25 ANOS ESTA NOITE

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Trabalhando em jornais por duas décadas e meia a fio, alguma coisa eu tinha de aprender, não?
Aprendi a aproveitar ao máximo as vantagens da profissão, que na verdade é uma vantagem só: a possibilidade de encontrar gente sábia, artistas de verdade, figuras com uma postura nobre frente à vida (e, consequentemente, à arte), e visionários de toda ordem.
(Claro, não vou dar uma de mal agradecido: o salário em dia também me ajudou a criar os filhos, e a liquidar os empréstimos consignados).

Eu poderia começar a lista de boas lembranças com Samico, nobre gravador de Olinda, com quem tomei um café e de quem ouvi histórias no meio da rua que dá para o pátio do Mosteiro de São Bento.

Prosseguir com Mestre Bigode do Maneiro Pau, figuraça que conheci em Limoeiro do Norte, com quem dividi uma Brahma.

E com Joe Strummer, do Clash. Muito breve o encontro, mas duca – bastidores de um festival em Londres.

E Will Eisner, o mais humilde de todos os gênios da ilustração. Com quem peguei carona do Aeroporto de Cumbica até o Cambuci.
E a inteligência aguda de Ernesto Sábato, que pegou carona comigo de Cumbica até os Jardins.

E o maior poeta que já conheci na vida, Roberto Piva – se fué, mas foi uma honra. Almoçamos juntos, dividimos um vinho chileno e Piva deixou até um poema dedicado a mim e ao Pinduca, suprema glória!

O desenhista italiano Ivo Milazzo, que é das melhores figuras que já conheci, um senso de humor à prova de percalços.

E Radioman, um sem teto de Nova York que anda de bicicleta pela cidade com um rádio no pescoço, e já foi figurante em mais de 30 filmes de Hollywood.

Ter entrevistado o escritor mineiro Wander Piroli, o Bukowski de Belo Horizonte, e almoçado com sua família.

Ter acompanhado o Sr. Spock, o ator Leonard Nimoy, em sua única passagem pelo Brasil, em 2003. Minha infância foi volcano, minha adolescência foi klingon.

Houve encontros doidos. Em 2006, descobri em Minas o último casal de cangaceiros, José Antonio Souto, ou Moreno, que integrou o bando de Virgílio (cunhado de Lampião) e matou 21 pessoas, em suas contas; e sua mulher, a Durvinha, que foi do bando de Lampião (e aparece no único filme que mostra o bando, do libanês Benjamim Abrahão). Ganhei até um prêmio pela reportagem.

Centenas de bons encontros: Sonny Rollins, Zabé da Loca, Amadou & Mariam, uma festa na casa do trompetista Terence Blanchard, outra festa ao som da banda do baterista Zigaboo no teto do Ritz-Carlton Hotel, um show inesquecível dos Libertines no Irving Plaza, a entrevista coletiva de Miriam Makeba, as cachaças com Manu Chao.

A primeira fã de Roberto Carlos, sozinha com suas relíquias no pé de uma montanha no Espírito Santo. A conversa por telefone com Patti Smith, the best ever.

Claro, também conheci grandes artistas de cabeça gorda e maus hábitos alimentares. Pastéis de vento de vaidade e arrogância.
Mas deles só me recordo a facilidade em construir lobbies de aceitação coletiva. Não quero mencioná-los hoje.

Nesses 25 anos, aprendi a me fingir de morto para enganar os canalhas de sorriso fácil – uma técnica que Romário dominava como poucos na área. Não estive na patota de fulano, nem aderi à curriola de sicrano.

Aprendi também que o ego da profissão é um monstro de gosma de filme B, que sai pela pia do lavabo e vai engolindo tudo pela frente. Chega uma hora que é o ego que conta, a profissão é só uma verruga na consciência. Não escapei do monstro de gosma, senão não estaria aqui me exibindo. Meu álibi é que já tem 25 anos essa história, algum desconto eu tenho, não?

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10 COMENTÁRIOS

  1. Aproveita e republica outras, Jotabê. Acho que seria legal para nós, que costumamos passar por aqui para ver o que tu andas ou não andas escrevendo. E parabéns, caro colega. O jornalismo cultural brasileiro fica mais rico com os teus pitacos. Abraço. Roberto Ribeiro

  2. Jotabe, gosto dos seus textos. Bacana as suas reflexões. Parabéns pelo bom e longo trabalho. Sou de Guaíra, conheci alguns amigos em comum e já passei por aqui antes,rs.
    Abraço!

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