Ex-baterista da Nação Zumbi, Pupillo acaba de lançar “Sonorado apresenta: novelas”, disco em que relê músicas de trilhas sonoras de telenovelas
Romário Menezes de Oliveira Jr. é seu nome de batismo. Mas pode chamar de Pupillo, ex-baterista da Nação Zumbi, marido e produtor da cantora Céu, e baquetas presentes em discos de gente como a esposa, além de Caetano Veloso, Chico César, Elza Soares, Erasmo Carlos, Fernanda Abreu, Gal Costa, Itamar Assumpção, Jorge Mautner, Lenine, Marisa Monte, Max de Castro, Nouvelle Cuisine, Otto, Vanessa da Mata, Zé Manoel e Zélia Duncan, entre outros.
Pupillo (bateria e voz) acaba de lançar “Sonorado apresenta: novelas”, disponível em todas as plataformas digitais. Seu universo sonoro remete às origens do hip hop, ao recriar temas clássicos de trilhas de telenovelas, na companhia de Thomas Harres (percussão e voz), Marcio Arantes (baixo e voz), Zé Ruivo (teclados, sintetizadores e voz), Guri (guitarra e voz) e Ângelo Medrado (caxixi e voz).
Nas nove faixas do repertório, compositores como Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle, Toquinho, Vinicius de Moraes, Caetano Veloso, Antonio Carlos & Jocafi, Azymuth, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Baden Powell e Paulo César Pinheiro – de uma época em que as trilhas sonoras de novelas eram predominantemente feitas sob encomenda.
Pupillo conversou com exclusividade com Farofafá.
ZEMA RIBEIRO – A teledramaturgia brasileira é uma das mais ricas do mundo. Como um brasileiro nascido na década de 1970, quais as suas principais lembranças deste universo e quais as tuas telenovelas prediletas?
PUPILLO – Curiosamente o Brasil se orgulha de fazer as melhores novelas do mundo e, vendo pelo lado social, as novelas ditam as modas e o comportamento de um determinado período, principalmente nas camadas populares. As minhas lembranças da época em que, através da minha família, eu assisti às novelas vêm do período em que a ditadura, nos anos 1970, censurou novelas como “Roque Santeiro” e “O bem amado” e que nos anos 1980 foram feitos os remakes delas. Acrescentaria “O salvador da pátria” entre as três mais marcantes.
Nem sempre uma obra audiovisual casa perfeitamente com a trilha sonora. Às vezes você tem uma novela ou um filme muito bom com trilha ruim ou o contrário, às vezes tanto a novela ou o filme, bem como sua trilha sonora são ruins; mas há aqueles acertos em que tudo é perfeito, e acontece o casamento de uma trama genial com uma trilha idem. Que novelas você destacaria com essa última característica?
“O bem amado” é uma novela que uniu muito bem essas características. A estória faz uma sátira certeira sobre o universo político brasileiro na figura do personagem Odorico Paraguaçu e a trilha, que foi composta por Toquinho e Vinicius de Moraes, traduz com clareza os estereótipos e a sonoridade de uma cidade do Nordeste que sofre com as demagogias de uma política coronelista que existe até hoje. Gosto muito da trilha de uma novela mais recente que é “Cordel Encantado”.
Como foi o trabalho de pesquisa para chegar até o resultado final, em termos de repertório, em “Sonorado apresenta: novelas”?
O trabalho de pesquisa pro disco se deu através de um interesse meu de longa data pelas trilhas que eram compostas exclusivamente para as novelas. Estes discos que coleciono contêm uma sonoridade e arranjos que são cultuados mundo afora, por DJs e artistas ligados ao hip hop.
Como você se relaciona com séries em streaming em plataformas como a Netflix? É possível fazer um paralelo entre elas e as telenovelas, no sentido da predileção por determinados nichos de público?
As novas plataformas permitem que o público faça as suas escolhas num ambiente muito mais amplo e variado. Hoje em dia, as séries fazem parte de uma predileção na qual eu não incluiria as novelas, principalmente no que diz respeito à qualidade das produções. No entanto, como nem todo mundo tem acesso a essas plataformas, acredito que as novelas, por serem transmitidas em canais abertos, ainda despertem atenção do grande público.
Esse disco nasce a partir de um repertório montado por você para um show num Sesc, baseado em trilhas sonoras de novelas da década de 1970, portanto o período da ditadura militar brasileira. Além do mergulho em sua própria coleção de discos, há algum outro motivo para essa escolha?
Durante o período da ditadura, muitos artistas precisaram recorrer a metáforas para driblar a censura. No caso dessas trilhas, o que mais interessa é a rica sonoridade, os grandes arranjadores, os espetaculares ritmistas e toda essa atmosfera que dialoga com o universo da discotecagem. Onde longos trechos percussivos faziam as pistas ferverem.
Por falar em ditadura militar, como você avalia o atual momento político que o Brasil atravessa, uma novela de enredo tosco e sem a mínima graça?
O que vivemos no Brasil hoje é um grande exemplo de descaso com o conceito de país. Os frequentes ataques que a cultura vem sofrendo, a falta de diálogo entre as principais lideranças da esquerda, a falta de compromisso com o meio ambiente, a vaidade dos poderes que atrapalha qualquer debate a respeito dos caminhos a serem seguidos no intuito de diminuir as desigualdades sociais, a polarização de discursos nas redes sociais, um governo que está claramente decidido a impor regras que descartam a participação do povo, e tantos outros assuntos, só me faz crer que, se está ruim, ainda vai piorar. As cenas dos próximos capítulos me parecem óbvias, e seria de extrema importância que o povo brasileiro acordasse.
A sonoridade de teu disco remete às origens do hip hop, com longos trechos percussivos e vozes ocasionais, também compondo o cenário instrumental. Como foi chegar a este resultado?
A ideia é exatamente essa: dialogar com o universo do hip hop, que sempre influenciou minha carreira, desde que entrei na Nação Zumbi. Como não sou um músico virtuoso, achei que seria bacana fazer algo que remetesse às festas que os DJs promoviam no Bronx, dando início ao hip hop, e ao mesmo tempo prestar uma homenagem aos músicos brasileiros que são tão cultuados dentro desse universo. É como se eu estivesse, junto com os meus amigos que tanto me ajudaram nesse processo, presenteando os amantes da discotecagem.
Quais os principais paralelos possíveis de serem traçados entre este teu trabalho e o Pupillo que foi baterista da Nação Zumbi por mais de 20 anos?
A minha história com a Nação Zumbi será sempre o elo entre as minhas principais referências e todas as possibilidades artísticas que eu possa vir a desenvolver no futuro. Não tem como separar uma coisa da outra. Foi com a banda que eu pude desenvolver o meu próprio estilo de tocar, de pensar a música e interagir com o mundo através de um pensamento coletivo.
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Ouça “Sonorado apresenta: novelas”: