O PROFESSOR ALOPRADO – PARTE TRÊS

21
809

Na lista de “erros crassos” que Caetano levantou a respeito do meu texto (desesperado esforço de me desqualificar como analista do seu trabalho), alguns itens dispensariam comentários.
É o caso de ele ter assinalado que a palavra necrópsia, como eu grafei, estaria errada: não seria acentuada. Equivoca-se de novo: é uma palavra com dupla prosódia (como biópsia ou biopsia; autópsia e autopsia; boemia ou boêmia; catéter ou cateter). O Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras poderia ajudá-lo em suas tarefas.
Entretanto, nesse ponto da “necrópsia”, ele entendeu aquela que talvez fosse a ironia mais cruel do meu texto (não sou cruel por natureza, mas confesso que me excedi aqui): a bossa nova doente que eu descrevo está desenganada, é na verdade moribunda, e a escalação de dois totens da MPB (que não são os mesmos Roberto e Caetano do show, mas seus mitos) destina-se a dissecar o seu cadáver. Estão a postos ali no palco, esperando que ela desencarne.

O cantor aferra-se a picuinhas para tentar readquirir seu orgulho ferido. Como aqui, citando-me:
Roberto e Caetano fizeram de tudo para Tom Jobim: bajularam-no, superlativaram-no, choraram-no. “Como o autor justificaria o uso da preposição ‘para’ com os verbos (seguidos de pronomes átonos) que vêm depois dos dois pontos?”, indaga o mestre.
Ora, professor, é fácil: é só usar um pouco de perspicácia (algo que qualquer leitor mediano consegue) para saber que há um verbo oculto ali, um verbo subentendido. Algo que se deduz facilmente pelo contexto. Eu poderia sugerir a Caetano alguns verbos para seu uso pessoal ali: “ordenhar”, “puxar o saco”. Mas é melhor não fazê-lo.

Mais adiante, Caetano pergunta: “Afinal o tom criticado era de solenidade ou de paródia? E ‘gesto imitador’ vem para ilustrar uma ou outra? O período resulta incompreensível”.
Não vejo por que me estender muito aqui: a paródia a que assistimos naquela noite tornava-se ainda mais patética à medida que os dois medalhões mostravam-se mais solenes e compungidos. Tínhamos, então, uma paródia solene, algo aberrativo enquanto expressão, mas assustadoramente real.
A imersão apressada e desconexa na obra de Jobim só podia dar nisso. Creio que Chico Buarque teria demonstrado mais sensibilidade e presença de espírito ao tratar de Jobim, cuja obra ele conhece mais profundamente do que Caetano e Roberto.

No mais, Caetano não gostou de naftalínico, eu também não gosto de djavanear. Neologismos nem sempre agradam a todos.

Tem muita baboseira em seu arrazoado, trata-se de procurar o famoso pêlo em ovo. Há dois problemas reais (por conta do ritmo industrial de um jornal, às vezes temos pouco mais de duas horas para redigir; Caetano teve uma semana para cozinhar seu ressentimento).

EM TEMPO – Mais uma coisa: o jornalismo americano, que mr. Veloso idealiza tanto (sempre se deu muito bem com os jornalistas do New York Times), aquele jornalismo que não cometeria o erro de publicar um texto como o meu, em sua opinião, é o mesmo que acobertou durante anos o trabalho sujo de Jayson Blair e Janet Cooke. Entre outros.

CONTINUA…

PUBLICIDADE

21 COMENTÁRIOS

  1. Caro Jotabê
    Quero informar que tens mais do que sete leitores. Pessoas que admiram, e muito, teu trabalho e tb apóiam a total liberdade de expressão em qualquer âmbito de nossa imprensa. Mas prepare-se, pois creio que este episódio vai entrar para os anais da crítica músical do país.

  2. JB, na boa, vale a pena perder perder tanto tempo? Essa me parece o tipo de disputa na qual Caetano perdeu já quando entrou por odos os argumentos utilizados e pela forma como fez,
    Tenho certeza que você tem coisas mais importantes pra fazer… 🙂

  3. Querido Jotabê,
    que divertidíssima q está esta briga de vocês dois! Me deu até saudade dos tempos de redação, das risadas q eu dava com vc., Enor e Graieb. Tem gente q. diz “ah, não perca seu tempo respondendo”, mas a grande maioria devora cada capítulo do drama. Parabéns. bjo, Alexandra Forbes

  4. Olá, Jotabê. Tomei conhecimento do seu blog, através de nota do colega Merten. Queria só dizer que você faz muito bem em insistir no assunto.

    Chega desse absurdo de “intocáveis” em qualquer setor da sociedade. Ainda mais que o motivo de toda a grita da “Vedete de Santo Amaro” (que é como Caetano é conhecido aqui na Bahia) é apenas uma crítica e não uma acusação de assassinato.

    Vaidade, prepotência, arrogância merecem ser devidamente expostas para que as pessoas não fiquem a valorar o “artista” em todas as situações, mesmo fora dos palcos e da expressão de sua arte, especialmente quando se arvora a cometer atitudes despóticas no campo das idéias, agredindo profissionais sérios.

    Como jornalistas (também trabalho na crítica, só que de cinema) temos de repudiar com ênfase esse tipo de postura. Parabéns.

  5. Para o sr. ou sra. Gill, aí embaixo: o trema foi abolido pelo novo acordo ortográfico entre os países de língua portuguesa. Mas o sr. ou a sra. pode passar o próximo qüinqüênio lamentando sua ausência, abraçado (a) a algum beletrista baiano de última hora, se achar necessário.
    Para Alê Forbes, beijos mil! Saudades daquelas tardes!

  6. eu me aborreci com ele quando ele negou que a música era para a luana piovani e depois disse que falou aquilo pq ela disse que era pra ela, sem ele dizer. eu aprendi que quando damos um presenta a alguém, esse alguém pode fazer com o presente o que bem quiser. eu não gostei na época da postura dele. agora ele tem uma postura parecida com a que condenou a moça. uma pena. beijos, pedrita

  7. Jota, você tá careca, mas é O Cara. Sua crítica estava ótima. Corretíssima. O Zabelê sugere, agora, um acordo com o Caetano. Tipo um programa de debate ou uma mesa redonda de futebol.
    Abração.
    Kiko Nogueira

  8. Jotabê, tudo bem? Fomos colegas de Estadão durante oito anos (eu aqui em BH).

    Li os comentários do Caê e fiz minha “queixa” (nada a ver com a música dele), mas não foi publicada no obraemretrocesso.

    Ei-la:

    Beat disse: (Aguardando moderação.)
    Setembro 4th, 2008 at 9:12 pm
    Amiguinhos, sorry, mas discordo de quase tudo.

    O que aconteceu foi que o Caê ficou bravo à beça e/ou à bessa com a crítica – coisa que não é bossa nova, mas é muito natural – e reagiu meio descontroladamente, dizendo que o Jotabê era semi-analfabeto ou algo assim. Um descalabro e uma puta sacanagem com um dos melhores críticos de música deste país grande e a cada dia mais estúpido.

    Aí, ao ler isso no blog do nosso oceânico poeta da MPB – e péssimo cineasta, jornalista e literato -, alguém, provavelmente a Paulinha, disse: Ô, Caê, mas onde estão os erros?

    E lá foi o nosso ícone quase intocável da intelligentzia nacionár colocar os pingos nos ii. Ou tentar fazer isso.

    A despeito da gritante desonestidade intelectual usada na tarefa, nossa versão anti-matéria do Gil que consegue articular pensamentos um pouco mais inteligíveis pensa ter provado que não falou besteira.

    Pfiu.

    Vejamos:

    1) As vírgulas que separam “ao vivo” na frase citada fazem da expressão um aposto explicativo. A intenção foi, nitidamente, enfatizar a contraposição entre o que rolava na tela e o que ocorria no palco. Portanto, vírgula aceita. Jotabê 1 x 0 Caetano.

    2) Imagem vítrea: poxa, um poetaço da MPB, que se dá liberdades como a de rimar disse com azeviche, não deixa passar uma imagem vítrea? C’mon, Caê…

    3 )A indicação de erro na preposição “para” em “…fizeram tudo para Tom Jobim..”, em vez de “por” não é digna de comentário.

    4) Redundâncias são tão bem-vindas para expressar críticas quanto o são para reforçar elogios. E o “grandeza das versões” foi, com certeza, uma ironia, Caê! Você bem sabe.

    5) A crítica ao uso de solenidade e paródia, supostamente como elementos contrapostos, não comento também. É muita canalhice dizer que não compreendeu.

    6) As acusações de imprecisão no caso de “aboleraram” e “barroquismo” não me dizem respeito. Não entendo de música tanto quanto Caetano E O JOTABÊ.

    7) Dizer que “naftalínico” é um “horrendo neologismo” é coisa de acadêmico chato, careta, quadrado. Pensei que Caetano fosse artista.

    8) “Imutável” é, claro, algo que não muda. Mas que não se isenta de terminar. Já “ad infinitum”… Folks, claro que Caê entendeu.

    9) A queixa quanto ao comentário irônico sobre o chapéu do tal Daniel foi justa. O jornalista pensa o que quiser, uai.

    10) “Lustro tedioso” me parece tão boa imagem literária quanto, hm, digamos, “irremediável neón”.

    11) Faço uma concessão ao “discorrida”. Mas a referência ao Duque de Caxias foi uma sacanagem engraçada do jornalista. Tá na cara!

    12) “Um dos momentos é quando…”, também salta aos olhos, é uma chacota do jornalista. Claro que o que ele quis dizer foi “…Um dos momentos grandiosos do show é quando…”, só que com ironia.

    13) Quanto ao affair Roberto e Dolores, não meto a colher. Mas acho que o jornalista, na condição de crítico, disse o que pensava, simplesmente.

    14) Como um poeta do calibre do Caê – bom, é o que dizem por aí, né? – não compreende a óbvia profundidade (puxa, desculpem, mas eu também sou dado a imagens literárias) de “sugeriam alguma esquizofrenia aos ouvidos”?

    15) Ah, cansei.

  9. Êita, porra!, vá ter especialista em portuguêis lá para as bandas dos infernos. Essa cultura toda me esmaga a ignorância, que tento esconder com tanto brio. Mas o crítico vai e bate com gosto em luso-franco-britânico. Vá lá que teve alguma graça na supercrítica de Caetano, não só por algumas sacadas ao desconstituir o texto que tanto o afligiu, como ver os escorregões da vaca sagrada em um terrno que não é o seu. Aí, quando menos se espera, recebe um prosódia na caixa dos peitos (como tanto diz um amigo meu), tenta se recuperar, mas logo tropeça no replay da polêmica das virgulas ao vivo. Não quero nem falar de aposto nem fazer minha defesa veemente do trema.
    Me deixe, viu!

  10. Olá, Jotabê!

    Sou uma das estudantes de jornalismo da Cásper Líbero que te entrevistou para a revista Esquinas sobre discos nacionais e internacionais de 1968, lembra? Tentei te enviar e-mails, mas todos voltaram.

    Dessa vez venho pedir outra entrevista, para uma matéria de rádio sobre o TIM Festival. Seria possível você nos conceder uma entrevista mais uma vez? Serão menos perguntas do que a última vez e agora nada de Caetano! rs. A intenção seria conversar um pouco sobre suas expectativas para o festival e saber um pouco mais sobre as bandas que virão. O problema é que o prazo para esta matéria é dia 22, e precisaremos editá-la antes de entregar. Portanto, será que seria possível nos conceder a entrevista na próxima semana? Pode ser por telefone, como da última vez.

    Muito obrigada pela atenção (mais uma vez),

    Andrezza Alves

  11. Obrigada, Jotabê!

    Ainda tenho seu telefone sim.
    Como é uma reportagem de rádio, vou precisar reservar um horário no estúdio para gravarmos a entrevista, tudo bem?
    Poderia te ligar na quinta? Que horário marcamos?

    Bjs.
    Andrezza

  12. “é o mesmo que acobertou durante anos o trabalho sujo de Jayson Blair”

    Não é verdade. O New York Times demitiu Jayson Blair e tornou público o fato de que ele plagiava e inventava reportagens assim que constatou isto.

  13. O leitor João Pequeno acha que a demissão tardia de Jayson Blair, que forjou informações em quase metade das reportagens que escreveu durante quatro anos no NYT, isenta totalmente aquele jornal de responsabilidade. Como se se tratasse de um tipo de anistia cristã. As vítimas desse caso (e do caso Janet Cooke) não devem pensar da mesma forma.

  14. Mas que papelão, esse do Caetano! Ele não rebateu a crítica, só ficou falando mal dos jornalistas que as fizeram, e dizendo que para ele o show foi maravilhoso (comentário bem subjetivo, aliás) e como se não bastasse ficou apontando errinhos de português, que sengundo ele tornam o texto obscuro e certos trexos ininteligíveis. Não acho, entendi tudo muito bem. E pra mim isso é tática de quem não tem o que fizer, fim.

    Ah, e fique sabendo que você tem mesmo mais do que sete leitores, Jotabê.

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome