Bio G3 atende o telefone, mas logo pede licença porque o seu Nextel está tocando. Alguém quer marcar shows com ele para o próximo dia 11 de outubro, só que sua agenda para esse dia já está lotada com outros três eventos. O interlocutor pergunta sobre MC Dedê e ele explica que está agenciando o cantor a preço de custo e, por isso, não dá para reduzir o cachê. Sugere, como opção, Nego Blue, que, segundo ele, “tá com duas músicas pesadas, bom demais” e como garantia basta perguntar na rua para saber o que o povo acha. Ligação desfeita, o funkeiro e empresário pede desculpas à reportagem do FAROFAFÁ e arremata: “Agora é a hora do funk paulista ganhar o mercado.”
Cléber Passos, ou Bio G3, é o precursor do funk paulista. Ele e seu parceiro de palco, Backdi, são músicos que trocaram o rap pelo funk e não se arrependem. Bio G3, 27 anos, casado, pai de uma menina, já foi grafiteiro e fazia oficinas de hip-hop para sobreviver. Virou rapper em 1997 e insistiu no ritmo mesmo sem ganhar cachê, gravar um disco ou emplacar um sucesso. “A escola do rap é mais rígida e exige mais equipamentos e estrutura”, explica. Em 2005, foi morar na Praia Grande e lá encontrou o funk, nitidamente com influências do Rio e disseminado nas periferias da Baixada Santista. MCs como Renatinho e Alemão, Claudio e Ratinho, e Barriga promoviam festas concorridas. A dupla decidiu, então, importar para a capital paulista o ritmo. Nesta entrevista, Bio G3 fala um pouco dessa sonoridade que ganhou identidade própria em São Paulo, tomou de assalto a periferia, já ensaiando uma escapada para o centro, e produz dezenas de milhões de acessos no YouTube.
O COMEÇO
“O funk no Rio já está com uns 20 e tantos anos de vida. Em São Paulo, o funk chegou pelo litoral sul, na Baixada Santista, coisa de uns 15 anos. Aqui, na capital não havia movimento algum por muito tempo. No máximo, umas músicas respingavam aqui, tipo aquela coisa de ‘um tapinha não dói’, ‘uh, cachorra’. Em 2005, conheci o movimento de MCs com shows ao vivo na Praia Grande, onde morei um tempo. Um monte de gente dançava. Lá vi que o funk era basicamente como o nosso rap, mas com uma batida diferente. Era mais envolvente. Uns MCs lá da Baixada acharam que não ia dar certo trazer o funk para São Paulo, mas aí pedi ajuda para eles e tudo começou. Eram festas na comunidade de Cidade Tiradentes, bailes na rua, basicamente montando palco e atraindo a galera.”
O ABANDONO DO RAP
“Eu e o Backdi éramos cantores de rap. A gente tocava, mas nem se falava em cachê, ajuda de custo, nada. Tínhamos estrutura musical, mas nenhuma produção. Mas o rap, por causa das pessoas que conduziram essa música no Brasil, tinha um lance só de protesto. Foi ficando meio chato. Não é segredo quem são essas pessoas do rap: é o Thaíde e DJ Hum, os Racionais
MCs e o Consciência Negra, todos seguindo a mesma linha. Havia essa autoridade maior e o cara que fizesse uma coisa diferente era tido como boiolinha ou alienado. Não dava para a gente falar dos amigos, das amizades ou só de curtir uma. Hoje vejo os pontos que o rap errou demais. As mulheres não queriam cantar o rap, porque era só cara feia, só aparecia homem falando de violência e não era um ritmo nada dançante.”
DISSEMINAÇÃO
“O funk veio também com o lance da internet, dos vídeos do YouTube, da distribuição de música para todo mundo. Eu, por exemplo, nunca vendi um CD. Posso fazer um CD original, profissional, mas é para dar para os DJs das casas noturnas. E não pretendo vender nunca um. Faço os caras gostarem da minha música divulgando de graça, porque é difícil alguém apostar em quem nunca ouviu falar. Se você digitar “Bonde da Juju”, vai ver que tem, juntando todos os vídeos dessa música, mais de 10 milhões de acessos. É uma música que rodou o Brasil todo. A nossa filosofia é ser de graça e por na internet. Quando o funk começou, o Orkut era o site de relacionamento da periferia. Nessa época estávamos procurando nosso espaço, enquanto outros ritmos já tinham o seu mercado. A preocupação deles era gravar, e a nossa era de espalhar.”
CACHÊS
“Os Racionais cobram cachê de até 40 mil reais. Um cara médio do rap não sai por menos de uns 10 mil reais. Aí veio o funk e a explosão da música gratuita que distribuíamos. A nossa música invadiu as periferias e reduziu os cachês, o que agradou as casas noturnas. A gente toca uma música que faz as mulheres dançarem, o que atraem os homens, que vão gastar dinheiro e isso qualquer casa noturna quer. Meu cachê hoje é de 5 mil reais por meia hora de show. Faço uns três shows por dia, mas já cheguei a fazer uns 6. Aí parei porque era uma loucura. Hoje, um funkeiro iniciante recebe uns 500 reais por apresentação.”
AS LETRAS
“Não tô nem aí com as críticas da nossa música. A gente quer falar igual se fala na rua. O funk quer falar igualzinho ao que falam as pessoas que gostam de nossa música. Tenho consciência de todos os meus erros de português das minhas letras. Mas não quero falar diferente do meu público, porque aí não vou conquistar nada. É uma questão de sintonia. Não vou mudar para agradar os outros porque a nossa música está saindo da periferia. Trabalhei na Febem, nas oficinas de hip-hop, e sei que na hora dos conflitos eu era um dos poucos que entrava e falava de igual para igual com os moleques.”
OSTENTAÇÃO
“Todo mundo fala da nossa ostentação e estamos mesmo puxando o bonde da ascensão das classes C, D e E. O nosso lance é falar de grana, de baladas e de um pouquinho de luxo, que nem chega aos pés de quem tem luxo de verdade. Em 2009, fiz o “Bonde da Juju”, que fala de um óculos de 1.500 reais da Oakley. De lá para cá tento fazer outras coisas, funks mais da realidade, mas parece que não vai. No ano passado, fiz o “Bonde da Mais Mais”, que também fala da ostentação, e a música estourou. A “Vem com o Papai”, que é a top nas periferias hoje em dia, é a minha realidade. Não viajo nas músicas pensando na vida dos outros.”
PROIBIDÃO
“É um termo muito errado de se usar. Ninguém usa proibidão para falar do rap, que também fala de violência e criminalidade. Mas essa linha do funk de fazer apologia foi ficando sem espaço, porque as casas noturnas não querem isso. A minha música “Vem com Papai” fala em “fumar nossa maconha”, mas nos shows troco por “beber para tirar onda”. Se você pesquisar, as primeiras letras do funk falavam mais de criminalidade e alguns até do PCC (Primeiro Comando da Capital). Mas aí o cara falava do PCC e eles não davam nada em troca. Era só para dar Ibope. Mas para quem precisa pagar a conta de água, luz e ter poder de compra, é melhor falar do consumo, da ostentação, de coisas mais alegres. O proibidão ficou sem mercado, a verdade é essa.”
CONQUISTAS
“Saí de um barraquinho da favela Caburé, lá no Iguatemi (zona leste de São Paulo). Minha casa enchia até o teto. De 1990 até 1998, todo fim de ano, perdia tudo com as enchentes. Hoje, estou falando com você pelo telefone e vendo da janela da minha casa num condomínio fechado a piscina e a quadra de futebol. Comprei também uma casa para meus pais.”
PÚBLICO
“Nosso público não é a região rica, mas se a nossa música está tocando na casa deles, é porque já ultrapassou as barreiras daqui. Falo de nossa realidade e não para entrar no Credicard Hall. O dia em que fizer uma música para outro público, talvez eu faça uma produção legal, trabalhe as letras. Até pensei em fazer uma fusão do funk com uma música mais instrumental, juntar também o soul. Já fiz muita festa de teens em casa de milionário, onde os filhos vinham de Ferrari e outras máquinas. Só que nunca fiz uma música pensando neles.”
FUTURO
“A gente quer ganhar mais espaço no mercado, que era para ser mais democrático. O próprio funk ainda está muito ligado ao Rio. De dez artistas, oito são cariocas. O futuro do funk paulista é cavar mais espaço, já que temos muito potencial. E somos favorecidos porque as nossas músicas e o nosso vocabulário são mais próximos com os de outros Estados. O carioca usa muita gíria, que só quem é do funk entende. Nesse momento, o funk paulista está tocando no Sul do Brasil. Tanto que o pessoal do Rio já começou a se aproximar da gente, não falando só de músicas do tipo proibidão ou putaria.”
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