Pilar e antena, Maria Bethânia ocupa a avenida Paulista

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A família Veloso: Zezinho, Dona Canô, Caetano, Bethânia, Dadaia e Nicinha - Foto Acervo Familiar/Itaú Cultural

Maria Bethânia encerrou a temporada do show Fevereiros nas águas de março de São Paulo, em duas apresentações com casa cheia no Espaço Unimed. Eu estava lá no sábado, dia 9, e assisti da pista, encostada na grade, como não costumo fazer. E o fiz para acompanhar o interesse da minha filha Clarisse, que acaba de completar 19 anos e pediu o show da Bethânia como presente dos nossos aniversários (eu no dia 8 e ela no dia 11).

O interesse dela e de suas amigas demonstra um dos fenômenos da carreira da artista nascida em Santo Amaro da Purificação, Recôncavo Baiano: seu público se renova, e não foram poucos os adolescentes que estavam ali, fazendo coro em todas as músicas. Gente de toda cor e de tudo quanto é idade, todo mundo participando da epifania que é ver e sentir a força da palavra no canto de Maria Bethânia.

Tudo o que move Bethânia no palco é sagrado, como diz a canção de Beto Guedes e Ronaldo Bastos que integra o repertório, “Amor de Índio”. Um show para rir, dançar e chorar, tamanha a carga de emoções que as canções e as memórias reunidas provocam, com especiais tributos a Gal Costa, Erasmo Carlos e Rita Lee em música e imagem num telão. 

Fevereiros passeia por diversos momentos de sua carreira e celebra encontros memoráveis ao longo de duas horas de show. Um momento especial é seu pedido de bênçãos a todas e todos os artistas que compõem o seu rosário de fé na música brasileira. O compositor maranhense João do Vale, de quem cantou “Carcará” início da carreira no histórico show Opinião, é um dos contemplados.

A voz se encaixa com perfeição nas melodias do violonista João Camarero, do baixista Jorge Helder, do ritmista Marcelo Costa, do violeiro Paulo Dáfilin e do pianista Zé Manoel. Mas quem estava lá percebeu que é o auxílio luxuoso da percussão e performance de Lan Lanh que dá o tom e a energia do espetáculo regido por Bethânia.

Ocupação

A prima Lindaura com os pequenos Caetano Veloso e Bethânia – Foto Acervo Maria Bethânia/Itaú Cultural

Para quem, como eu, queria mais de Bethânia, foi inaugurada na quarta-feira, 13, no Itaú Cultural, a primeira ocupação do ano, Bethânia e as Palavras, com curadoria da diretora Bia Lessa e da equipe do Itaú Cultural. Visitei o espaço no finalzinho da montagem, dois dias antes da inauguração. 

Com a proposta de destacar a importância da palavra na vida e na carreira da artista, a mostra ocupa o piso térreo – com 98 imagens que representam diferentes aspectos do ambiente social de onde surgiu a artista – e o primeiro andar do instituto, onde foi montada uma instalação composta de 47 monitores com imagens documentais que demonstram seu diálogo com a literatura. A produção tem duração de 1h45, com imagens em looping.

A forma como as fotos estão dispostas na sala do piso térreo, em quadros suspensos na horizontal, além de palavras projetadas no chão e porções de terra do Subaé penduradas no teto, tem uma intencionalidade. “Minha ideia ali era criar um horizonte de imagem que você não vê a princípio. De longe você vê só as palavras no chão, a terra pendurada e a água (o som das marés), criando um ritmo. E que as pessoas percebam que fazem parte daquilo”, explica Bia Lessa. 

Diretora de teatro e cinema, ela vem mapeando a trajetória de Bethânia há anos. Dirigiu o documentário em vídeo Maria Bethânia – Brasileirinho ao Vivo (2004) e escreveu o livro Então, Maria Bethânia, fotobiografia da artista. 

Esse profundo conhecimento da alma da artista contribui para o retrato que se quer mostrar: o de uma artista que é ao mesmo tempo pilar e antena. Com a intenção de sair do óbvio de tudo o que se sabe sobre Maria Bethânia, esta mostra foi concebida “para que as pessoas olhem como se fosse a primeira vez”, afirma.

“A ideia é entregar ao público algo que demonstre a importância da palavra para Maria Bethânia. Num tempo em que podemos falar tanto pelo virtual – muitas vezes de modo descuidado até –, ver o cuidado com tudo o que ela diz, seja em palavras ou imagens que também são palavras em nossa mente, isso é uma lição boa para todos nós”, afirma o coordenador de Curadorias e Programação Artística do Itaú Cultural, Carlos Gomes.

Um dos dois bordados criados por Bethânia durante a pandemia – Foto Itaú Cultural

A Ocupação Maria Bethânia apresenta ainda os bordados Rotas do Abismo e O Céu de Santo Amaro, peças inéditas que ela teceu durante a pandemia. A plataforma IC Play exibe o documentário Os Doces Bárbaros, e o Núcleo de Formação promove ações educativas e oficina de bordados. As apresentações musicais do mês dialogam com a mostra e o repertório da artista, com shows do bloco Explode Coração e de Moreno Veloso. A Ocupação Maria Bethânia fica em cartaz até 9 de junho.

A família Veloso: Zezinho, Dona Canô, Caetano, Bethânia, Nicinha e Dadaia (atrás) – Foto Acervo Familiar/Itaú Cultural

Saiba mais no site do Itaú Cultural.

Andréa Oliveira é jornalista e escritora maranhense, autora de Maria Firmina, a Menina Abolicionista e João, o Menino Cantador, biografias do compositor João do Vale e da escritora Maria Firmina dos Reis para crianças de todas as idades. 

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