A (falta de uma) ‘Escola Modelo’

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Cena da peça "Escola Modelo", no Sesc Ipiranga
Cena da peça "Escola Modelo", no Sesc Ipiranga - Foto: Camilla Rios/ Divulgação

Escolas são uma espécie de organização social que emergiu no século XVIII para disciplinar e vigiar os alunos. Quem diz isso é Michel Foucault, o filósofo francês que enquadrou outras instituições nessa mesma categoria, como prisões, hospitais e fábricas. Foucault chama elas de “sociedades disciplinadoras”, porque o objetivo é controlar socialmente as pessoas (manter a ordem, vamos ser claros) num período em que a massificação necessária para a industrialização e o capitalismo as incluiria forçosamente. Dois séculos se passaram e o mesmo tipo de ensino massificado permanece.

Discutir as escolas é imperativo para uma sociedade que não é mais a mesma do século XVIII. O problema é que as sociedades disciplinadoras têm funcionado a contento para quem comanda o capitalismo das revoluções digitais, que é quem manda hoje em dia. Romper com esse ciclo é necessário, porque as escolas há muito deixaram de ser um espaço de aprendizado, reflexão e compatível com as demandas da realidade. Por conta da massificação, ela varreu para debaixo do tapete questões que hoje não são mais cabíveis, e uma delas é o racismo estrutural.

Esse prêambulo para discorrer Escola Modelo, uma peça em cartaz no Teatro Pequeno Ato. Letícia Calvosa e Pedro Granato dão vida a dois professores que questionam o papel do educador dentro da sala de aula. Ela é negra, e questiona como a falta de letramento racial e uma formação marcada por materiais pensados pela e para a branquitude contaminaram gerações. Ele é branco, que estudou em escolas que por mais bem intencionadas que sejam nada mais fizeram do que formar novos comandantes das sociedades disciplinadoras.

A peça Escola Modelo, direção de Fernando Vilella e dramaturgia de Bruno Lourenço, flerta com o teatro épico de Bertolt Brecht, no qual os personagens são claramente identificados como tais. Ou seja, não estamos diante de histórias fictícias ou distante da realidade. Os dois atores farão questão de invocar os lugares em que estão, a trajetória que percorreram e, em vez de “representar”, vão apresentar a situação conflitiva que a educação enfrenta. O objetivo deliberado é provocar a reflexão crítica da plateia, que é invocada discretamente a participar.

As discussões são muitos e boas: as cotas raciais vão reparar o irreparável? A segregação racial, escancarada ou disfarçada, um dia será rompida? A luta antirracista será efetivamente incorporada pelos educadores e pelas instituições?

Falta ao Brasil e ao mundo uma Escola Modelo, embora estejamos repletos de iniciativas que assim são chamadas por pura jogada de marketing. Por mais que seja introduzida tecnologia, inovação pedagógica e metodologias ativas, inativas ou o nome que se dê a elas, a educação só será efetiva quando a sociedade disciplinadora da instituição escolar encarar seus maiores desafios. Até lá, nada será resolvido.

Escola Modelo. Direção de Fernando Vilella. No Pequeno Ato (Rua Dr. Teodoro Baima, 78, Vila Buarque, em São Paulo), às sextas (20h30), até 30 de agosto. Ingressos a 45,45 reais.

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