Numa bela noite fria típica da Avenida Paulista, coração das manifestações, das celebrações de títulos futebolísticos, dos barões das finanças, do nascimento de um golpe de Estado de 20 centavos, o Quinteto Violado fez nessa quinta-feira, 29, seu show em comemoração aos 50 anos de carreira do grupo (que na verdade são 52, com 56 discos). Calhou de acontecer no Blue Note, templo importado de outra tradição musical; calhou de ser em noite de debate presidencial na TV e às vésperas de uma eleição redentora; calhou de ter dois convidados especiais – o neto do pai da matéria Luiz Gonzaga, Daniel Gonzaga, e a Rainha do Forró, Anastácia, patrimônio nacional, de 81 anos.
Foi bem ali mesmo que o mítico conjunto nordestino resolveu afirmar mais uma vez a excelência da música brasileira de raiz popular. Primeiro, em sua especialidade natural, Luiz Gonzaga (1912-1989), fosse com o arranjo destroçante de Asa Branca ou a virada sensacional de Festa. O próprio Gonzagão dizia que era o Quinteto quem melhor se apropriava de seus clássicos. O show prossegue com o conjunto reinvestindo de significado duas lindas canções de Geraldo Vandré que já pareciam extemporâneas: Disparada (1966, com Theo de Barros) e Pra não dizer que não falei de flores (1968), que a plateia terminou cantando a plenos pulmões – de forma tão emocionada que parecia que a cantoria poderia se derramar sobre a avenida lá embaixo, entrando pelos ônibus e pelo metrô e pelos cafés.
Do Quinteto Violado original, só resta hoje Marcelo Melo, violão e voz e composição, paraibano de Campina Grande. Atrás dele no palco, estava o virtuoso violonista Waleson Queiroz, de apenas 25 anos, metade do tempo de estrada do mítico conjunto. É nesse engate entre gerações que a centelha permanece queimando. Anastácia entrou no palco duas vezes, e cantou um hino crossover, para usar um termo caro ao jazz, que ela compôs com seu grande parceiro Dominguinhos (1941-2013), com quem fez duas centenas de músicas: Eu só quero um xodó, de 1962. A canção, que foi gravada por meio mundo (contam que tem mais de 400 regravações, com destaque para a versão de Gilberto Gil em 1973) , teve a letra composta por Anastácia no momento em que ela fritava um peixe para o almoço.
Gilberto Gil, ao voltar do exílio, uma das primeiras coisas que ouviu foi o Quinteto Violado. Ficou siderado, definiu o conjunto como “free nordestino”, para fazer uma alusão ao free jazz e à liberdade improvisacional e a riqueza harmônica da música do grupo. Enquanto o grupo progride no palco do Blue Note, tratando tudo como se fosse tudo correlato, canções como Cavalo Marinho, Algodão, Rio Capibaribe (composição própria, premiada como Melhor Arranjo do festival MPB Shell 1980) e Ofertório (da Missa do Vaqueiro), o que se depreende é isso mesmo: a música do Quinteto Violado toma a linha evolutiva da música brasileira como uma casa sem paredes, relacionando Minas Gerais e Milton Nascimento com Quixadá e Padre Cícero. Flauta e violões e piano, agrupados em torno de uma bateria e um contrabaixo de pulsões rockers, acentuam a transversalidade das músicas da terra e do povo.
Amplamente reconhecido em seu tempo e além dele, condecorado com a Ordem do Mérito Cultural (no tempo em que as medalhas ainda tinham honra), o Quinteto Violado acaba de ser indicado novamente ao Grammy Latino pelo disco Na Estrada – Ao Vivo, com a Banda Pau e Corda, que concorre como Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa. Não é só de raízes que sua música trata, mas da universalidade delas e de sua capacidade de dizer aquilo que precisa ser dito na hora certa (todas as horas).
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto pra enganar