), com curadoria de Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana. Ka’a Pûera significa capoeira, que é uma expressão que define um mato em formação onde antes existiu uma floresta.
Em 2024, o tema geral da Bienal de Veneza é Foreigners Everywhere (Estrangeiros em toda parte). “A exposição destaca a memória da floresta, da capoeira e dos pássaros camuflados como uma metáfora das lutas dos povos indígenas brasileiros e suas estratégias de ressurgimento e resistência”, informa o release da Bienal de São Paulo. “A artista Glicéria Tupinambá, representante de seu povo, traz a perspectiva de Foreigners Everywhere para a realidade dos povos indígenas do Brasil, cuja história inclui séculos de marginalização em seu próprio território”.
Vencedora do Prêmio PIPA 2023, a artista Glicéria Tupinambá, também conhecida como Célia Tupinambá, nasceu na aldeia Serra do Padeiro, na terra indígena Tupinambá de Olivença, Bahia, sob o nome de batismo de Glicéria Jesus da Silva. É irmã do cacique Babau. Ela leva a mostra Ka’a Pûera à Itália, e explica que seu título faz alusão a duas interpretações interligadas. “Em primeiro lugar, ele se refere às antigas florestas desmatadas pelos Tupinambá para o cultivo agrícola, que posteriormente se regeneram, revelando potencial de ressurgimento. Além disso, a capoeira é também conhecida pelos Tupinambá como uma pequena ave que vive em florestas densas, camuflando-se no ambiente”. Segundo a artista, sua intenção é abordar questões de marginalização, desterritorialização e violação dos direitos territoriais, “convidando à reflexão sobre resistência e a essência compartilhada da humanidade, pássaros, memória e natureza”.
Glicéria Tupinambá foi presa pela Polícia Federal em 2010, quando desembarcava com seu filho de dois meses, Erutawã. Sua prisão, arbitrária, evidenciou a problemática dos povos indígenas no Brasil, estrangeiro por séculos em seu próprio território, com suas lideranças criminalizadas, perseguidas, desaparecidas, tendo parte de seus bens culturais levados. Os Tupinambá eram considerados extintos até o ano de 2001, quando o Estado Brasileiro reconheceu que os Tupinambá não só nunca haviam sido exterminados, como estão ativos na luta para reaver seu território e parte de sua cultura que fora retirada pela colonização.
“Em Tupi antigo, idioma dos Tupinambá, Ka’a Puera são antigas florestas derrubadas para se plantar roças. Após a colheita, esse espaço fica em repouso, surgindo assim um lugar com uma vegetação mais baixa. Ao primeiro olhar, esse espaço pode parecer infértil e inóspito, porém é na capoeira que está uma grande variedade de plantas medicinais. E, com o solo em recuperação, logo poderá ser uma nova roça para sustento da comunidade ou uma nova floresta. Onde aparentemente não há vida, é a possibilidade do ressurgimento. Porém, capoeira é também conhecida pelo povo Tupinambá como uma pequena ave que vive em densas florestas, possui suas penas de tons marrom, laranja e cinza que camuflam o pássaro no solo da mata”, explicaram os curadores no texto de apresentação da representação brasileira.
José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, explicou os fundamentos do novo processo de seleção de projetos para a participação nacional brasileira em Veneza: “Desde a última Bienal de Arquitetura de Veneza, estamos aperfeiçoando nossa abordagem na escolha de projetos. O sucesso que nos brindou com nosso primeiro Leão de Ouro nos enche de confiança de que este projeto também será um triunfo. Através da seleção, por um comitê, de propostas apresentadas por diversos curadores, temos a oportunidade de ampliar diálogos e fortalecer a inclusão das vozes que ecoam por todo o nosso país nesta vitrine global da arte contemporânea que é a Bienal de Veneza. Desta vez, o pavilhão será imbuído da visão de curadores e artistas de povos originários, que trazem uma perspectiva urgente para o mundo, ligada ao tema global da edição.”