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Aos 86 anos, Jules Feiffer dá um novo chapéu nas convenções e cria a mais fabulosa graphic novel da atualidade: Mate Minha Mãe

Chinatown, O Falcão Maltês,  Dashiell Hammett, Um Contrato com Deus, Raymond Chandler, David Goodis, James Cain: aos 86 anos, o cartunista Jules Feiffer misturou todos os símbolos da cultura noir que ele tinha como preciosos e gestou a mais fabulosa graphic novel da nossa era: Mate Minha Mãe, que acaba de sair pelo selo Quadrinhos na Cia, da Cia das Letras.
Feiffer caprichou na salada, que começa com o andamento tradicional do romance noir dos anos 40 e 50 e depois vai se tornando uma soap opera digna de Gloria Perez. Quase ninguém anotou que estava saindo essa masterpiece de Feiffer, que foi assistente de Will Eisner quando tinha 16 anos (mas o próprio Eisner o aconselhou a trilhar seu caminho sozinho porque era bom demais).
 Feiffer é um dos expoentes daquilo que se convencionou chamar de New York Style: um humor fino, um traço minimalista, um jeito irônico (mas ao mesmo tempo terno) de ver o lado ridículo do ser humano. Do cartum pulou para o roteiro de cinema e o teatro e também para a ilustração de livros infantis. Suas obras lhe renderam um Oscar e um Pulitzer.
Dessa vez, Feiffer foi mais longe que os rapazes de 20 anos do underground novaiorquino: ele criou um heroi transgênero em meio aos mitos de Hollywood, reinventou o filme noir como farsa, exumou uma profusão de canções da era de ouro do cinema e do jazz e o romance noir. Sobre a intimidade com o noir, ele afirma, em seu posfácio: “Não tive dificuldade alguma. Ele posou para mim”.

De fato. Feiffer viu e protagonizou pelo menos umas cinco revoluções culturais no seu País. Está vivo, bem, divorciou-se pela segunda vez há 2 anos e leciona humor na universidade Stony Brook Southampton. E nunca se nega a falar sobre sua obra e o legado. Eu estava em Nova York quando Eisner morreu, e ele atendia o telefone solicitamente para falar a todos que o procurassem sobre a perda do grande amigo.

Em 2004, quando lançou Na Beira da Estrada, conversei com ele por telefone para o jornal no qual trabalhava na época. Ele me disse: “Eu me formei fazendo tiras de jornal. Naquele espaço, não se pode ser muito extensivo, você tem que ser muito conciso, deve concentrar tudo em pouco espaço. Conforme evoluí, mantive essa capacidade de concisão”.

Mate Minha Mãe não preza tanto essa concisão, ao menos no texto. No desenho, é uma aula inacreditável – acho que somente Eisner, em Nova York – A Grande Cidade, foi tão requintado a ponto de confundir storytelling com storyboard. As danças, as lutas, as perseguições pedestres: tudo é obra de arte. Feiffer desvia o foco do heroi masculino, tão prezado pela geração de Chandler e Hammett, e o concentra em mulheres. Está dando o troco em centenas de autores de livros de detetives – sua inversão chega ao ponto da vendetta mesmo, no final patético que reserva ao detetive machista, beberrão e arrogante.

Claro que não são muitos os que vão compreender o tamanho desse trabalho, mas eu já contei uns três bons quadrinheiros que sacaram. O mainstream virá na cola, como já é regra.

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