A Agência Nacional de Cinema (Ancine) determinou a realização de diligências para se “certificar” dos efeitos da pandemia nas produtoras que têm projetos em análise de contratação pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Em ofício à produtora Casa de Criação Cinema e Artes Ltda, que teve o projeto Cinema Africano Contemporâneo selecionado na chamada de TVs Públicas, a agência deu 30 dias para que a produtora informe se “houve alterações no planejamento do projeto decorrentes dos efeitos da pandemia”. A determinação abrange todos os projetos cuja etapa de produção não esteja concluída.
Como a pandemia é um fato mundial que afetou TODAS as atividades em TODAS as cadeias produtivas, os 30 dias criados pela Ancine pareceriam apenas uma galhofa de mau gosto, não fosse isso parte de um esforço consciente da agência para burocratizar e atrasar todos os procedimentos de financiamento que puder. “Caso não haja resposta no prazo de 30 dias, será dada continuidade ao processo de contratação nos termos da análise orçamentária aprovada”, diz o ofício. Assim, ganha mais 30 dias sem movimentar um centavo sequer dos recursos que pertencem legalmente aos produtores, e que estão parados há mais de dois anos. De acordo com a agência, as informações dos produtores deverão levar em conta os efeitos da pandemia no orçamento, no cronograma de execução (“inclusive para fins de adoção de protocolos sanitários de segurança”).
A Ancine iniciou uma reestruturação na segunda-feira, 27, criando novas instâncias de análise de projetos no seu corpo estruturante. A estratégia parece clara: como não podem simplesmente paralisar as contratações (porque isso envolveria corromper todo o funcionalismo que trabalha nas avaliações, e já houve recusas a esse papel), criaram trâmites burocráticos quase intransponíveis, o que vai deixar o processo de contratações mais lento, uma paralisia na prática. Por exemplo: antes da reforma, o envio do projeto audiovisual ao Banco Regional do Desenvolvimento Econômico, que gere o FSA, partia diretamente da Controladoria de Gestão de Negócios (CGN). Agora, a orientação é que tudo passe pela Superintendência de Desenvolvimento Econômico (SDE), com a informação de que todas as análises de documentação e verificações internas de determinado projeto já foram concluídas. A SDE, então, é que vai checar com outra instância, a Superintendência de Fomento (SFE) “acerca da possibilidade de celebração do contrato de investimento”. Os projetos, nesse trajeto, tendem a sumir nos escaninhos internos, já que não se estabelece um rito de celeridade e segurança jurídica no percurso.
Nesta quarta-feira, 28, às 14 horas, a Aspac, associação dos servidores da Ancine, fará uma assembleia geral extraordinária virtual para debater questões relativas à atual gestão da agência. Na pauta, está a reestruturação da Ancine, as recentes nomeações de superintendentes e assessores, o teletrabalho e a saúde do servidor na pandemia.
Ao anunciar em nota em seu site a reestruturação, a Ancine jamais se refere ao termo simplificação (ou desburocratização) com vistas a melhorar a vida dos produtores e do mercado. Tudo tem objetivos internos. “A revisão da estrutura tem por finalidade a redução do número de coordenações, com potenciais ganhos de integração e melhoria do fluxo de informações entre as áreas, e a consequente racionalização e simplificação das estruturas organizacionais e de cargos em comissão da Agência. Na nova estrutura, o número de cargos em comissão foi reduzido de 60 para 51”, diz a nota. É preciso salientar que não houve economia com a reforma: apesar de extinguir 9 cargos, aumentou-se o valor pago a cargos mais elevados (as remunerações da alta hierarquia da Ancine variam entre R$ 27 mil e R$ 37 mil por mês, mais benefícios).
“A SFO (Superintendência de Fomento) também terá uma nova formação, e passa a reunir as atribuições de enquadramento, seleção e acompanhamento de projetos audiovisuais, incorporando as atividades da Superintendência de Desenvolvimento Econômico – SDE”. Ou seja: passa a concentrar e dificultar procedimentos.