O plenário do Senado Federal aprovou as leis Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal aprovou no dia 16 de abril, em turno suplementar, um polêmico projeto que regulamenta os serviços de oferta de vídeo sob demanda (VoD) e obriga esses serviços a recolherem a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). Parece alvissareiro, mas não é: o PL 2.331/2022, que está agora na Câmara dos Deputados, pode se converter em uma das maiores rasteiras que o conteúdo nacional sofreu em sua breve e acidentada história recente, com repercussões para todo o futuro do setor.

O projeto atende à reivindicação, pelo setor audiovisual brasileiro, da regulamentação dos serviços de oferta de vídeo sob demanda (VoD), estabelecendo a necessidade de recolhimento, por esses serviços, de uma alíquota do tributo denominado Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), que alimenta o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Um levantamento recente de entidades do audiovisual brasileiro mostrou que o setor deixou de arrecadar cerca de 6 bilhões de reais nos últimos sete anos. 

O problema do texto em exame é que, com o debate dominado pelo lobby das gigantes do setor (e, diga-se, pela complacência do governo, e até concordância e colaboração), o que foi aprovado e seguiu para a Câmara dos Deputados é um texto que está sendo considerado antinacional. O relator do projeto, senador Eduardo Gomes (PL-TO), do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, “tratorou” o texto que acabou aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos. Em 2022, o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro já tinha tentado, sem êxito, passar uma proposta de regulamentação que oferecia, na prática, isenção total para as plataformas. A principal distorção do projeto é de caráter conceitual: o texto prestes a ser aprovado passou a equiparar em direitos todas as plataformas estrangeiras que atuam no mercado brasileiro e as produtoras brasileiras, tornando as produções estrangeiras passíveis de fomento público com os mesmos direitos e benefícios das nacionais. Ou seja: o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que financia o cinema nacional, estaria totalmente disponível para as plataformas que deveriam ser tributadas. Algumas estimativas já apontam para uma queda colossal na arrecadação do FSA, que cairia de 1 bilhão de reais por ano para algo em torno de 300 milhões de reais anuais, caso a lei seja aprovada (a Netflix, em uma única série, investe valores análogos).

O grupo da direita do Senado conseguiu enfiar no texto do Projeto de Lei uma excepcionalidade às definições que regem o sistema audiovisual no Brasil (a MP 2228-1 e da Lei 12.485/2011): para fins de cumprimento de cota, o relator impôs uma relação entre os artigos 2º da MP 2228-1 e o 10º (cotas). Produtora brasileira é aquela que produz conteúdo audiovisual brasileiro, segundo o artigo 2º; mas, no parágrafo 3º, entrou a excepcionalidade: “Para fins do disposto neste artigo, não se aplicam as exigências do inciso XIII do art. 2º desta Lei”, diz o texto aprovado. Ou seja: revoga-se a definição do que seja brasileira.

Esse não é o único retrocesso do texto que foi aprovado no Senado – aprovado, diga-se, com a anuência do senador Jaques Wagner (PT-BA) e de integrantes da alta cúpula do Ministério da Cultura. O relator recomendou a rejeição do PL 1.994/2023, do senador Humberto Costa (PT-PE), que pleiteava uma taxação mínima de 4% para as plataformas, e adotou outro, de Nelsinho Trad (PSD-MS), também bolsonarista raiz. 

A taxa aprovada terá alíquota máxima de 3% da receita bruta das empresas (incluindo aí os ganhos com publicidade e excluindo-se os tributos diretos e as comissões devidas a parceiros de comercialização, veiculação ou distribuição do serviço). A exclusão de comissões de parceiros foi estabelecida em complementação de voto do relator. Além de ser uma tarifa considerada muito baixa, a alíquota aprovada ainda insere a possibilidade de a plataforma utilizar incentivo fiscal, no caso de investir em sua própria infraestrutura (se construir um estúdio, por exemplo, quem acabará pagando é o Estado brasileiro). Na Europa, a taxação de VoD varia entre 15% a 20%.

Na avaliação de Humberto Costa, a regulação não pode oferecer brechas para que o “dinheiro público venha a subsidiar plataformas”, que, avalia, já são bilionárias em vários países e que têm no Brasil um dos seus mercados mais importantes. Para Costa, a regulação precisa estar à altura da “dimensão cultural e econômica que esse tema tem”. O problema é que o tema não é nem sequer tangenciado pela agência federal de fomento ao setor, tem baixo engajamento da área audiovisual até o momento e o próprio MinC parece não demonstrar interesse no embate parlamentar. 

“Por que uma atividade tão importante como essa, como é a do audiovisual, a proposta de pagamento da Condecine é de 3%, tão somente? Nós tínhamos feito uma proposta mais ampla e o pior, é que nessa proposição, nesse relatório, existem vários mecanismos para isentar as empresas multinacionais de pagar a Condecine. Compensações pela contratação de empresas nacionais para a produção dos vídeos sobre demanda”, criticou Humberto Costa. Mas, ainda assim, seu colega de partido, Jaques Wagner, orientou pela aprovação do texto sob alegação de que seria aperfeiçoado na Câmara, o que é no mínimo uma temeridade.

O texto aprovado ficou assim: empresas com faturamento anual acima de R$ 96 milhões pagarão 3%. Já as plataformas com faturamento entre R$ 4,8 milhões e R$ 96 milhões recolherão 1,5%. Para os serviços com faturamento inferior a R$ 4,8 milhões a alíquota será zero. A Contribuição terá o valor reduzido pela metade para o streaming sempre que pelo menos metade do conteúdo do catálogo for nacional. Essa previsão foi incluída no substitutivo aprovado na CAE.

A regulamentação do streaming tem sido objeto de grande atenção da extrema direita brasileira desde sempre. Esse zelo, evidentemente, não é pelo avanço, mas pela consolidação do retrocesso. Neste momento, o grupo de extrema direita tornou o deputado André Figueiredo (PDT-CE) um alvo preferencial de ataques assim que ele assumiu a relatoria do Projeto de Lei aprovado em abril pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Sob a tese falaciosa de que a taxação do produto estrangeiro pode encarecer os serviços (e atingir o bolso dos brasileiros), os militantes já estão fazendo um cerco feroz de ameaças de todo tipo a Figueiredo antes mesmo de ele assumir os trabalhos.

A regulação será válida para todas as empresas baseadas no Brasil, independentemente da localização da sede ou da infraestrutura para prestação do serviço. Para ser classificada como produtora brasileira independente, a empresa não poderá ser controladora, controlada ou coligada a TVs, rádios ou a quaisquer prestadoras de serviços de telecomunicações. Também não poderá estar sujeita a veto ou interferência comercial de outras empresas de comunicação. Por fim, não poderá manter vínculo de exclusividade que a impeça de produzir ou comercializar com terceiros os conteúdos produzidos.

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