entrevista com o vampiro (*)

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hello, crazy people! segue abaixo a íntegra da entrevista por e-mail concedida por rita lee, pra mór de constar da reportagem já reproduzida momentos atrás, “os doces vampiros”. mais abaixo da entrevista, vai reproduzido também o prefácio que fiz para o livro “rita lee mora ao lado” (panda books, 2006), de henrique bartsch, e que dona rita citou adindonde ali pelo meio da entrevista. quando releio, acho tolinho (o prefácio), mas foi escrito com mutcha sinceridade, mora?

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pedro alexandre sanches – você poderia contar o que sentiu, e como se sentiu, durante a apresentação de “um homem chamado lee”?

rita lee – pedro querido… vendo pretinha lá no palco, tinha horas que me lembrava dela pequenininha brincando nos ensaios do pai e ficava orgulhosa da “filhinha”… outros momentos, me dava conta que aquela mulherona tava lá corajosa segurando um monólogo e cantando pra valer e ficava orgulhosa da “filhona”… chorei muito e ri muito… às vezes segurava na mão de sandra [mãe de preta gil], que estava sentada atrás de mim, e tudo parecia uma máquina do tempo que ia para frente e para trás… acho que foi a homenagem mais bacana que recebi até hoje.

pas – preta gil disse que você chorou bastante no dia em que viu. eu pude testemunhar, também, o choro e a emoção de gilberto gil no dia em que ele assistiu. o que você diria que, ali, tem causado tanta emoção aos tropicalistas de primeira hora (além, é claro, dos muitos laços afetivos envolvidos)?

rl – ser filho de artista já é uma cobrança danada, ser filha de ministro mais ainda. “os tropicalistas de primeira hora” agradecem a preta em nome do atrevimento. ela está dando uma banana para os cobradores de plantão e dando um show de bola para o povo.

pas – poderia contar um pouco sobre suas relações afetivas com preta?

rl – eu digo que sou sua mãe biológica, mas que por precaução gil resolveu que nossa bebê seria educada por sandra, uma pessoa digamos assim mais confiável… talvez ele já soubesse que um dia seria ministro da educação [ministro “da educação”, dona rita?, hahaha]…

pas – gil definiu a peça, imediatamente depois de assisti-la, como uma discussão sobre a vampirização do ídolo pelo fã. Você concorda?

rl – olha, eu já conheci muito fã esquisitão, desses que dormem na porta da casa da gente e nos seguem até a china… eu lambi a maçaneta da apple [a gravadora dos beatles] e praguejei quando aquele incompetente do chapman atirou em lennon ao invés da japa vudu [yoko ono]… acho que fãs não vampirizam, eles são esquisitões mesmo, quem vampiriza artista é crítico de música… but i love you! [ssssei, tô sabendo… falsa baiana…]

pas – na peça, o fã-travesti é ao mesmo tempo “herói” e “vilão” – “herói” protagonista do espetáculo e “vilão” que quer anular seu ídolo como se fosse possível tomar seu lugar. seria, nesse segundo sentido, uma espécie de “revanche” do ídolo contra o lado mais obscuro, cruel e destrutivo dessa multidão que se esconde por trás da alcunha algo cor-de-rosa de “fã”?

rl – não tenho idéia… quando eu era uma anônima me inspirava em francoise hardy, brigitte bardot e marianne faithfull [maravilhosas inspirações, hein?…]. talvez se tivesse tido a oportunidade de chegar perto delas eu as seqüestrasse também, mas para que elas me ensinassem seus truques de maquiagem, cabelos, modelitos… os fãs-frankenstein a que você se refere viram mark chapmans e se revoltam contra seus criadores… às vezes nem precisa, artista volta e meia morre de overdose [hahahaha!].

pas – o que você achou das versões rock’n’roll de suas músicas (mesmo as que na origem eram mais leves e pop), que parecem (re?)aproximar rita lee de um imaginário mais marginal, mais pesado, mais soturno, às vezes até meio depressivo (no estilo lou reed, david bowie etc.)?

rl – adorei os arranjos, o texto é ótimo, as costuras entre as músicas são geniais, a direção de rodrigo pitta é jóia… acho que para o “imaginário mais marginal” que algumas pessoas possam fazer de mim tá perfeito, assim eu posso continuar na minha santidade de sempre.

pas – na sua opinião, a peça (e, dentro dela, a interpretação de preta) não é um tantinho cruel com a figura do travesti?

rl – meu bem, é um teatro trash à la John Waters, não esperemos pois nenhuma santificação da figura do travesti [nem do “palhaço rita lee”, né?].

pas – o fã pode ser um travesti de crítico? o crítico pode ser um travesti de fã? o artista também pode se travestir disso tudo aí?

rl – pode ser tudo isso e muito mais… como disse o mestre: de perto ninguém é normal…

pas – recentemente, você tem dado aval a trabalhos que a citam e poderiam ser tidos como “homenagens”, mas que ao mesmo tempo não se pautam por serem complacentes, risonhos, bajuladores, generosos (estou pensando em “um homem chamado lee”, e também no livro de henrique bartsch, “rita lee mora ao lado”), por serem trabalhos que englobam, enfim, também algum nível de “crítica” a rita lee, e não só de “elogio” a rita lee. o que a faz dar aval a eles?, o que pensa dessa natureza algo “crítica” de “homenagem”?

rl – como já falamos sobre “um homem chamado lee”, vamos para o “rita lee mora ao lado”… o livro do henrique foi escrito baseado nas nossas conversas virtuais de anos e anos, cartas de amiga para amigo, não eram perguntas e respostas como costumo fazer com jornalistas. você conversar por e-mail com um amigo que não te julga já é uma delícia, imagine quando rola uma confiança total para abrir o coração mesmo, é uma ótima terapia, aliás… no livro o texto dele é maduro e juvenil, engraçado e abusado, igualzinho aos mails… quando vi nossas conversas transformadas em livro, contando coisas que ninguém nunca soube, me deu um alívio… era o lado da minha moeda que estava lá, doa a quem doer, inclusive a mim mesma… mas percebi também que minha vida não tinha sido um film noir como muitas vezes pensei. foi tudo uma grande chanchada, a ainda com final feliz… comecei até a ficar fã da cantora em questão… aliás, você escreveu o prefácio, outra surpresa para mim que não sabia até então se me amava ou odiava [não sabia?! ah, vá!!!]… diga que me odeia, mas diga que não vive sem mim… e você disse… obrigada [chuif…].

pas – por fim, poderia contar experiências individuais suas, de vampirização entre ídolo e fã? pergunto sobre você como fã, mas também (e principalmente, talvez) sobre você como ídolo. seus fãs podem eventualmente agir como “doces vampiros”?, e isso pode ser doloroso para você?

rl – putz, eu meio que já contei algumas experiências acima… mas tenho uma história boa da fã “jekyll & hyde” que descolou meu endereço e passou a mandar cartinhas de amor-de-fã, não existia e-mail na época… eram tão carinhosas, e eu, carente que sou, respondia eventualmente… foi nessas que dei trela para o monstro dar as caras e as cartas começaram a ter uma conotação mais, digamos assim, sensuais… eu dizia que não era bem a minha praia, mas que não tinha nada contra, muito pelo contrário etc. e tal… mas a coisa foi ficando séria, e jekyll finalmente disse a que veio: ela era minha alma gêmea e o destino já estava escrito, eu deveria abandonar tudo e todos, iríamos fugir juntas para um lugar remoto… parei de escrever no ato, a mulé era pinel…

mas o meu silêncio teve um troco, passou a mandar todo santo dia uma rosa vermelha com um bilhete: “eu vou te matar!”… dizia que era escrito com o sangue dela… mensturação talvez, pensei eu, cinicamente… um belo dia o porteiro do prédio me chamou pelo interfone: “dona rita, aquela louca acabou de se cortar toda aqui na minha frente e disse que vai se matar se a senhora não falar com ela, o que faço?”… veio a ambulância e carregou a mulé sei lá pra onde… mas eis que o monstro voltou a fazer as mesmas ameaças: rosa vermelha e o bilhete com sangue… naquela altura do campeonato eu já achava que não era menstruação…

para resumir a ópera, contratei um detetive para descobrir quem era a peça, e qual não foi meu espanto ao saber que se tratava de uma juíza de direito, dessas poderosas, que mandava e desmandava numa vara criminal barra pesada… e eu pensando que era uma adolescente… cruz-credo-vá-de-retro… meu advogado teve um trabalhão danado para acabar com a tragédia anunciada, a mulé foi despedida e sumiu… se um dia eu aparecer morta pode apostar que foi ela: freda krugger, o retorno!

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Prefácio

Gênio, idéia de gênio. Este livro que você [não] tem em mãos agora é altamente despretensioso, mas é preciso estar atento(a) e forte para encontrar em suas entrelinhas uma história sincera e reveladora que poucos ousariam contar. A impressão que o livro de Henrique Bartsch deixa e de que, sem ser uma biografia, Rita Lee mora ao lado biografaa vida da dita-cuja (essa que mora ao lado – aí ao seu lado, tá vendo ela ali?) sem meias-palavras, sem papas na língua, sem camuflar as partes menos lisonjeiras da vida da bailarina. Afinal, todo mundo tem pereba, até a bailarina tem.

O segredo para ler Rita Lee mora ao lado, eu acho, é ter em mente que se trata de um romance do tipo “a bela e a fera”, “o médico e o monstro”, um xadrez de duplas (ou múltiplas) personalidades em que a bela é a fera e o médico é o monstro.

Conforme leio (já li duas vezes), fico com a nítida sensação, não sei por que, de que essa tal Bárbara Farniente não existe, sei lá. De que ela não mora ao lado, mas sim dentro da heroína incorrigível Rita Lee. Ouça bem o que Bárbara Farniente conta sobre si, querido(a) leitor(a), ali dentro é que está escondido o fruto proibido…

Por falar nisso, confesso que só conheço o Henrique por e-mail, nunca estive pessoalmente com ele. O Bartsch que me perdoe, mas me peguei às vezes pensando “será que esse cara existe?”, esse cara tem me confundido…

Aliás, lendo o capítulo sobre os críticos, com quem a falsa ruiva vive às turras, também garrei a matutá: a moça mutante que adora inverter todas as lógicas e regras não leva lá um jeitão para crítica frustrada que foi morar na casa ao lado, no dolce far niente? Será? Sei lá, a essas alturas já tenho dúvida até mesmo se eu existo, preciso lembrar que eu existo!, se eu existo…, eu existo?…

Será? Será que aqui é o sonho de uma sábia chinesa que um dia sonho que era – todos juntos reunidos numa pessoa só – Rita, Bárbara, Arnaldo, Roberto, Elis, Erasmo, Wanderléa, Henrique, Antonio, Pedro, João, Maria, José (olha o que foi, meu bom José…)? Ou será que fomos todos nós, sábios chineses de araque, que continuamos sonhando até hoje que somos uma borboleta, digo, a Rita Lee?

Bem, seja o que for. A leitura da aventura genial de Bart não satisfará dúvidas existenciais dessa natureza – mas renderá um bocado de diversão, ternura, dor, risos, tristeza, reflexão. Porque, exista ou não essa tal de Rita Jeep… Sujeita, você é maravilhosa…

Pedro Alexandre Sanches
Crítico musical e autor de Tropicalismo – Decadência bonita do samba e Como dois e dois são cinco – Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa).

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[pós-explicação, aqui pra o blog: as várias citações a letras de música, no prefácio aqui acima, vinha como contra-provocação contra o que a protagonista (rita bárbara lee farniente) diz durante o livro de bartsch, que o-d-e-i-a essa gente m-a-l-a que se expressa através de letras de música [hehehe]; mas vinha, também, como reação à orelha do livro, assinada por uma tal rita lee, que conclui arrombando o armário da festa e decretando que “agora lá em casa todo mundo vai saber que o beijo que ganhei fez muito mais que splish splash. e vão acabar sabendo também que não consigo me livrar do vício de me expressar com letras de música”. enfim…, é espelho que não acaba mais, para tantas alices (hey, ocê, alice, tudubom aí?!) dispersas por este país dos espelhos, reunidas numa canoa só – esta.]

(*) contratítulo possível (& plausível): entrevisto com a vampira…

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