…doce…

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dadi carvalho é um desses operários da música brasileira sobre os quais não se lêem muitas (ou poucas) entrevistas e dissertações, até porque em geral os jornalistas costumamos nos ocupar mais das, er, “estrelas” da boca do palco.

de vez em quando, tais operários entram em (ou saem de) um casulo de hibridez, como acontece agora com dadi, que finalmente consegue lançar seu primeiro álbum solo, que segundo ele conta estava pronto desde 2002. agora, por estímulo do lançamento e da distribuição da grvadora global som livre, alguns poucos jornalistas saímos de respectivo casulo de desinteresse, e rolam umas escutas, umas entrevistas.

a escuta de “dadi”, o disco, por sinal, é das mais prazerosas. quietude e doçura parecem ser marcas pessoais do artista, que se reveste de açúcar candy (como comporiam sueli costa e tite de lemos, e como cantaria ney matogrosso) em formosas canções compostas solitariamente, outras com parceiros (caetano veloso, andré carvalho, jorge mautner, rita lee, domenico lancellotti), notadamente o ex-titã arnaldo antunes.

como “dadi” só vem à tona agora, pode-se dizer que arnaldo renova nele um carimbo já bem esculpido no projeto (pós-)hippie “tribalistas” (que saiu em 2003, e, portanto, é posterior à feitura do disco também mui tribalista de dadi): a aspereza inerente, salgada, de arnaldo, definitivamente parece gostar de se dissolves gozosamente em parcerias como as que entabula com carlinhos brown, marisa monte e… dadi carvalho. a hedonista e bem-humorada “se assim quiser”, lançada antes no disco “saiba” (2004), do próprio arnaldo, é atestado contundente desse soro fisiológico composto por duas medidas de açúcar, uma de sal (ou vice-versa?), embebidas em grandes goles d’água.

faixa por faixa, a doçura que também parece docilidade se expande pelos interstícios do cd, e essa é também a impressão que passa a entrevista que se segue, concedida por e-mail, passo a passo (alô, lobão!), entre os dias 19 de junho e 25 de julho de 2007, pela paciência de dadi, especialmente para este blog. e a derradeira resposta, quando o assunto avança para a fábula dos três porquinhos, tilinta aos olhos deste entrevistador com o quilate de um diamante africano-brasileiro. gracias muchas, senhor eduardo magalhães de um carvalho, e um brinde à história da música brasileira, não só por obra dos lobões que a assopram com furor, mas também dos porquinhos operários que a constroem tijolo por tijolo, sem pressa ou estardalhaço.

pedro alexandre sanches – depois de uma longa trajetória como integrante dos novos baianos e d’a cor do som, e também de bandas de apoio de vários artistas, você finalmente lança um disco solo, só seu. por que a demora em fazê-lo? e por que a escolha deste momento para fazê-lo?

dadi – sempre quis fazer meu cd, mas faltava alguma coisa para eu poder acreditar nas minhas músicas. arnaldo antunes foi superimportante, pois as letras maravilhosas que escreveu para minhas melodias me deram a confiança de que eu precisava para as minhas canções. a partir das nossas parcerias, parti para as gravações, com a ajuda do meu filho e produtor daniel carvalho, que trabalha e é sócio no estudio de berna ceppas e kassin, que me deram uma grande força. com a ajuda de grandes amigos músicos, comecei as gravações, e o cd foi tomando forma, sem pressa, pois eu não tinha gravadora, o que foi outra batalha.

quando eu tocava com rita lee, mostrei a roberto de carvalho algumas gravações, e ele me sugeriu que chamasse algumas pessoas com quem eu havia trabalhado para cantar comigo, e chamou a rita, que foi linda e topou (uma honra pra mim), e ainda me deu uma letra para musicar (“no espelho”). comentei com marisa monte, que também lindamente cantou “da aurora até o luar”. caetano veloso, meu amigo de longa data, letrou uma melodia que eu havia feito para leilinha, com quem estou casado até hoje, e fez “na linha e na lei”, e ainda cantou numa parceria minha com o grande jorge mautner, “no coração da escuridão”. só faltou meu mestre jorge ben jor, por falta de tempo na agenda dele, mas no próximo…

o cd já estava pronto desde 2002, mas só foi lançado agora porque eu não consegui que nenhuma gravadora se interessasse por ele, até que gustavo ramos, da som livre, ouviu através do berna ceppas e quis lançar (valeu, gustavo)… eu queria que as pessoas ouvissem minha música, e agora isso está acontecendo. valeu a espera, para mim…

pas – pelo que você diz, então, as parcerias com arnaldo antunes alavancaram sua aventura solo, dando consistência poética a ela, é mais ou menos isso? e a respeito da aventura de cantar? ser cantor solo é diferente de ser um dos vocalistas d’a cor do som? como você encara a tarefa de cantar?

d – exato. a sintonia da minha melodia com a poesia do arnaldo foi bem legal. para mim, é fundamental acreditar no que se está dizendo quando se canta. sou apenas um compositor que interpreta suas canções. mas gosto muito de cantar. faz bem para a alma. e, como diz arnaldo em uma de nossas parcerias, “tudo que quiser pode ser pensado por você, é só fechar os olhos e chamar…”.

sou tímido, mas acho que isso até me ajuda a me concentrar mais. na cor do som, a gente tinha uma força instrumental. mas também foi importante para mim cantar algumas canções, como “abri a porta”, “menino deus” e “palco”. foi a partir dessas músicas que vi como é gostoso cantar. e agora, no meu cd solo, pude, além de cantar, tocar vários instrumentos, como guitarra, piano, percussão e teclados. me diverti muito!

pas – você citou a letra de “se assim quiser”, que já me chamava atenção no disco do arnaldo antunes e também ficou muito legal na sua versão. você acabou de falar sobre como se divertiu gravando seu disco, e a letra de “se assim quiser” diz coisas como “acabou a hora do trabalho/ começou o tempo do lazer/ você vai ganhar o seu salário/ pra fazer o que quiser fazer/ (…) ir de bicicleta ao mercado/ escolher um peixe pro jantar/ encontrar a namorada/ ou o namorado/ escolher alguém pra visitar/ quando quiser/ se assim quiser/ se assim quiser/ como quiser” etc. no entanto, diversão à parte, você tem sido desde pelo início dos nos 70 um trabalhador incansável da música brasileira, não? poderia falar um pouco sobre como é ser sempre uma peça fundamental nos times de que participa, sendo apenas raramente a peça principal deles?

d – bom, apesar de considerar diversão, sou um profissional e sei das minhas responsas. sei da minha posição em cada trabalho que faço, mas também sei minha importância e contribuição para cada trabalho. a música também tem lados que qualquer outro trabalho tem, como insegurança, altos e baixos, marés fracas, sem vento etc. sei exatamente em que contribuí para cada trabalho que fiz, e também sei que talvez só eu saiba do real tamanho da minha contribuição, e o quanto cada trabalho contribuiu para hoje eu ser a peça principal. tenho muito orgulho de ter participado e ajudado vários momentos bem legais da música brasileira.

pas – entendo e imagino que tenha um sentido profundo a sua afirmação de que “talvez só eu saiba do real tamanho da minha contribuição”, e é por isso mesmo que gostaria de investigar um pouco mais isso, com a sua imprescindível ajuda. para começar, queria lhe pedir para contar o começo da sua história, desde onde e quando nasceu até como e por que passou a se interessar por música e a trabalhar com música. topa?

d – topo!! nasci no rio de janeiro, no auge da bossa nova estava com oito anos. minha mãe é pianista erudita, me lembro de ouvir desde pequeno ela tocando em casa. meus primos, que eram meus vizinhos e mais velhos que eu, tinham um trio, tipo piano/baixo/bateria. tocavam jazz e bossa nova instrumental. eu morava perto do teatro santa rosa (que infelizmente não existe mais), em ipanema, e conseguia entrar à tarde e assistir aos ensaios de alguns shows que rolavam por lá. me lembro de ter visto edu lobo, wilson simonal, bossa três, rosinha de valença e muitas outras coisas que me deixavam louco pela música e pelos instrumentos. nessa época, escutava direto o disco “samba esquema novo” [1963], do meu mestre jorge ben, e já sabia que música era o que eu queria na vida.

foi quando chegaram para mim, com aquela força total, os beatles, os rolling stones e, na seqüência, todo o rock’n’roll, com the who, kinks, cream, traffic, bob dylan e jimi hendrix. esse foi uma história à parte, porque quando ouvi pela primeira vez “axis: bold as love” [the jimi hendrix experience, 1967] foi realmente um choque! nessa época, com uns 13 anos, tive uma banda chamada the goofies, com amigos do colégio. a gente tocava em festas de amigos aqui no rio, e até ganhava uma grana.

no começo dos anos 70, eu estudava no colégio rio de janeiro, em ipanema, e tocava com meu amigo lui (dois violões e voz). um dia, fomos dar uma andada no arpoador, à tarde, e encontramos marília, mãe do davi moraes, que era nossa amiga e sabia que eu tocava baixo. ela estava com baby consuelo. vieram até nós, e baby me disse que tinha uma banda, os novos baianos, e que eles estavam precisando de um baixista. e perguntou o que eu estava fazendo. pensei que ela estava se referindo àquele momento e respondi: “nada…”. perguntou se eu poderia passar na casa onde eles estavam. falei que sim. meu amigo lui não gostou, e falou: “quer dizer que tocar comigo é fazer nada?”.

fui até a casa onde eles estavam e encontrei pepeu gomes, moraes moreira, paulinho boca de cantor e galvão. começamos a tocar, pepeu, moraes e eu. rolou legal, eles gostaram de mim e me chamaram pra ser o baixista da banda. foi quando me tornei profissional e passei realmente a trabalhar com música.

pas – você pode contar um pouco mais então sobre esse período de sua estréia profissional, junto com os novos baianos? vocês surgiram como um subgrupo dentro dos novos baianos, já chamado a cor do som, não foi isso?

outra coisa: não sei se você concorda, mas acho curioso ouvir você descrever como foi influenciado por jimi hendrix, ao mesmo tempo que penso em como era original e soava brasileiríssimo o som dos novos baianos. faz pensar no caso dos mutantes, que também se influenciavam intensamente pela música que estava acontecendo nos eua e na inglaterra, mas inventavam algo absolutamente novo (e brasileiro) quando iam fazer seu próprio som. você diria que esses grupos (e talvez também os secos & molhados, em outro registro) tinham consciência de que isso estava acontecendo, ou acontecia “sem querer”? e quanto a você, pessoalmente, estava consciente de que sua música era resultado dessa mistura que você citou, entre edu lobo, wilson simonal, rosinha de valença, the who, jimi hendrix e bob dylan?

d – como te falei, no início dos anos 70, quando fui ao encontro dos novos baianos e toquei com eles pela primeira vez, eles gostaram da minha atuação e me chamaram para fazer parte da banda que ia acompanhá-los. essa banda, com pepeu, seu irmão jorginho gomes (grande batera!), baixinho (percussionista de são paulo) e eu, foi batizada pelo galvão, letrista e diretor geral do grupo, como a cor do som, que era título de uma música da parceria dele com moraes. foi formada para estrear no teatro casa grande, no rio. o show, “novos baianos depois do dilúvio”, ou alguma coisa parecida [na real, o show, de 1968, se chamava “desembarque dos bichos depois do dilúvio”], era hilário, com figurinos que remetiam à bíblia: moraes, de jesus, com um pano enrolado tipo fralda; paulinho boca de cantor, de são pedro; baby, de santa, com um espelho na testa; eu e jorginho de anjos…

a sonoridade era diferente daquela que ficou conhecida como a sonoridade dos novos baianos: era mais “heavy metal”, com as músicas do primeiro disco deles, “é ferro na boneca!” [1970]. a temporada de duas semanas foi relativamente um fracasso de público, mas nossa rapaziada ia assistir aos shows diariamente, e a animação era garantida.

nessa época, no auge da ditadura, os novos baianos moravam em um apartamento de cobertura em botafogo, no rio. nesse apartamento havia várias cabanas, pois tinha mais gente morando do que quartos disponíveis. eu, o único carioca no meio dos baianos, passava alguns dias no apartamento e outros em casa, pois ainda era estudante. foi numa noite muito especial que joão gilberto apareceu nesse apartamento. ele já conhecia galvão (os dois são de juazeiro). depois de um papo dos dois ao telefone, sabendo do apartamento dos novos baianos, o mestre joão prometeu uma visita. um dia, apareceu lá. ficamos durante toda a noite na sala, numa roda, ouvindo privilegiadamente sua voz e seu violão, como se deve ouvir joão: acústico, sem amplificação, cantando e tocando clássicos da canção brasileira. foi inesquecível!

a partir dessa noite, a concepção estética dos novos baianos mudou: chegou uma brasilidade instrumental, com violões, bandolim, guitarra, baixo, violão de sete cordas, bateria e instrumentos de percussão. a mistura das influências musicais resultou no disco “acabou chorare” [1972].

voltando à cor do som, estávamos gravando em são paulo e fomos convidados, pepeu, jorginho, baixinho e eu, a fazer uma apresentação sem os novos baianos num festival que estava rolando por lá. isso porque nós tínhamos umas 20 músicas instrumentais superensaiadas, com uma linguagem rock, que eram bem legais (entre elas, “um bilhete pra didi”). essa apresentação foi o maior sucesso, e nós fomos convidados para várias outras pelo empresário do evento. galvão, na época, não gostou da idéia de a cor do som se apresentar sem os novos baianos, e, a partir disso, disse que não havia mais a cor do som e novos baianos. todos eram novos baianos. e aí, depois do disco “novos baianos f.c.” [1973], o nome a cor do som foi descartado.

tempos depois, moraes partiu para a carreira solo e convidou armandinho e eu para a gravação do primeiro disco. a partir dessa gravação, passamos a acompanhar moraes, juntamente com gustavo schroeter, ary dias e [seu irmão] mú carvalho. nessa época, eu já estava tocando com meu mestre jorge ben, e nós cinco decidimos formar uma banda, e pedimos licença a galvão e pepeu para usarmos o nome a cor do som.

acho que a postura e o jeito da pegada musical misturado com as músicas que você escuta ficam girando na sua cabeça e te levam a um som. deve acontecer com todos, pois a gente acaba querendo ser parecido com aqueles que admira. vou dar o exemplo do jorge ben, que disse que tentava imitar joão gilberto, mas acabou criando aquele suingue maravilhoso que a gente conhece.

pas – puxa, não ficou nenhum registro sonoro ou visual desse show do “dilúvio”, com músicos de fralda e/ou vestidos de anjo? sua descrição me fez pensar imediatamente na censura da ditadura – ela causou muitos problemas a vocês nessa época?

d – deve haver algumas fotos, mas, que eu saiba, nenhum registro sonoro, a não ser uma gravação de um programa do chacrinha, sem ser playback, tocado mesmo, com baby cantando (não me lembro qual foi a música). o que eu me lembro foi que a gente (a cor do som, pepeu, dadi, jorginho e baixinho), mais moraes e baby saímos à tarde do teatro casa grande, no leblon, já com as roupas que usávamos no show, aquelas de santos e anjos que falei. pegamos dois táxis para a tv globo, no jardim botânico, para a gravação do programa do chacrinha. não sei se a globo ainda tem essa gravação, deve ter.

estou falando do início dos anos 70, além da censura da ditadura havia também o movimento hippie, que rolava geral, em quase todas as partes do mundo, e era aquela loucura, a continuidade dos beatniks, a vontade de mudar o mundo, as drogas, os cabelos grandes etc. o maior problema da gente era com a polícia, que sempre parava para dar uma geral.

acho que as letras do galvão não chamavam a atenção da censura, mas o visual dos novos baianos chamava a atenção da polícia… me lembro de a gente estar fazendo um show no teatro tereza raquel, em copacabana, e a polícia federal aparecer lá porque tinham recebido uma denúncia de alguém que tinha sido preso com fumo e disse que havia comprado no sítio dos novos baianos. durante o show, paulinho boca de cantor conseguiu convencer os policiais de que ia na segunda-feira à polícia federal para esclarecer, e eles foram embora. era sempre aquela paranóia com “os homens”…

pas – como você, pessoalmente, reagia às “paranóias” daquela época, fossem as causadas pela perseguição policial, fossem as decorrentes do clima político mais que pesado, com guerrilhas, torturas, combates entre a ditadura e os ditos subversivos? como você atravessou aquele período, no auge da sua juventude?

d – eu realmente tinha muita paranóia, pois sabia que havia policiais à paisana por todo lado. mas a música falava mais alto. nos anos 60, com 12 anos, me lembro de um primo meu ter que esconder livros e outras coisas na casa da nossa avó, pois ele fazia parte da une e participava de movimentos estudantis da época, tendo sido preso e torturado. aquilo marcou toda a família, pois vimos até uma foto dele com a cara toda inchada de tanto apanhar. hoje em dia ele é um médico respeitado no rio.

mas, voltando à minha paranóia, eu era mais ligado ao movimento hippie, tipo “paz e amor”… a gente tinha os cabelos compridos e sempre era parado para ser revistado pela polícia. era muito chato, a gente se sentia meio como se fosse bandido, tinha que estar alerta o tempo todo. galvão tinha uma simpatia que funcionava, sempre que a polícia aparecia a gente olhava para a própria língua, e ficava tudo certo. imagina aquele bando de malucos olhando para as próprias línguas…

pas – voltando à música, agora: dos novos baianos, você passou direto para a banda do jorge ben? como foi essa transição? e na banda do ben você entrou na época de “áfrica brasil” (1976), quando ele estava trocando o violão pela guitarra, estou certo? (como se chamava mesmo a banda?, admiral jorge v, não era algo assim?)

d – sim, no início de 1975 moraes havia saído dos novos baianos e eu havia participado da gravação do disco “vamos pro mundo” [1974], e eu sentia que a magia havia acabado. já não sentia aquele prazer do início. as coisas já eram difíceis e ficaram ainda mais com a saída do moraes. foi quando também acabei saindo da banda. meu grande mestre jorge ben era amigo da minha família, pois o seu produtor, paulinho tapajós, era namorado da minha irmã. jorge me via tocando com os novos baianos, quando fizemos uma temporada aqui no rio, e quando saí da banda falou para meu pai: “eu vou salvar o dadi”. e me salvou mesmo.

no primeiro show que fiz com jorge, em florianópolis, quando cheguei ao quarto do hotel e conheci o baterista, que ia dividir o quarto comigo, me deu uma certa deprê. ele era mais velho que eu e começou a arrumar suas roupas no armário, uns conjuntinhos de tergal, e pensei: “o que eu fiz?, saí de uma banda em que me divertia pra caramba e estou aqui agora com uma pessoa totalmente diferente de mim”.

mas logo tudo mudou, pois no segundo show jorge quis fazer uma nova banda e falou que eu chamasse um baterista. eu conhecia o gustavo schroeter, que tocava numa banda chamada a bolha, que tinha mais a ver comigo. a banda formada, a que jorge deu o nome de admiral george v, tinha joãozinho na percussão (grande percussionista), joão bun no piano, eu e gustavo.

aquela deprê inicial desapareceu logo, pois tocar com jorge foi muito especial para mim. em junho do mesmo ano fomos para paris, minha primeira viagem internacional, para uma temporada de 15 dias no olympia, e em seguida gravar um lp em londres com produção de chris blackwell [fundador da mitológica gravadora island; o disco de ben gravado ali é “tropical”, lançado no brasil em 1977], que tinha acabado de lançar bob marley. eu não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo, eu tocando com jorge em londres no mesmo lugar em que jimi hendrix havia tocado alguns anos atrás.

depois gravei o lp “solta o pavão” [1975] com jorge. eu havia comprado uma guitarra em londres, e, quando jorge tocou nela, gostou, pois o violão no palco era difícil de se ouvir. ele tinha um baixo fender precision e perguntou se eu queria trocar a guitarra pelo baixo. topei.

para mim foi uma grande honra ter sido o baixista do lp “áfrica brasil”, pois é um disco muito especial de jorge. tocar com ele foi muito especial, sou fã desde pequeno da música do jorge, de sua intuição musical, seu feeling. também gravei o disco “a banda do zé pretinho” [1978] e viajei o mundo inteiro com jorge, e vi de perto como ele é conhecido e querido em todo o mundo.

p.s.: pedro, queria que você visitasse o meu site, www.dadi.com.br [visitei!, e também o d’a cor do som, e transfiro aos leitores do blog o convite!].

pas – ei, você estava por perto, então, no lendário episódio entre jorge ben e chris blackwell, em que jorge não teria querido tocar sem cachê num show que teria na platéia mick jagger e eric clapton, e isso meio que azedou a possibilidade de blackwell transformar ben num “novo bob marley”? e, seguindo em frente, por essa época já estava começando também a história d’a cor do som na filial brasileira da warner, não?

d – foi logo depois de uma grande temporada em paris, de 15 dias, que a gente seguiu para londres para gravar com chris blacwell, pela island records. chris realmente era louco pelo jorge. a gente ficou 20 dias em londres para a gravação no estúdio em portobello. tudo ia na maior maravilha, mas não avisaram a jorge sobre a idéia de chris de fazer um show dentro do estúdio maior, que era para gravação de orquestras, bem grande.

o que chris blackwell queria era apresentar jorge para os músicos ingleses. os stones não estavam lá, pois estavam em tour pelos eua. havia vários músicos presentes, como o pessoal do traffic, do bad company etc., a galera da época. jorge só foi avisado um dia antes e não gostou. estava cansado, depois da maratona de shows e gravações, com a voz rouca. mesmo assim aconteceu a festa, me lembro de chris blackwell cortando frutas à tarde para fazer o “ponche”. a gente estava gravando nesse dia. à noite, quando entramos para tocar, jorge, que não tinha gostado da idéia, só tocou duas músicas e foi embora para o hotel. depois disso começou a rolar uma jam session, até as cinco da manhã. eu e gustavo ficamos lá. essa história foi em 1975, no primeiro ano que toquei com jorge.

em 1977, enquanto gravava o primeiro disco solo de moraes moreira, junto com armandinho e gustavo, tivemos a oportunidade de gravar pela polygram uma música, para ver se eles queriam fazer um disco com a gente. a música gravada era instrumental , “brejeiro”, de ernesto nazareth. gravamos com mú no piano, armandinho no bandolim, gustavo na bateria, ary dias na percussão e eu no baixo. joãozinho e neném da cuíca, percussionistas do jorge, gravaram com a gente. o pessoal da polygram gostou, mas como era instrumental acharam que não ia vender, e não quiseram.

nessa época andré midani estava trazendo a warner para o brasil e, como ele já me conhecia desde os novos baianos (foi andré que realizou outro sonho meu, me chamando para ser o baixista numa gravação com mick jagger no rio, em 1975), contratou a gente logo. foi quando surgiu a cor do som.

pas – qual e como foi essa gravação com mick jagger? o “brejeiro” foi parar na trilha sonora da novela “nina”, não foi isso? logo depois aconteceu a estréia d’a cor em lp?

d – em janeiro de 1975, eu acabava de sair dos novos baianos e começava a tocar com jorge ben. mick jagger estava de férias no rio, hospedado no joá, na barra, na casa de florinda bolkan, e ficou a fim de gravar alguma coisa com músicos brasileiros, meio samba. andré midani, que gostava muito dos novos baianos, me convidou para ser o baixista naquela tarde de sábado no rio. desde pequeno eu sonhava ser um beatle ou um rolling stone, não acreditei que aquilo estava acontecendo.

foi muito bacana, mick supersimples, tocando guitarra e cantando. a música se chamava “scarlet”, e ficamos a tarde toda gravando. ele me pedia para fazer umas frases no baixo, eu fazia e ele gostava, foi bem legal. depois até me ajudou a carregar o amplificador para meu carro. quando acabou a gravação, ele pegou o tape e levou com ele.

nessa mesma época, além de tocar com jorge, eu tocava com moraes moreira, que não fazia muito show, e começava com a cor do som. a nossa gravação da música “brejeiro” entrou na novela “nina” e começou a abrir uma porta para a cor do som. mas só no final de 1976 a cor do som acabou de gravar o primeiro lp [“a cor do som”], todo instrumental, que saiu em 1977 pela wea [o conglomerado warner-elektra-atlantic].

pas – ei, confesso que não sou nenhum especialista em stones: essa gravação de “scarlet” saiu em algum disco deles? e, voltando à cor do som, alguns dos maiores sucessos do grupo foram composições feitas especialmente por gilberto gil (“abri a porta”) e caetano veloso (“menino deus”), não é? como funcionava isso?

d – na verdade mick jagger tem na casa dele várias gravações que fez mundo afora, em suas férias. entre elas está a feita no brasil, mas não saiu em nenhum disco.

a cor do som começou como um grupo instrumental, de música brasileira, como chorinho e frevos, tocada com uma formação rock, com bateria, baixo, guitarra, teclados e percussão. nossos dois primeiros lps eram instrumentais. o segundo foi gravado ao vivo no festival de montreux [“ao vivo – montreux international jazz festival”], em 1978, quando ainda era somente um festival de jazz. a partir do terceiro disco [“frutificar”], em 1979, andré midani sugeriu que a gente colocasse algumas músicas cantadas, pois a gente vendia muito pouco, e estava difícil manter o grupo na gravadora.

vinícius cantuária, amigo em comum meu, de caetano e de gil, quando comentei da idéia de colocarmos algumas faixas cantadas no disco da cor, me disse para pedir músicas a eles. falei que ficava sem graça, e então vinícius falou com caetano, que nos presenteou com “beleza pura”. armandinho, superbaiano, se identificou e quis cantar.

vinícius também falou com gil, que tinha feito “abri a porta” com dominguinhos, e eu cantei em disco pela primeira vez. mú fez uma musica na qual moraes colocou letra: “semente do amor”. o disco se chamava “frutificar”.

as músicas realmente estouraram nas rádios, e a gente saiu de uma venda de 2 mil discos para 70 mil, o que na época era fantástico. foi quando viramos “pop stars” na gravadora, cheios de moral. começamos a rodar o brasil, com a agenda lotada de shows. foi bacana.

pas – puxa, mas nestes tempos de internet não circulam por aí umas versões pirata de “scarlet”? disso eu não sabia, mas então “beleza pura” foi feita pensando n’a cor do som mesmo? e, assunto correlato, você é “o leãozinho” da música do caetano?

d – boa pergunta… nunca procurei a música pela internet. mas acho difícil, porque o tape da gravação foi levado pelo própio mick, e acho que ninguém tem acesso.

quanto a “beleza pura”, na verdade, quando eu e vinícius cantuária fomos à casa de caetano para pedir uma música para a cor gravar, ele nos disse que tinha acabado de compor uma música e nos mostrou “beleza pura”, e perguntou se servia para gente. eu disse: “lógico”… [caetano também a gravou, em “cinema transcendental”, do mesmo 1979.]

eu me lembro de assistir ao caetano cantando “alegria, alegria” no festival da canção [de 1967] e de ter me chamado muita atenção, pois na época eu estava muito ligado ao rock que rolava e vi aquela postura tropicalista que tinha tudo a ver com o que acontecia no mundo e comigo, eu devia ter uns 14 anos. quando entrei para os novos baianos, já com 19, caetano estava no exílio em londres. o pessoal dos novos baianos falava muito dele. já o conheciam, e eu, como fã, queria muito conhecê-lo. quando caetano voltou do exílio, foi assistir ao show dos novos baianos no teatro tereza raquel, que, por sinal, era incrível, já com aquele som do “acabou chorare”. ficou maravilhado.

a partir disso ficamos amigos, e, como somos do mesmo signo (leão), quando ele gravou o disco “bicho” [1977], me disse que havia feito a música “o leãozinho” para mim. é uma honra, vindo de um grande poeta, músico e pensador como caetano.

pas – fala um pouco sobre o que você pensa e sente ao ouvir a letra de “o leãozinho”?

d – bom, eu sou meio desligado e quando ouço demoro a me tocar que caetano dedicou para mim. mas me sinto muito honrado. no show “circuladô” [1991], em que toquei com caetano, a gente fazia a música, só eu no baixo e ele cantando. eu ficava nervoso, pois era muita responsa, caetano é um grande cantor. mas acho que ficou legal, eu fazia também um solo de baixo, que foi outra grande homenagem do meu mestre caetano para mim. está gravado no cd “circuladô ao vivo” [1992].

pas – indo adiante, então: você pode falar um pouco sobre seus trabalhos musicais extra-a cor do som durante os anos 80 e 90? queria citar, em especial, a passagem do grupo tigres de bengala, que ficou meio obscura, mas era uma big-band-pop das mais surpreendentes, não?

d – no final dos anos 80, assim que a gente sentiu que a cor já estava meio sem força, resolvemos dar um tempo, pois a saída de armandinho, que era uma peça principal, enfraqueceu nossa música. tentamos um pouco mais, fizemos algumas coisas legais, outras não, até que vimos que era melhor parar.

no começo dos anos 90, meu grande amigo e grande musico dé palmeira (que participa como baixista na música “2 perdidos”, no meu cd) havia saído do barão vermelho. frejat, outro grande músico e amigo, me chamou. gravei com o barão o disco “na calada da noite” [1990], de que gosto muito. fiquei durante dois anos na tour do disco. foi bem legal, me diverti muito com o barão, fizemos shows bem legais.

foi quando caetano me chamou para a tour de “circuladô”. fiquei dividido, mas sempre tive vontade de tocar num show do caetano. conversei com guto goffi e frejat, foi delicado, mas eles entederam.

em 1992 comecei a tour do caetano, no brasil, eua e europa. gravamos um cd ao vivo e um vídeo. tenho muito orgulho de ter participado do show, vídeo e disco “circuladô ao vivo”.

o projeto tigres de bengala aconteceu durante meu trabalho com caetano. vinícius cantuária teve a idéia, junto com ritchie [que, por sinal, faz vocais em algumas faixas de “dadi”], de fazer uma banda para gravar, sem o compromisso de virar uma banda. começamos a nos encontrar e a ensaiar, ritchie e vinícius tinham feito várias músicas. chamamos mú e claudio zoli, e também o billy forghieri, da blitz. gravamos na polygram. o disco [“tigres de bengala”, 1993] tem canções bem bonitas, mas foi um grande fracasso. mas foi engraçado, divertido, e até hoje não entendo por que não rolou, apesar de um grande investimento da gravadora, no tempo em que as gravadoras ainda tinham grana para investir.

pas – se a cor do som já voltou, será que os tigres de bengala voltam qualquer dia desses? e, chegando à reta final da nossa entrevista, que resumo você faria do dadi para os anos 2000, 2010, 2020…?

d – sempre é bom tocar com amigos. a gente volta a sentir as músicas do mesmo jeito que a gente sentiu, e ainda mais, como no caso da cor, quando alguns fãs de sempre estão juntos, como foi no canecão, quando gravamos o dvd [“acústico”, 2005]. foi bem legal tocar e sentir a reação da platéia às músicas naquela noite.

no caso dos tigres de bengala, como foi um projeto que durou muito pouco, não acho que possa rolar. mas fazer musica é divertido, e nada é impossível.

quanto a mim, pretendo gravar mais minhas músicas. já tenho um cd gravado ao vivo em tóquio, onde fiz meu primeiro show solo, que estou mixando para lançar lá e tentar lançar aqui também. vou começar em setembro a fazer shows para lançar o cd, estou muito animado para isso. no mais é como sempre as coisas rolaram para mim, o vento vai soprando e me levando…

pas – certo… por último então: se você pensa na música brasileira dos últimos 40 anos, onde é que você coloca o dadi?

d – beleza, pedro, em primeiro lugar valeu o papo, gostei. bom, acho que tive sorte de estar em momentos bem legais da música brasileira. a música me levou também a realizar sonhos que tinha desde criança. me levou mundo afora, a conhecer músicos que sempre admirei, inclusive tocar com eles. acho que sou aquele, na história dos três porquinhos, que, se o lobo soprar, a casa voa… mas faria tudo de novo, do mesmo jeito… valeu.

[p.s. “bônus track” com uma pergunta essencial que eu havia esquecido de fazer e que dadi ainda não havia respondido quando o tópico foi ao ar: pas – queria saber sobre sua participação no projeto “tribalistas”, e saber sua opinião pessoal sobre aquele disco.

d – sou vizinho de marisa há mais de dez anos. a gente sempre se encontra para ficar tocando. a parceria dela com carlinhos brown e arnaldo é muito fértil, e, mais de um ano antes do projeto “tribalistas” ser gravado, nós (marisa, eu e cézar mendes, que toca violão) vínhamos tocando aquelas musicas, e outras mais. quando os três resolveram, sem compromisso, fazer o cd com algumas das músicas, marisa achou que devia ser como a gente tocava na casa dela, aquela sonoridade.

o cd foi gravado na casa de marisa, e foi muito gostoso de fazer. a gente gravava uma música por dia. começava com os três violões (marisa, eu e cezinha), brown fazia uma levada com as percussões e arnaldo, a voz-guia. depois a gente ia “colorindo” a música. no final do dia cada um gravava sua voz. para mim foi bem legal, porque tive a oportunidade, como no meu cd, de tocar, além de baixo e violão, vários instrumentos, como piano, hammond, guitarras, acordeon etc.

tem gente que acha a sonoridade do meu cd parecida com a dos tribalistas [é fato!, eu também acho!], talvez porque no meu cd eu também toco vários instrumentos e tenho várias parcerias com arnaldo. mas só quero acrescentar que meu cd foi gravado antes do dos tribalistas, mas só consegui lançar agora (está acrescentado!, aliás, já estava!).

bom, sou suspeito para falar, mas gosto muito do cd “tribalistas”. acho que tem músicas e poesias maravilhosas. foi feito sem nenhuma pretensão (e eu estou de prova disso) de ser o tremendo sucesso que foi, inclusive fora do brasil. foi gravado num clima de muita curtição, e acho que isso ajudou muito.]

[o tópico …amargo… não tem (quase) nada a ver com este. mas bem poderiam ser lidos como gêmeos bivitelinos…]

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Editor de FAROFAFÁ, jornalista e crítico musical desde 1995, autor de "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba" (Boitempo, 2000) e "Como Dois e Dois São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa)" (Boitempo, 2004)

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