Haroldo Ceravolo Sereza solta a ‘Rataria’ nessa sexta no Bixiga

0
447

Na trilha de uma antiga tradição que teve Safo (570 a.C.) como uma das pioneiras, caminho depois cimentado por Marcial (40 d.C.-104 d.C.), Gregório de Matos Guerra (1636-1696), Bocage (1765-1805), Glauco Mattoso e vários outros de culturas e sarcasmo diversos, o escritor, jornalista, crítico literário, editor (e agora poeta) Haroldo Ceravolo Sereza lança nesta sexta-feira, 28 de março, em São Paulo, o livro de poemas satíricos Rataria – 64 poemas para Gorilas de Bolso. Será na Livraria da Alameda (Rua Treze de Maio, 353, Bixiga, São Paulo).

Rataria é uma sucessão de “kamiquase haicais” que o autor começou a escrever há 6 anos, quando assumiu o governo o agora réu por tentativa de golpe de Estado Jair Bolsonaro. A sensação era de casa tomada, a mediocridade tinha perdido a modéstia e os fascistas estavam no cio. Ante o ambiente carregado e a tragédia que se anunciava, o escritor refugiou-se no formato exíguo do texto cadenciado e na ironia e humor para equilibrar suas chacras (e, principalmente, como uma estratégia de resistência): “Para cada cagada/Uma macacada”. Por isso, o lançamento do livro, coincidindo com o naufrágio judicial daquela corrente que tinha tomado o poder, virou prenúncio de uma grande festa nesta sexta.

Como em Maus, clássico romance gráfico de Art Spiegelman, Haroldo tinha em mente uma alegoria que sempre funciona: os animais seriam o fio condutor, a exacerbação do elo entre comportamentos humanos e animais – emoldurado pelos desenhos do naturalista suíço Conrad Gessner (1516-1565), o Gustave Doré da viagem de Sereza. “Quando algum animal surgia no noticiário ou nas leituras que realizava, fazia alguma pesquisa, envolvendo literatura e ciência, o que, creio, é perceptível nos poemas, a quase totalidade escrita no primeiro semestre de 2019”, contou o autor. “A junção de literatura e biologia não era exatamente uma novidade para mim, devo dizer”, ele conta, lembrando que chegou a ser finalista de um concurso da USP aos 18 anos com uma coletânea de poesia sobre o reino animal.

O título do livro, Rataria, veio de um relatório da Polícia Federal sobre o grupo que tentou assaltar o poder no Brasil em 2022 e 2023. A política permeia os poemas, que não têm nada de mimimi – são articulados em torno das rótulas da História, não raro fazendo pontes com o passado mais sombrio do País. “Se insistirem, terão a ponta da praia como destino”, diz o autor. A Ponta da Praia era como os torturadores da ditadura civil-militar (que assassinou Rubens Paiva, entre milhares de outros) chamavam a Restinga da Marambaia, no Rio, onde executavam presos políticos após torturá-los barbaramente. Outro episódio, esse mais simbólico, é a referência ao dia 2 de abril de 1987, quando a pequena cidade de Formiga, em Minas Gerais, foi bombardeada com duas bombas atômicas pela Força Aérea Brasileira – as bombas eram réplicas de treinamento de bombardeio, para a sorte de Formiga, mas azar da consciência nacional.

Referências a grandes vultos da matilha fascista pontuam os poemas, de Plínio Salgado às intervenções de Damares Alves (“Tem o dia do Jesus da goiabeira/Tem o dia do bicho da goiaba/Uma dentada te corta ao meio/ – Você vira piada, mas continua se mexendo”), assim como também à cultura pop, como o seriado Corrida Maluca, e à novíssima “doença do WhatsApp”. Os versos evocam ora Ruy Barbosa (“De tanto ver triunfar as nulidades”), ora João Cabral (“Uma mariposa só não tece amanhã”), ora Chico Buarque (“acorda, amor, não é pesadelo agora”), ora Tomás Antonio Gonzaga (“Dirceu, nem Marília nem eu”), e nessa toada vão tangendo os bois do pesadelo miliciano.

Haroldo Sereza é autor de O naturalismo e o naturalismo no Brasil (Alameda), Trinta e tantos livros sobre a mesa (Oficina Raquel) e Florestan – a inteligência militante (Boitempo). “Como diria Paulo Vanzolini, que aliás era tão sambista quanto biólogo, devo ter cometido muitos pecados poéticos neste livro, ‘uns maiores, outros menores, mas no geral bem pesados'”, brinca o escritor. Pecados não há, mas premonições sim. “Uma pomba em Curitiba disputa o Nobel da Paz/ – Ficará presa eternamente/ – Ou sairá para governar?”. Sem forçar rimas, jogando com o balanço da própria cronologia de um tempo de névoa escura, o poeta lembra que esses não foram os primeiros ratos a comandar o navio. O problema maior é deixá-los cair no esquecimento. Com ensinamentos zoológicos (galinhas comem escorpiões) e ironia neobarroca, Rataria documenta um momento histórico e ao mesmo tempo repassa a sucessão de equívocos que orienta o balanço do navio brasileiro rumo ao futuro. “Foi mais um dia de sorte”, parece concluir o poeta. Receita caseira: coragem e um cachorro caramelo; parece pouco mas, de pouco em pouco, a literatura enche o cocho. 

Rataria: 64 poemas para Gorilas de Bolso, de Haroldo Ceravolo Sereza (Alameda, 2025). 116 páginas, 64 reais. Lançamento nesta sexta-feira, 28, na Livraria Alameda (Rua Treze de Maio, 353, Bixiga), das 18h30 às 21h30.
PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome