Em “Dos Pés À Cabeça – Na Rua”, Cordão do Boitatá apresenta um rico mosaico da música brasileira

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"Dos Pés À Cabeça – Na Rua" - capa/ reprodução
"Dos Pés À Cabeça – Na Rua" - capa/ reprodução

Fundado em 1996, o Cordão do Boitatá é um dos grupos fundamentais na revitalização do carnaval de rua do Rio de Janeiro – município invariavelmente mais lembrado pelos desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí.

O grupo acaba de lançar o inspirado Dos Pés À Cabeça – Na Rua (Biscoito Fino, 2024), par do idem Dos Pés À Cabeça – Na Praça (Biscoito Fino, 2024), lançado em fevereiro; no carnaval passado eles lançaram ainda o single “Toc Toc Toc (Marchinha da Federal)”, parceria de Luis Filipe de Lima e Pierre Aderne que, pouco mais de um ano depois dos atentados golpistas de 8 de janeiro de 2023, profetizava a ida da familícia para a Papuda, vaticínio ainda não concretizado, infelizmente.

Dos Pés À Cabeça – Na Rua se soma a Você Sabe Lá O Que É Isso (Deck, 2004, relançado depois pela Biscoito Fino), Folias do Lago (independente, 2011), homenagem por ocasião do centenário de Mário Lago (1911-2002) e ao dvd ABC do Sertão (2012), realizado através de um prêmio da Funarte que contemplou o Cordão do Boitatá para uma homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga (1912-1989). Uma discografia relativamente pequena para o tempo de atividade, o que se explica pela característica rueira do grupo, que prioriza fazer música na rua, como apropriadamente entrega o subtítulo do novo álbum.

Dos Pés À Cabeça – Na Rua vai muito além de um álbum de um bloco carnavalesco: é um passeio por ritmos, autores e épocas, um rico mosaico da música brasileira, executado por uma orquestra popular. E vai além disto, ainda, já que o álbum abre com “African Market”, movimento de “The African Suite”, do pianista sulafricano Abdullah Ibrahim, que prepara o desfile de Noel Rosa (1910-1937), Braguinha (1907-2006), Pixinguinha (1897-1973), Baden Powell (1937-2000), Vinícius de Moraes (1913-1980), Dominguinhos (1941-2013), Anastácia, Dorival Caymmi (1914-2008) e Capiba (1904-1997), entre outros.

Nada é óbvio no exercício do Cordão do Boitatá de trazer para o carnaval músicas não necessariamente carnavalescas. Em “A Jardineira” (Humberto Porto [1908-1943] e Benedito Lacerda [1903-1958]), clássico do período momesco, sua nova roupagem cruza frevo e reggae, com breques inusitados e originais.

Em “Canto de Iemanjá” (Baden Powell e Vinícius de Moraes) uma saudação às religiões de matriz africana, no afro-samba jongado. Outro jongo que merece destaque é “Vapor da Paraíba” (Vovó Tereza [s/d] e Mestre Fuleiro [1912-1997]), com as participações especiais de Deli Monteiro e Lazir Sinval, ambas integrantes do Jongo da Serrinha. Nas encruzilhadas das referências e transmutações, o forró “Eu Só Quero Um Xodó” (Dominguinhos e Anastácia) se transforma em ijexá. Exceção é o maxixe “Cheguei” (Pixinguinha), que, adaptado por Thiago Queiroz, é gravado com arranjo e orquestração do autor.

Álbum de estúdio, ao contrário do que pode sugerir o “Na Rua” do subtítulo, um de seus trunfos é juntar na gravação uma bateria de escola de samba e uma orquestra de sopros. A única faixa cantada, entre as 14 do registro, é a citada “Vapor da Paraíba”, mas não raro, ao longo do disco, o ouvinte se pegará cantando as letras, acompanhando as execuções do grupo.

Dois subgrupos (melhor seria dizer supergrupos) formam o Cordão do Boitatá: a orquestra de rua tem Paulino Dias (percussão, coro e direção de bateria), Rodrigo Scofield (percussão e direção de bateria), Mangueirinha (percussão e direção de bateria), Quininho da Serrinha (percussão e direção), Daniel da Silva (percussão), Darlan Pereira (percussão), Pedro Ivo (percussão), André Filho (percussão), Maju Nunes (xequerê), Jonas Hocherman (tuba e trombone), Wellington Tavares Cahé (tuba), Everson Moraes (trombone baixo e trombone), Pablo Beato (trombone), Thiago Queiroz (saxofones alto e barítono, direção da orquestra de sopros e direção artística), Diogo Acosta (saxofone tenor), Tarcísio Cisão (saxofone tenor), Gabriel Gabriel (saxofone alto), Daniela Spielmann (saxofone soprano), Aline Gonçalves (clarinete), Maico Lopes (trompete), Gilson Junior (trompete), Thiago Pires (trompete), Alexandre Romanazzi (flauta, flautim e coro), Mariana Zwarg (flauta e flautim), Cristiane Cotrim (cavaquinho, coro e direção artística) e Kiko Horta (sanfona, direção musical e direção artística); e o Grupo Mulecada Que Agita (Morro da Serrinha), formado por Maju Mendes (agogô), Derik Ribeiro (caixa), Pedro Henrique Coelho de Oliveira (caixa), Willian dos Santos (surdo) e Lucas Badeco (caixa).

Do tupi-guarani, Boitatá é literalmente coisa de fogo, que o folclore brasileiro bem traduziu como uma grande serpente incandescente. Em suma, parafraseando o rei: Dos Pés À Cabeça – Na Rua é uma brasa, mora?

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Ouça Dos Pés À Cabeça – Na Rua:

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