Jusante é confluência. Mas a expressão, do campo da geografia, que significa o lado para onde desce a água da maré vazante, ou para onde se dirige a água corrente de um curso de água, está longe de representar uniformidade.
A palavra, escolhida para batizar o novo projeto do músico, compositor e produtor Dani Turcheto, abarca toda a diversidade do slam, um tipo de poesia urbana, falada, aliada a intervenções sonoras as mais variadas, além de performance e da capacidade de improvisação.
Jusante, o álbum, reúne um time de primeira linha desta arte, que vem ganhando espaço, mas ainda sofre resistência e preconceito, como toda expressão oriunda da população negra e da periferia em seu nascedouro.
Em um processo de idas e vindas, como a maré que enche e vaza, desenvolveram-se os temas do álbum, criados a partir de melodias compostas por Dani Turcheto, temperadas por pitadas de música brasileira, eletrônica e jazz.
Dani Turcheto assina a produção musical com Pipo Pegoraro, e com Anna Zêpa a direção artística. Roberta Estrela D’Alva, Akins Kintê, Daniel Minchoni, Nelson Maca, Apêaga, Matriarcack, Luz Ribeiro, Luiza Romão e Nathalia Kariri Leal são os parceiros de Turcheto em nove das 10 faixas, a que comparecem também músicos como Zé Nigro (sintetizadores), Helô Ribeiro (flauta e arranjos vocais), Ricardo Braga (percussão), Antonio Guerra (piano rhodes, sintetizadores e clavinete), além do próprio Pipo Pegoraro (baixo, guitarra e sintetizadores), além do próprio Dani Turcheto, que pilota programação, sintetizadores e cavaquinho em algumas faixas.
Além de dar nome ao álbum, Jusante também batiza a persona artística com que Dani Turcheto o assina. Ele conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.
CINCO PERGUNTAS PARA DANI TURCHETO
ZEMA RIBEIRO: Teu álbum funciona como um catalisador e agregador a poetas do slam, uma forma de fazer poesia que vem ganhando força no Brasil, mas que ainda é marginalizado, como infelizmente ainda o é toda cultura oriunda da população negra em seu nascedouro. Havia essa intenção desde o início?
DANI TURCHETO: A poesia slam, antes de tudo, traz muita beleza poética, mas nunca abre mão da contundência por conta das performances. Trata de uma grande variedade de assuntos, mas na sua grande maioria, fala de assuntos caros e urgentes às minorias da nossa sociedade. É um levante cultural a favor da diversidade, e do progressismo, batendo de frente contra o conservadorismo, racismo, misoginia, homofobia, lesbofobia, transfobia, elitismo e sistemas políticos que não pensem o coletivo.
ZR: Eu quero te ouvir sobre o processo de criação da obra, entre as faixas instrumentais compostas por você que ganharam letras dos convidados posteriormente até como se deu a seleção destes.
DT: Eu uso o Ableton Live, que ao meu ver é o melhor software para produção musical eletrônica e excelente para experimentos de composição, pois facilmente você coloca instantaneamente qualquer tipo de sample para tocar com outros, dentro dos mesmos andamentos. Assim surgiu a minha criação instrumental do projeto, misturando samples de tambores com samples eletrônicos e por cima gravando sintetizadores. Baixei do youtube, vídeos de poetas do slam e comecei a encaixar os áudios dos poemas nas bases que eu havia composto. Com essas pré-produções prontas, mostrei-as para a Anna Zêpa, que é uma poeta multiartista, ativa na cena do slam. Ela gostou e imediatamente começou a relacionar cada uma das músicas a poetas. Tiramos as vozes que foram baixadas da internet e entregamos aos poetas as músicas instrumentais para eles comporem letras originais. Esse movimento foi louco, pois as poesias que baixei da internet inspiraram minhas composições, depois as tirei das faixas tornando-as instrumentais que inspiraram os poetas a trazer suas poesias originais. Rolou um entra e sai lírico neste processo.
ZR: Chama a atenção a sonoridade do álbum, permeada por elementos da cultura brasileira até o jazz, exaltando a diversidade da iniciativa. Como foi pensar estes arranjos para a gravação?
DT: Foi um processo natural, as pré-produções já traziam os mapas das músicas e boa parte dos arranjos. Então procurei o Pipo Pegoraro, que é um super produtor, um grande artista, para entrar na produção do álbum. Quando o Pipo entrou no projeto tudo cresceu muito, os timbres, dinâmicas, etc. Ele mesmo gravou vários instrumentos e ainda chamamos músicos incríveis para somar. Convidamos a Helô Ribeiro para trazer arranjos vocais, inspirados em cantos de lavadeiras e ela chamou a Flavia Maia e a Mairah Rocha para gravar com ela, pois esse trio trabalha junto há muito tempo.
ZR: Gil Scott-Heron (1949-2011) e The Last Poets são citados por você como influências para este trabalho. Vamos ampliar este leque te ouvindo sobre outras referências importantes para tua formação.
DT: Sou do samba, toco cavaquinho desde sempre, então toda a nossa realeza do samba vive dentro de mim. Amo chorinho, jazz e a música norte americana dos funks do James Brown [1933-2006], passando pela Motown, Philadelphia Records, Stax, Prince [1958-2016] e o hip-hop, desde a sua gênese com as beat machines até os dias de hoje com o Kendrick Lamar.
ZR: Reunindo tantos artistas num álbum plural, como você tem pensado e planejado shows de lançamentos e uma possível circulação do trabalho?
DT: Os shows vão ficar para ano que vem, mas com certeza será um encontro das músicas do projeto com performances do slam. Meio música meio poesia à seca, como esses maravilhosos poetas fazem. Imagino um roteiro que as músicas sejam entrecortadas pelas poesias recitadas. Breques no meio das músicas para as poesias e muita luz cênica para valorizar a teatralidade desses grandes poetas do palco.
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Ouça Jusante: