GUIZADO

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Como se Coltrane chapado e Don Cherry virado entrassem por engano no Clash Club e invadissem um show de uns garotos eletrônicos locais barbudinhos.
Era o trompetista Guizado lançando seu disco O Voo do Dragão, independente, ontem à noite, no Itaú Cultural. Noite de cachecóis e echarpes na Avenida Paulista. Ele tinha como convidado o sax tenor de Thiago França, do Metá Metá (participou também o guitarrista Fernando Catatau, o toque de rock’n’roll que extrapolou a noite). O timbre do metal de França, emparelhado com o berro do clarim de Guizado, era uma viagem de pura lisergia – encontraremos poucos paralelos em experiência musical na paulicéia na atualidade.
Há rock, eletrônica e pop no som de Guizado (que parece fisicamente o Mano Brown e até usava um blusão de rapper onde se lia “Fucking Awesome” no peito). Mas ele é, essencialmente, um músico de jazz, um filho enjeitado do jazz. Porque o que ocorre é que é um jazz de arribação, está voando para algum lugar longe do inverno o tempo todo. Cachorro na Rua, Cachoeiras, Touro: os nomes das músicas, abstrações de improvisação contínua, não pareciam bater com o som, que não tinha nada de didático.
Por um tipo de sorteio cênico, ou mesmo de deliberada ironia, o palco do show do trompetista Guizado estava dividido em dois: do lado esquerdo, a eletrônica (os “baixos” que adernavam a cozinha do show, com cordas sintetizadas); do outro lado, o direito, os orgânicos: bateria, guitarra e saxofone. Mas não havia esquerda e direita, não havia oposição: o centro de tudo era Guizado, para onde convergiam as duas tendências e onde ela se esvanecia.
Curioso observar que havia uma plateia inteira totalmente atenta para o tipo de música que Guizado  fazia, uma conspiração de ruídos que só se reconciliava com a melodia de tempos em tempos (e aí, dava tanto para dançar quanto para viajar para Darjeeling). Em 1960, ele correria o risco de ser expulso do Village Vanguard junto com Carla Bley e Charlie Haden.
O fantástico baterista Thiago Babalu tinha a missão de adornar as batidas eletrônicas com um som que trazia uma regionalidade estranha, como um alagoano criado no Greenwich Village. O trompete sempre foi a medida equivalente, para a música instrumental, da guitarra no rock. Esse diálogo, Miles & Hendrix, revelado por Guizado numa espécie de simbiose pagã, fica evidente no show.

O legal do som de Guizado, o disco Voo do Dragão, com o qual ele começa agora a percorrer o País, é que tem uma profundidade intelectual, mas é ao mesmo tempo de debochada irresponsabilidade. As vocalizações, o sample do corinho feminino, fórmulas quase madonnianas, se contrapõem à grande levitação do dragão que ele promove com seu trompete. É comovente que ele siga em frente com esse projeto, porque ele não é para a multidão, mas também não é para o gueto. É um manifesto de generosidade.
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3 COMENTÁRIOS

  1. Cara… na boa, será que o Guizado em pessoa concorda com tudo isso? Sim, porque, Don Cherry, Coltrane, Hendrix, Miles??????????? Lisergia, simbiose pagã??? Duas coisas importantes, aí: sugiro que vc ouça os gênios do trompete moderno, como Ambrose Akinmusire, Avishai Cohen, Roy Hargrove etc., e faça um paralelo, porque estes sim emanam com maestria e reverência os nomes que vc citou, respeitando as idiossincrasias do instrumento e tendo passeado pela linguagem de todos esses artistas com profundidade. O som do Guizado é simpático, bacana, mas causa antipatia essa aura e esse universo que cercam artistas dessa praia. A música, no fim, fica em segundo plano pra toda essa roupagem de cachecóis e barbas, ver e ser visto. 2. Adjetivação é bacana e tal, admiro essa liberdade pra escrever que a internet nos proporciona, mas deixe um pouco pro próprio ouvinte. Porque o ouvinte/leitor mais atento, especialmente o mais versado em música, vai ter um choque quando ouvir o disco e vir que, na real, o jornalista sabe mais sobre o artista do que o próprio quis passar. Além disso, algum questionamento é papel do crítico musical. Esse embate é muito rico e frutífero, para todo mundo, inclusive para o próprio artista.

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