Baixo esplendor. Capa. Reprodução
Baixo esplendor. Capa. Reprodução

Ninguém duvida que Marçal Aquino é um dos maiores prosadores de ficção em atividade no Brasil, o que ele já provou tanto escrevendo livros quanto roteiros – não raro, adaptações cinematográficas de seus próprios livros.

No primeiro campo, podemos citar “O invasor” (2002), “Cabeça a prêmio” (2003) e “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios” (2005); no segundo, “Nina” (2004), de Heitor Dhalia (que assina o roteiro com Aquino) e “O cheiro do ralo” (2007), adaptação do romance de Lourenço Mutarelli pelo mesmo diretor (também com roteiro dele e Aquino) – e no terceiro, as adaptações cinematográficas de seus “O invasor” (2002), de Beto Brant (com roteiro dele, Aquino e Renato Ciasca), e “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios” (2012), de Beto Brant e Renato Ciasca (com roteiro do mesmo trio).

“Baixo esplendor” (2021) marca o retorno de Marçal Aquino ao terreno da literatura, 16 anos depois de “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios”, e é praticamente impossível fugir a clichês e dizer que “valeu a pena esperar” ou que a narrativa do livro é “cinematográfica”.

Craque do romance – e particularmente do romance policial –, Aquino é hábil em prender a atenção do leitor: seu novo livro se passa entre 1973 e 1974, a fase mais violenta da ditadura militar brasileira inaugurada quase 10 anos antes, e conta a história de um policial infiltrado em uma quadrilha de roubos de cargas; ou melhor: do tórrido romance em que este policial infiltrado se envolve, com a irmã de um dos chefes do bando.

Ação, drama e suspense caminham de mãos dadas pela ficção que leva o leitor a pensar e repensar valores éticos e morais, passando por amizade, confiança, profissionalismo e corrupção – na polícia e na política.

Dividido em três partes – Suor, Sêmen e Sangue, abertas por capítulos curtos, quase aforismos –, “Baixo esplendor” também lida com temas sensíveis como a formação de policiais e o alinhamento das ideias das academias a preceitos militares/militarizados e/ou ditatoriais, e com esquadrões da morte, que abreviavam o direito de defesa de investigados, cometendo justiçamentos e eliminando “inimigos”.

Impossível não traçar paralelos com o Brasil contemporâneo, pela permanência de alguns destes traços autoritários no fazer cotidiano das polícias, e pelas estreitas ligações de policiais e outras “autoridades” com milícias e toda a fauna do submundo do crime.

A ficção de Marçal Aquino ajuda a entender o Brasil, no que tem de política e sociológica, nunca panfletária. Autor experimentado, enreda o leitor em sua trama, cujo grande trunfo – o escritor não blefa nem expõe todas as cartas que tem nas mãos ou nas mangas – é trazer o que há de humano para o centro das atenções: em meio a verdadeira guerra de nervos que é uma operação policial de tamanha envergadura, como é a do mote do romance, a história de um homem comum (cujo pai havia sido delegado de polícia e foi assassinado por vingança), com seus êxitos e hesitações, sua tensão e seu tesão.

Marçal Aquino toca no osso, no nervo, mete o dedo na ferida que sangra. Mas o faz com beleza e delicadeza, nunca soando piegas. “Baixo esplendor” reafirma o que já sabíamos, mas está longe de ser mais do mesmo.

Serviço: “Baixo esplendor”, de Marçal Aquino. Companhia das Letras, 2021, 261 p.; R$ 49,90.
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