Com 14 solistas convidados e 250 instrumentistas inscritos, começa no próximo dia 15 na cidade de Mendoza, na Argentina (a mil km de Buenos Aires), a quarta edição de um festival sui generis: o Sax Fest, que reúne apenas saxofonistas para concertos, oficinas, masterclasses e confraternização. O cubano-americano Paquito D’Rivera, saxofonista, clarinetista, maestro, compositor e arranjador de 76 anos é o convidado principal do festival.
O International Mendoza Sax Fest põe na estrada uma multidão de saxofonistas para celebrar a excelência do instrumento na América Latina. Paquito D’Rivera toca no dia 15, sexta, no Teatro Independencia, ao lado da Orquestra Filarmónica de Mendoza, e no domingo, 17, fará um concerto de jazz no Teatro Plaza de Godoy Cruz. O lendário músico concedeu uma entrevista exclusiva ao FAROFAFÁ dos Estados Unidos, onde vive desde 1980.
No festival de Mendoza, o sr. subirá ao palco com saxofonistas argentinos (Gustavo Musso, Martín Pantyrer, Ricardo Cavalli e Mariano Gamba). Já os conhece? Como imagina fazer os ensaios com eles na condição de bandleader?
Não creio que os conheça a todos, porém conheci Martín Partyner com o grupo Escalandrum, dirigido por Pipi Piazolla. Um extraordinário instrumentista, sobretudo dos instrumentos graves, que se converteram em sua especialidade. Eu o admiro o suficiente que me convenci de lhe vender meu queridísimo sax barítono Selmer Balance Action de 1954, porque acreditei que ele lhe daria melhor uso, pois eu só o tocava por diversão, em casa. Os demais saxofonistas convidados devem ser tão bons quanto Mauricio Agüero, o organizador do festival, que é um excelente saxofonista clássico.
Como o sr. avalia um festival inteiro dedicado a um único instrumento, o saxofone? Que importância tem essa iniciativa?
Eu venho ao festival por insistência de Branford Marsalis, que me chamou muito entusiasmado dizendo que eu não podia perder este evento do qual ele participara no ano anterior e que considera de grande importância. E aqui estou.
O sr. foi indicado a dois Grammys na próxima festa, no Kaseya Center de Miami. Suas indicações foram por melhor arranjo instrumental contemporâneo, com Hilario Durán and His Latin Jazz Big Band, por Night In Tunisia. E, também, pela melhor canção clássica, Caribbean Berceuse (com o Barcelona Clarinet Players e a North Texas Wind Symphony). Isso revela quão abrangente é seu leque de interesses, que vai desde um standard até uma canção clássica. Minha pergunta é: como o sr. se define? É um jazzista? Um intérprete?
Eu sou um músico sem rodeios, é simples assim; filho e discípulo de um saxofonista clássico que, nos anos 1940, importou da França para Havana livros de estudos do conservatório de Paris, escola fundada por Marcel Mule naqueles anos. Meu pai acreditava que não tinha talento para improvisar, porém amava os sons de Lester Young e Stan Getz. Apreciava– entre outras coisas— escutar aquele famoso disco de 1938 gravado ao vivo por Benny Goodman no Carnegie Hall, seguido de Benny tocando o concerto de Mozart para clarineta e orquesta sinfônica. Assim, aprendi desde menino a perder-me entre aquela eclética mescla de estilos musicais. Me emocionam até as lágrimas Celia Cruz ou Nat “King” Cole cantando, tanto como me emociona o Rito de Primavera de Stravinski, uma balada de Miles Davis ou um rumbón com Los Papines.
O sr. chegou aos Estados Unidos em 1980. Por aquela época, a música cubana já estava muito mesclada com o jazz americano, via Dizzy Gillespie, Bird, Chico O’Farrill, Machito, Stan Kenton, etc. Eu gostaria de saber em que medida o jazz foi importante para o sr. nos anos de sua formação.
Desde a mais tenra idade eu me senti atraído pelo jazz. Aprendi a improvisar primeiro tocando junto com os discos que eram trazidos por meu velho, copiando os solos de Benny Goodman, Harry James, Toots Mondelo, Teddy Wilson, Lionel Hampton e os demais membros da banda do Rei do Swing. Também copiei do disco “Saxophone Contrasts”, de Al Gallodoro, e mais tarde vieram Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Coltrane, etc, e assim, pouco a pouco, fui criando meus próprios solos. Sendo ainda um adolescente, entrei na Orquesta del Teatro Musical de La Habana, e ali conheci Chucho Valdés e o guitarrista Carlos Emilio Morales, dos quais aprendi muitíssimo do mundo mágico da improvisação. Foram Chucho e Carlos Emilio que me falaram de “The Jazz Hour”, o programa diário que era transmitido desde Washington em ondas curtas pelo locutor Willys Conover, da VOA (Voice of America), famoso sobretudo nos países da Europa do Leste, sob a égide do regime soviético. Graças a Conover, escutei pela primeira vez Joe Henderson, o “novo” quinteto de Miles Davis, Mel Lewis-Thad Jones Big Band, Lalo Schifrin, McCoy Tyner, Freddie Hubbard, Chick Corea, Tete Montoliu, Woody Shaw, Marcial Solal, Niels Henning Ørsted Pedersen e muitos que anos mais tarde conheceria em Nova York ou andando pelo mundo.
Como músico de sessão, o sr. fez parte de várias obras de arte desde os anos 1980. Que tipo de ensinamento o sr. trouxe dessa atividade de gravar discos para a indústria musical?
Como disse antes, desde menino tenho estado próximo dos mais diversos estilos e formas musicais, e, se você tem a curiosidade, sempre há algo a aprender das diferenças e similaridades entre todos os gêneros, desde Brahms e Armando Manzanero até Ornette Coleman ou Ernesto Lecuona.
O sr. conhece a música de Cesar Camargo Mariano, Egberto Gismonti, Tom Jobim, Rosa Passos, Villa-Lobos. Como tem sido sua relação com a música brasileira e quantas colaborações com brasileiros teve ao longo da carreira?
Se eu não fosse cubano, gostaria de ser, e eu repito isso sempre, se tivesse a opção, não me desagradaria absolutamente ser brasileiro, pois sinto uma grande simpatia por esse povo quente, alegre e criativo. Desde minha chegada à cidade dos arranha-céus em 1980, cultivei uma relação muito próxima com uma infinidade de filhos dessa terra vasta e linda. Entre eles, Claudio Roditi, meu primeiro trompetista na Big Apple, e, desde então, Leny Andrade, Cesar Camargo Mariano, Romero Lubambo, Nailor Proveta, os irmãos Assad, Diego Figueiredo, Rosa Passos e o formidável Trio Corrente de São Paulo, com quem ganhei não um, mas dois prêmios GRAMMY pelo CD “Song For Maura”, dedicado a minha mãe. Me sinto muito confortável e feliz tocando as músicas de Pixinguinha, Villa-Lobos ou Ari Barroso. E parece que me aceitam como um deles, pois quando o famoso ator Edward James Olmos filmou aquele documentário “Americanos”, foi a mim que chamaram para a seção brasileira, e o mesmo aconteceu quando Yo Yo Ma gravou seu CD “Obrigado Brasil”, no qual eu estava entre os escassos brasileiros do projeto.
O sr. tem 76 anos agora. Tem alguma ideia de quantos discos já gravou e quantos prêmios Grammy ganhou?
Parece que são mais de 30 discos, e creio que são 18 GRAMMYs; porém, para mim, ainda agradeço com humildade qualquer reconhecimento pelo meu trabalho, meus verdadeiros prêmios foram a oportunidade de subir ao palco com gente de talento, mais ou menos conhecida, que parece sentir-se bem com minha contribuição.
Há 50 anos, o sr. integrava um lendário grupo cubano chamado Irakere, junto a Arturo Sandoval. Como são suas relações com aqueles antigos parceiros e como vê essa experiência hoje em dia?
Foi uma linda experiência, e é muito reconfortante que este ano em que se completam 5 décadas da fundação do Irakere, no punhado de apresentações que fizemos juntos, Chucho, Arturo e eu, não tenha ficado uma só poltrona livre nos teatros.
O sr. vive nos Estados Unidos desde 1980. Há alguns dias, um comediante, em um comício de Donald Trump, qualificou Porto Rico como uma “ilha flutuante de lixo”. Esse é um comportamento que tem sido comum nos Estados Unidos contra os latinos. Como o sr. avalia o que aconteceu e como vê as eleições no País onde vive?
Em todos lados se cometem asneiras, e não creio que essa estupidez represente o sentimento geral do povo americano. Se fosse assim, como se explicaria tantos hispano-falantes chegando todo ano por aqui, e que tão poucos de nós nos mudemos daqui para fazer música em outras partes? Donald Trump não é a regra, é apenas uma mosca num vaso de leite. Um tipo lamentável até no sentido legal e jurídico, desgraçadamente aplaudido por muitos, demasiados incautos, como em seu tempo o foram Mussollini, Trujillo, Fidel Castro, Hitler, Stalin, Pol Pot e Hugo Chávez .
Há quatro anos, morreu em Nova York o saxofonista Lee Konitz. Em certa ocasião, o sr. disse que Konitz também foi uma de suas influências. Foi uma contribuição estilística?
Exato! E foi Claudio Roditi um dos poucos que se deram conta da sutil influência que teve Lee Konitz no meu estilo de tocar o saxofone. É que, sendo eu muito jovem, na casa de Carlos Emilio, mais tarde guitarrista do Irakere, escutávamos frequentemente sus vasta coleção de vinis (que então se chamava elepês). Em um par de discos, figuravam Lee Konitz, Warne Marsh, Sal Mosca, Arnold Fishkin e Billy Bauer, todos membros da famosa escola de jazz do pianista cego Leny Tristano. Com meus 16, 17 anos de idade, eu fiquei fascinado pelo estilo do cool jazz, com as frases angulares que eram cultivadas pelos discípulos de Tristano e… acho que algo me fisgou de jeito, não?
Programação do Mendoza Sax Fest
Sexta-feira, 15 de novembro, 21:30 – Teatro Independencia
Paquito D’Rivera junto a la Orquesta Filarmónica de Mendoza.
Actuaciones de Otis Murphy, Jonathan Helton, Griffin Campbell, y Syndicate Saxophone Quartet.
Sábado, 16 de novembro – Predio de la Virgen, Guaymallén
Presentación de Sergio Colombo.
Entrada libre y gratuita.
Domingo, 17 de novembro, 21:30 – Teatro Plaza
Paquito D’Rivera en concierto con obras para octeto de saxofón, arregladas especialmente para el festival.
Lo acompañarán destacados saxofonistas como Gustavo Musso y Martín Pantyrer de Escalandrum, Ricardo Cavalli, Mariano Gamba, y otros grandes artistas.
Para obter toda a informação do festival, consultar a programacão completa e inscrever-se nas oficinas e palestras com os músicos ingressar em: https://mendozasaxfest.com/